quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

OS DETALHES, A CIÊNCIA, A ARTE E A VIDA

Se quisermos falar de detalhes, coisas pequenas, podemos nos lembrar de um disco do Gilberto Gil chamado Quanta, que abre com uma canção que trás o mesmo nome, cuja letra é assim:

Quanta do latim
Plural de quantum
Quando quase não há
Quantidade que se medir
Qualidade que se expressar
Fragmento infinitésimo
Quase que apenas mental
Quantum granulado no mel
Quantum ondulado do sal
Mel de urânio, sal de rádio
Qualquer coisa quase ideal
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos
Canto de louvor
De amor ao vento
Vento arte do ar
Balançando o corpo da flor
Levando o veleiro pro mar
Vento de calor
De pensamento em chamas
Inspiração
Arte de criar o saber
Arte, descoberta, invenção
Teoria em grego quer dizer
O ser em contemplação
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos
Sei que a arte é irmã da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento e no mesmo
momento desfaz


Bom, a música diz muitas coisas interessantes, não acham? Essa preocupação com o quase ausente - como o que quase não há - que recentemente têm preocupado muito os cientistas (vide nanotecnologia), mas que esteve na literatura desde sempre...
Prestando atenção em detalhes é o único meio possível de se ler um livro como o Tutaméia, por exemplo.Voltando ao Gil, no encarte do disco Quanta é publicada uma carta do físico César Lattes (é, aquele mesmo da Plataforma Lattes) sobre a arte e a ciência nas canções ali expostas:

“Campinas, 05 de fevereiro de 1997
Agradeço as atenções e remessas. Não tenho conhecimento musical que me permital dar uma apreciação à altura do K7 que você me enviou. Posso dizer que gostei muito, assim como já havia apreciado toda a obra de Gilberto Gil que chegou ao meu conhecimento.
Peço apenas que me permita dizer o sentido que a física dá atualmente a algumas palavras que você usou, com muita felicidade, mas que em alguns casos me parecem licença poética:
O ‘infinitérrimo’ é uma ficção matemática. O Quantum é o mínimo de ação (energia x tempo). O Quantum de ação é mais real do que a maioria das grandezas físicas: seu valor não depende do movimento em relação ao observador. Tiraria ‘quark’ que está na moda com ‘cromodinâmica quântica’, mas que só pode aparecer escondido. Não engoli ainda, apesar dos livros modernos e da Enciclopédia Britânica.
Sobre as letras:
‘Ciência e arte’ : comovido agradeço a atenção.
A ciência se insemina subliminamente. A ciência é uma irmã caçula (talvez bastarda) da arte: Camões pediu ajuda do engenho e da arte – não da ciência. Salomão diz que ‘ciência sem consciência não é senão a ruína da alma’ – a arte, não.
Paro por aqui, porque Salomão também diz:
‘Não busques ser demasiado justo nem demasiado sábio: queres te arruinar?’
Para concluir cito um grande arquiteto:
‘Quando ciência se cala, a arte fala.” (Artigas).Com um abraço
César Lattes
Se até um físico reconhece a força do dedo da arte, porque não uma historiadora? rsrs