Estava lendo um trecho de um trabalho ENORME que escrevi para um curso na pós, onde eu faço muitas comparações interessantes. Como exemplo, destaquei a entre Scott Fitzgerald; Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Vejamos:
"A personagem Benjamin Button, do conto de Scott Fitzgerald, é aquele que nasce velho e vai rejuvenescendo até tornar-se criança novamente:
'...Não havia nenhuma memória conturbada em seu sono infantil; nenhum resquício de sua
ousadia na faculdade nem nos anos dourados em que ele abalou o coração de tantas garotas.Havia apenas as paredes alvas e confortantes do berço, a babá Nana e um homem que vinha vê-lo às vezes. E uma enorme bola alaranjada para a qual a babá Nana apontava antes de pô-lo dormir chamada Sol. O passado; a violenta incursão liderando seus homens no monte San Juan. Os primeiros anos de casamento, quando ele trabalhava até tarde pelas noites de verão na cidade para sua jovem Hildegard, que ele tanto amava. Os dias longínquos em que ele se sentava, fumando até tarde da noite na sombria casa Button na rua Monroe com o avô. Tudo se dissipou em sonhos imateriais de sua mente, como se nunca tivesse existido. Ele não se lembrava. Ele não lembrava bem se o leite era morno ou frio em sua última refeição, ou como os dias se passavam. Havia apenas o berço e a presença familiar da babá Nana. E então ele esqueceu tudo. Ao sentir fome, ele chorava...e isso era tudo. Por dias e noites, ele respirava enquanto sobre ele pairavam sussurros e murmúrios abafados que ele mal ouvia, além de alguns leves odores diferentes e a luze a escuridão. E então tudo ficou escuro. E seu berço...e o doce aroma morno do leite...se esvaíram por completo de sua mente” (Fitzgerald, O Curioso
caso de Benjamin Button. São Paulo: Cia das Letras.2009. p. 116-19)”
Neste texto a máquina poema consegue trilhar o caminho oposto àquele da realidade, pois não conta como o bebê adquire capacidades e subjetividade, mas sim como ele - antes adulto - as vai perdendo e se aproximando do território da estranheza profunda. Com essa representação
Fitzgerald encena para o leitor o reverso do processo de substituição da plena liberdade da linguagem corporal pelo “espaço de sentido” tempo, que a criança vive ao ascender ao verbal: Benjamin Button perde a memória, a capacidade plena dos sentidos, a noção de passado ou futuro até que toda sua vida vira um grande ‘como se nunca tivesse existido’.
Nesse sentido o conto de Fitzgerald lê a contrapelo o processo de subjetivação infantil e o representa como sendo o oposto do espaço da criança que se constrói como sujeito. Esse caminho é representado diretamente no conto de Clarice Lispector
'...Não havia nenhuma memória conturbada em seu sono infantil; nenhum resquício de sua
ousadia na faculdade nem nos anos dourados em que ele abalou o coração de tantas garotas.Havia apenas as paredes alvas e confortantes do berço, a babá Nana e um homem que vinha vê-lo às vezes. E uma enorme bola alaranjada para a qual a babá Nana apontava antes de pô-lo dormir chamada Sol. O passado; a violenta incursão liderando seus homens no monte San Juan. Os primeiros anos de casamento, quando ele trabalhava até tarde pelas noites de verão na cidade para sua jovem Hildegard, que ele tanto amava. Os dias longínquos em que ele se sentava, fumando até tarde da noite na sombria casa Button na rua Monroe com o avô. Tudo se dissipou em sonhos imateriais de sua mente, como se nunca tivesse existido. Ele não se lembrava. Ele não lembrava bem se o leite era morno ou frio em sua última refeição, ou como os dias se passavam. Havia apenas o berço e a presença familiar da babá Nana. E então ele esqueceu tudo. Ao sentir fome, ele chorava...e isso era tudo. Por dias e noites, ele respirava enquanto sobre ele pairavam sussurros e murmúrios abafados que ele mal ouvia, além de alguns leves odores diferentes e a luze a escuridão. E então tudo ficou escuro. E seu berço...e o doce aroma morno do leite...se esvaíram por completo de sua mente” (Fitzgerald, O Curioso
caso de Benjamin Button. São Paulo: Cia das Letras.2009. p. 116-19)”
Neste texto a máquina poema consegue trilhar o caminho oposto àquele da realidade, pois não conta como o bebê adquire capacidades e subjetividade, mas sim como ele - antes adulto - as vai perdendo e se aproximando do território da estranheza profunda. Com essa representação
Fitzgerald encena para o leitor o reverso do processo de substituição da plena liberdade da linguagem corporal pelo “espaço de sentido” tempo, que a criança vive ao ascender ao verbal: Benjamin Button perde a memória, a capacidade plena dos sentidos, a noção de passado ou futuro até que toda sua vida vira um grande ‘como se nunca tivesse existido’.
Nesse sentido o conto de Fitzgerald lê a contrapelo o processo de subjetivação infantil e o representa como sendo o oposto do espaço da criança que se constrói como sujeito. Esse caminho é representado diretamente no conto de Clarice Lispector
“Menino a bico de pena”, onde vemos uma criança de poucos meses que
'tem que se transformar numa coisa que pode vir a ser vista e ouvida senão ele ficará só, tem que se transformar em compreensível senão ninguém o compreenderá, senão ninguém irá para o seu silêncio ninguém o conhece se ele não disser e contar, farei tudo o que for necessário para que eu seja dos outros e os outros sejam meus, pularei por cima da minha felicidade real que só me traria abandono, e serei popular,faço barganha de ser amado, é inteiramente mágico chorar para ter em troca:mãe.' (Lispector, Menino a bico de pena.In: Felicidade clandestina.Rio
de Janeiro:Rocco.1998.p.138)
No texto de Lispector as coisas acontecem no tempo cronológico, mas embora a narração procure interromper o processo de educação do bebê, acaba atuando como uma voz superior, que “explica” a relação entre a alimentação a partir do corpo da mãe com a procura por palavras. Estamos falando do processo de busca por sentidos através da linguagem que, para as crianças, possibilita diferentes capacidades narrativas sobre o tempo e o mundo que procuram se apresentar de forma mais completa, como a historiografia.
Já a escrita de Guimarães Rosa atua de forma diferente tanto da Fitzgerald quanto de Lispector, pois caminha mais longe da representação direta – não é preciso que se fale em bebês para que o leitor se sinta no mundo do estranhamento."
de Janeiro:Rocco.1998.p.138)
No texto de Lispector as coisas acontecem no tempo cronológico, mas embora a narração procure interromper o processo de educação do bebê, acaba atuando como uma voz superior, que “explica” a relação entre a alimentação a partir do corpo da mãe com a procura por palavras. Estamos falando do processo de busca por sentidos através da linguagem que, para as crianças, possibilita diferentes capacidades narrativas sobre o tempo e o mundo que procuram se apresentar de forma mais completa, como a historiografia.
Já a escrita de Guimarães Rosa atua de forma diferente tanto da Fitzgerald quanto de Lispector, pois caminha mais longe da representação direta – não é preciso que se fale em bebês para que o leitor se sinta no mundo do estranhamento."