“Esperamos que a imagem traga a informação complementar que torne o Auto mais compreensível. É uma obra difícil e tem de ser acompanhada com libreto, pois é quase um dialeto, um ‘sertanês", completa.
Os bonecos são todos manipulados por técnicas com as quais o grupo já está habituado: de balcão (os menores), habitáveis (como são chamados os gigantes) e pantins (bidimensionais). Nessa área, a novidade ficará por conta do sistema de iluminação móvel que está sendo testado para alguns bonecos. “Como a cena dos bonecos convive com a cena musical, é preciso ter cuidado com os equipamentos. O espaço fica mais limitado e um descuido dos marionetistas pode desplugar um cabo, por exemplo. Por outro lado, os bonecos não podem ficar expostos à luz, o que desvenda a presença do marionetista”, observa Marcos. Os bonecos gigantes são os que mais se locomovem e, por isso, deverão ter sistema próprio de iluminação.
Amor e morte
A história de Auto da Catingueira
Composta de prólogo (“Bespa”) e cinco atos (“Da catingueira”, “Dos labutos”, “Das visage e das latunia”, “Do pidido” e “Das violas da morte”) a obra, com 790 versos, é construída em linguagem dialetal, com regionalismos nordestinos que se fundem com a forma de origens clássicas da composição. Narra a saga da bela pastora de cabras Dassanta e as paixões que inspirou. Depois da apresentação dos personagens, com seus modos de vida, angústias e desejos, o auto chega ao duelo pelo amor de Dassanta: em vez de armas, o espectador presencia uma disputa de violas, num desfile de mais de uma dúzia de estilos musicais diferentes, como a parcela, o coco voltado e a tirana, todos eles quase extintos.
Uma das mais importantes obras do compositor baiano Elomar, a ópera Auto da Catingueira foi lançada num álbum duplo em 1983 e teve várias de suas faixas gravadas separadamente em outros discos do artista – anteriores e posteriores. Além disso, várias delas foram interpretadas (avulsas) por ele em seus concertos e cantorias. No entanto, dias 16 e 17 deste mês ela será apresentada pela primeira vez e de forma integral no palco, permitindo que suas intenções originais – cênicas, poéticas e musicais – sejam agora percebidas de maneira completa. A estreia será no Grande Teatro do Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
No momento, parte das atenções se voltam para a oficina do grupo de teatro de bonecos Giramundo, na capital mineira. Lá estão sendo finalizados os 16 bonecos que fazem parte do elenco e que darão vida a personagens como Dassanta, Lobisomem, Cantador do Nordeste, o tropeiro Chico das Chagas e o Cego cantador. Os trabalhos começaram há cerca de dois meses, envolvendo isopor, madeira e papel craft, entre outros itens. Metade dos bonecos ficará com cor e textura dos materiais empregados. “A intenção é valorizar mais a forma do que a cor, colorindo os bonecos com a luz. O Auto não é o mundo do ornamento”, explica Marcos Malafaia, diretor da companhia, criador dos bonecos e preparador de cena.
O espetáculo, que conta com direção geral do próprio Elomar, tem direção de cena de João das Neves e direção musical de João Omar, filho do compositor. O elenco musical conta com nomes que participaram das gravações originais: Xangai (Cantador do Nordeste), Dércio Marques (Chico das Chagas) e Marcelo Bernardes (flauta). A escolha do personagem-chave, Dassanta, foi feita pelo próprio Elomar em audição, sendo que duas cantoras dividirão o papel: Luciana Monteiro e a argentina Cecilia Stanzione. Completam o time Ocelo Mendonça (violoncelo), João Omar (violão) e Saulo Laranjeira (narração). Na ocasião, será gravado um DVD. O produtor Mário de Aratanha e o cantor Xangai são os patronos da ideia.
Nova equipe
Esta é a primeira vez que o Giramundo trabalha em parceria com grupo formado por ex-integrantes da companhia. Neste caso, trata-se do Terno Teatro (Camila Polatsheck, Paulo Emílio Rocha Luz, Márcio Antonio de Miranda e Fabíola Rosa), responsável pela construção e manipulação dos bonecos – a criação e supervisão estão a cargo de Marcos Malafaia. “Vamos investir nisso para compor equipes diferentes, cada uma para um perfil de projeto. Isso aumenta a possibilidade de participarmos de mais produções e de maneira controlada”, afirma o diretor do Giramundo. Por questão de custo, a equipe do grupo, antes composta por 50 pessoas, hoje foi reduzida para 10.
Sertanês
Por enquanto, marionetistas, instrumentistas, cantores, iluminadores, cenógrafos e narrador trabalham separadamente. Somente no dia 6 é que todos os envolvidos se encontrarão para série de oito ensaios coletivos no Teatro Dom Silvério. “Conhecia as músicas mais famosas do Elomar, do rádio e da época da faculdade. Foi uma surpresa grande estudar a fundo o Auto. É daquele tipo de obra que quanto mais conhecemos, mais lados e virtudes descobrimos. É como uma caixa que se desdobra. Traduziremos isso de maneira visual. Além disso, é um privilégio poder trabalhar com o autor”, conta Marcos Malafaia.
Elomar, que recebeu a equipe na Casa dos Carneiros, propriedade rural onde mora, na caatinga baiana, promoveu lá uma audição comentada do Auto da catingueira. Assim, expôs suas intenções em relação à montagem e eliminou quaisquer dúvidas em relação à linguagem, baseada no português rústico falado no sertão, recriado poeticamente. “Ele fez pedidos de personagens dos quais faz questão e percebemos que o que ele queria era traduzir em imagens o aspecto fantástico da obra, com arquétipos. Daí o interesse dele pelos nossos bonecos. Ficaria incompleto se fossem humanos atuando”, esclarece o diretor do Giramundo.
Essa não é a primeira vez que o grupo trabalha lado a lado com músicos, o que já ocorreu diversas vezes, como em A flauta mágica e O carnaval dos animais. “Agora, estamos mais próximos da música popular, como em nosso trabalho com o Pato Fu, em Música de brinquedo”, acrescenta ele. De toda forma, a música de Elomar não é o que se pode chamar exatamente de popular, marcada por elementos da música medieval e erudita, por exemplo.
Nossa! Não digo sempre que o disco "Música de Brinquedo" é uma coisa muito mais sensacional do que muita gente acha (até mesmo do que ele aparenta ser?). Essa turma do Elomar manja MUITO DE MÚSICA, assim como ele próprio...
Que bonito! Que emocionante!