sexta-feira, 18 de setembro de 2020

"Fronteiras" , Burkina Faso, 2017, direção Apolline Traoré

 

cartaz de Fronteiras

Sinopse

Apolline Traoré

      
No filme dirigido pela jovem e consciente cineasta Apolline Traoré,  de Burkina Faso apresenta uma  viagem de ônibus entre o Senegal e a Nigéria, Adjara (Senegal), Emma (Costa do Marfim), Sali (Burkina Faso) e Visha (Nigéria) quatro mulheres se encontram e conhecem umas às outras e à si mesmas ao tentar ultrapassar muitas fronteiras físicas, simbólicas e legais numa travessia por dentro da África, sua geografia, costumes, seus dramas e humor,  em um filme feminino e emocionante, com uma música tema bem linda, um pouco árabe, me encantei.

Como o filme ocorre quase todo em torno de um ônibus, quase um Road Movie africano, que as personagens principais pegam e nele tentam ultrapassar as tantas fronteiras entre o Senegal e a Nigéria, é claro que ele é uma das personagens principais e muito se assemelha aos pequenos ônibus que ainda circulam nos interiores do Brasil, rompendo os campos quase intocados, mas dentro desse temos as várias cores da África:


É da janela desse ônibus que vamos, juntamente com as personagens, observando a beleza natural de África, do jeito que a imaginávamos, vastos campos verdes, com girafas correndo em liberdade. Um cenário para não deixar dúvida de que estamos ambientados naquele continente:
girafas

Mas claro que o enredo, ambientado nesses locais (África/ônibus), centra-se em algumas personagens que se destacam, quatro mulheres incríveis. Para evitar dar muito spoiler,não vou contar o que acontece exatamente com  cada uma delas, pois espero que um dia vocês possam assistir ao filme, mas quero fazer um comentário geral sobre cada uma.

Adjara

ADJARA

O filme começa com essa imagem da linda senegalesa Adjara (Amélie M’baye), cabelos ao vento, desfrutando um sopro de liberdade de dentro do ônibus. Com sua brilhante pele negra, Adjara é tão linda que a gente quase nunca consegue desviar os olhos dela enquanto ela aparecer na tela. É um banquete da beleza negra. Embora Adjara, que está em sua primeira viagem para para fazer comércio,  pareça ser ingênua no começo, aos poucos vamos percebendo que, embora bondosa com todos,  ela também  é esperta para se safar de situações mais difíceis. A mim chamou a atenção o figurino africano da personagem, muitas cores, do laranja ao azul claro , e em todos a beleza de Amélie M’baye se destaca, extasiante: 

ADJARA

 EMMA

EMMA

De início a personalidade de Emma (Nicky Sy Sauaré), uma senhora da Costa do Marfim, parece ser o oposto da de Adjara, pois se trata de uma bela senhora africana de mais idade, também viajando sozinha a trabalho no comércio entre as fronteiras, mas que não se dispõe a ajudar ninguém, nem parece  aberta a ser ajudada também. Muitas coisas mudam para ela durante a viagem e essas mudanças vão transformando sua personalidade, até que ao final podemos ver o belíssimo sorriso de Nicky Sy Sauaré quando sua personagem ,aos poucos, vai se abrindo para compartilhar sua experiência com as amigas, em um belo movimento fraternal.

SALI

SALI

Sali (Adizelou Sidi)  é a mais jovem das protagonistas, de início aparece no ponto de parada do ônibus em Burkina Faso, trazida por seu noivo, que a trata com muito carinho e lhe entrega um celular pelo qual se propõe a vigiar se esta saindo tudo bem com a noiva. Ao contrario de Adjara, Sali parece inocente e vai se mostrando assim mesmo. Sali é a única das protagonistas que se veste de forma ocidental e,talvez por isso, pode parecer muito com uma brasileira. No decorrer do filme a personagem vai ganhando importância e, ao final, é ela quem mais nos surpreende.

Visha

VISHA

Visha (Unwana Udobeong) é uma dona de restaurante em que pega o ônibus em Burkina Faso, para retornar à Nigéria, sua terra natal, para o casamento de sua irmã. De  início, como Emma, parece intratável, mas logo  percebemos que se trata de uma mulher muito sábia, capaz de compreender logo o drama pessoal das outras pessoas. Uma personagem muito bonita. Em torno dela temos uma das mais belas e emocionantes  cenas do filme, quase ao final, que não posso dizer qual é para manter a surpresa.

FINAL


MULHERES

O importante é saber que essas quatro mulheres protagonizam o filme e que, ao final, é lido um texto muito bonito, talvez mostrando as ideias de Apolline Traoré ao dirigir esse filme. Transcrevi todo o texto, pois para mim ele resume a alma de “Fronteiras”:

"Dizem que uma mulher suporta tudo, precisa suportar qualquer coisa. Dizem que Deus fez a mulher com as costas fortes o suficiente. Sempre nos disseram  que no final da paciência está o céu. Mas ninguém fala nada da cor desse céu. Todas essas mulheres nas estradas, que deixam seus filhos, às vezes contra a vontade da família, para desbravar a estrada em busca de um céu que possa ser azul, mas com frequência é preto de dor e medo, ou vermelho de sangue. O ponto nossa jornada, de nossa busca: alimentar nossa família, crescer, sobreviver, tornar-se  independente, ou ser um exemplo para nossos filhos.Rapidamente, algo tão simples se torna tão dramático. Nós amamos as coisas simples, mas coisas simples não existem. Em cada coisa que aparenta ser simples, há 300 outras complicadas. Problemas, corrupção, roubo, acidentes, estupro... centenas de mulheres passam por isso todo dia e vão continuar passando. Nós partimos nessa viagem com promessas, mas promessas criam mentiras. Nada acontece como deve, todo mundo está tentando descobrir à medida que segue. Mas, por falta de algo melhor, nos elevamos quando é preciso, e entramos em um ônibus. Você  não pode pintar vermelho sobre vermelho,ou branco sobre branco. Somente pintando branco sobre vermelho que a verdade é revelada.

Foi isso que nós aprendemos na estrada. Nós não nos conhecemos realmente até que, o outros param em frente a nós como espelhos. E então nós vemos o nosso próprio medo, nossa própria força, nossa generosidade também. O que você dá aos outros, nós estamos na verdade dando a nós mesmas. É quando tudo termina, nós voltamos para casa, voltamos para nossa rotina, nos perguntando se estamos condenadas. Dizemos a nós  mesmas que, em todo caso,  temos que ter uma expressão firme para encarar nosso azar, mas ao colocar uma expressão firme, sob o peso de muito azar, um dia vamos explodir" (filme Fronteiras, 2017)         

Sobre este filme há esta linda resenha de Ivonete Pinto