Quando chegou, eu toda feliz |
Vamos falar um pouco sobre Gabriela!
Não vou colar aqui todos os comentários que fiz durante a longa leitura, mas terminei de ler há quase uma semana
Demorou tanto para terminar a leitura de Gabriela, Cravo e canela, que nem queria pensar mais no livro, como comentei esta manhã de 16 de abril!
REPRESENTAÇÕES DE GABRIELA I- É verdade que este é o romance de JA que menos gostei até agora, mas não posso nunca dizer que, por isso, ele é ruim. Loge disso, ele está me pirando o cabeção, por vários motivos. Por exemplo, as representações de Gabriela. A alegre menina cobiçada pelos homens de Ilhéus, até agora, me parece uma personagem simples, a complexidade e a malícia está nos olhos de quem a via e vê até hoje, escondida debaixo das tantas representações que adquiriu. Certa vez li e queria reler, um depoimento, provavelmente de Walter Avancini, diretor da primeira novela Gabriela em 1975, onde ele explica que, se o romance de JA a questão central é a luta política no sul da Bahia nos anos 1920, auge da extração do cacau, novela destacaria a sensualidade de Gabriela. Assim foi feito, e como de costume nas adaptações de JA para o áudio visual, as complexas discussões sobre a política ou a crítica social são achatadas ou descartadas. Nesse caso, em especial, deu muito certo, até hoje quando se fala em Gabriela, é dificil não se pensar numa mulher parecida com a Sonia Braga. Tenho tentado pensar em outras imagens para ela, porque ela já existia antes disso, inclusive.
GABRIELA E SUAS REPRESENTAÇÕES II - Procurando o texto de Avancini, cai numa dissertação de mestrado de 2005 sobre a recepção crítica de "Gabriela" . Muito boa, aliás, comentando vários pontos e autores. Dela eu destaco esse trecho:"o crítico Silvio Castro, em seu ensaio 'Jorge Amado e a recepção crítica'(1992), aborda, justamente, o ponto crucial que rodeia a produção literária amadiana: o constante conflito no exercício da crítica. E vários são os motivos dissonantes : o uso do calão, as constantes repetições, uma linguagem próxima da oralidade, povoamento de suas obras com personagens alcoólatras, prostitutas e homossexuais, além de personagens negras, turcas e árabes. Todos esses elementos fazem parte das contendas da crítica literária que envolve a produção do autor.Castro evidencia a divergência entre as análises que tomam por base a inserção da produção literária de JA na 'tradição literária brasileira' e a convivência da crítica com esta obra.""Revisitações a Gabriela: Uma experiência de leitura da recepção crítica do romance", Renata Maria Souza do Nascimento. Dissertação de mestrado em Letras UFBA,2005,p. 63Em um determinado momento Renata diz que um novo frescor tomou conta dos estudos críticos da obra amadiana, com a entrada de analistas vindos da antropologia ou sociologia, uma vez que a crítica literária tradicional não saia dos seus moldes de avaliação clássico. Já em Jorge Amado era preciso ampliar as perspectiva, imaginem em Torto Arado, por exemplo!
GABRIELA - Como é difícil de ler, ela está sempre escondida embaixo de outras leituras e imagens que dela fizeram que nunca sei se ela é mesmo só isso. Espero (e desejo) que não seja! Por enquanto só tenho aprendido mais a ver como funciona a cabeça dos homens (até hoje) sobre a "alegre menina" Gabriela, ou melhor, diante todo esse imaginário em torno de Gabriela. Entendendo tudo isso, em nome de Malvina (talvez minha personagem favorita do romance), não tenho mais com apedrejar Gabriela
Mas e sobre Malvina, o que eu comentei durante a leitura? Quando reparei nessa personagem, senti nela um protagonismo de mulher amariana, que falta em Gabriela, e depois, em 25 de março escrevi :
"GABRIELA": SURGIU A PROTAGONISTA?- O romance se Amado tem uma estrutura simples: quatro capítulos de cerca de 100 páginas e está dividido em duas partes. Na primeira parte, senti falta da protagonista Gabriela (que está no título), pois ela aparece só no final do cap.2, mas surge como uma mocinha de romance romântico, não uma mulher de Jorge. Achei que na segunda parte ela poderia protagonizar, mas logo ao começar o cap. 3 ela deu uma sumida de novo e quem brilha é Malvina, uma filha de coronel que se coloca abertamente contra o pai seu coronelismo e defensora das mulheres em plenos anos 1920... Essa, sim, está à altura das grandes personagens femininas de Jorge , que comandam suas vidas! Estou só no começo do capítulo, mas de cara a Malvina me agrada mais que a Gabriela. Vamos ver se a impressão de confirma.
Dentre tantas coisas incríveis que vemos em Malvina, o que mais me chama a atenção é o fato dela ser uma mulher que lia, que brigava pelo direito de ler , o que comentei em 30 de março
GABRIELA E AS MULHERES QUE LEEM - Acho que essa ilustração de Di Cavalcanti não representa Gabriela,mas minha personagem favorita, a Malvina, a filha de coronel que tem a OUSADIA DE LER. Recusando o pedido do coronel de não vender mais "livros ruins" para ela, o dono da livraria responde:"- Tenho livros para vender. Se o freguês quer comprar não deixo de vender. Livro ruim, que é que o senhor entende por isso? Sua filha só comprou os livros bons, dos melhores autores. Aproveito para lhe dizer que é môça inteligente, muito capaz. É preciso compreendê-la, não deve tratá-la como uma qualquer."
Mas Gabriela, o romance e a personagem são bem amadianos, produtos de uma bem imbricada trama com a literatura oral, não é à toa que as adaptações receberam as trilhas sonoras mais belas , com canções que definem bem Gabriela, como essa belezinha, que é um poema que aparece no romance e foi musicado por Dorival Caymmi para a trilha sonora da novela Gabriela de 1975, que também contava com canções representativas do universo de Ilhés de Gabriela , como esse samba de roda baiano . Mas a mais bela canção composta para Gabriela é mesmo "Tema de amor para Gabriela", de Tom Jobim, com a citação de várias cantigas tradicionais da zona cacaueira, coisa mais linda! Sempre me emociono!
Para terminar, uso uma citação bela, que eu acho que também define essa personagem, que é a terra da Bahia, com seus cheiros e temperos, que o árabe nacibe tanto amava e é tão amada pelos brasileiros e brasileiras:
"Êle (seu Nacib) a olhou alucinado, viu a terra molhada de chuva, o chão cavado de enxada, de cacau cultivado, chão onde nasciam árvores e medrava o capim. Chão de vales e montes, de gruta profunda, onde êle estava plantado. Ela estendeu os braços, puxou-a para si. Quando se deitou a seu lado e tocou seu calor, de súbito então tudo sentiu : a humilhação, a raiva, o ódio, a ausência, a dor das noites mortais, o orgulho ferido e a alegria de nela queimar-se. " (448-9)
Viva Gabriela , do cheiro de cravo e da cor de canela!