sábado, 27 de janeiro de 2024

"A dançarina de Izu", de Kawabata: terceiro livro de janeiro 2024


                                   

Capa deslumbrante da Editora Estação Liberdade:
obra de Midori Hatanaka para está edição, acrílico s/ folha de ouro 


Á esquerda de alcinha, quando comecei a ler.
À direita de gola alta, quando terminei de ler.
Coincidência: sempre de azul petróleo, cor de 2024!

 


Terminei essa manhã meu terceiro livro de janeiro 2024. Eu escolhi ler o Prêmio Nobel de Literatura 1968, Yasunari Kawabata (1999-1972),  porque sabia que seria um texto esteticamente atraente e queria ainda aliviar o peso de Becos da Memória, da Conceição Evaristo.

Emprestei esse volume da Biblioteca do Sesc Pompéia sem saber mais do que se tratava, além do autor, e foi surpreendente. Não é um romance, é uma novela. Mais precisamente um recorte de uma narrativa de viagem de férias do narrador,  de um jovem que não é nunca nomeado, de então 19 anos, em 1926,  que guarda alguns traços em comum com a biografia de Kawabata - um homem solitário que muito jovem se despediu de familiares, especialmente as mulheres -  e que nessa travessia percorre belos locais ao redor de Kioto  até Izu.
 
Quando o livro começa o narrador já estava em viagem e já tinha encontrado antes a trupe de artistas mambembe que, durante o tempo em que se desenvolve a narrativa, passam a ser seus companheiros de viagem. 

Entre os artistas está a tal dançarina que toca tambor, de nome  Kaoru, então com  treze anos, mas que de início lhe parecia mais velha, por quem ele se encanta, numa admiração que sutilmente varia entre o erótico e o contemplativo.

Aliás, ouso dizer que esse livro, típico do estilo de Kawabata,  é a narrativa da contemplação, pois vemos o mundo através dos olhos do narrador, que tem um interesse estético não assumido, mas demonstrado em suas descrições poéticas: ele narra como quem desenha o cenário por onde as personagens vão passando, afinal ele é alguém que contempla a beleza da natureza e das pessoas, especialmente da pequena dançarina, que o desconcerta.
 
Por ser alguém que tem prazer estético em adentrar o outro tempo do "ver e não pensar", que é o da contemplação, faz sentido  que ele  tenha se ligado ao grupo de artistas, ainda que em todos os lugares veja placas alertando que é proibida a entrada de mendigos e artistas, mostrando como era mal vistos.

Por se tratar de um texto de Kawabata, onde  sempre existem muita ambiguidade, nesse livro isso está concentrado na própria dançarina, Kaoru, a figura feminina fugidia, que ele sabe ser sempre impossível, mas que ele não resiste a contemplar sempre que possível.

Mais um livro de Kawabata que cumpre o que eu esperava, me trouxe um texto poético e delicado, destacando as belezas da vida.

DURANTE A LEITURA POSTEI NAS REDES:

"DANÇARINA : Imersa e já quase na  metade  da novela "A dançarina de Izu", de Kawabata eu fico naquela ambivalência que a escrita dele nos coloca, um estranhamento, você lê, não sabe porque está lendo aquilo, mas não consegue parar de ler. O que se apresenta é uma viagem (ainda não sei bem o motivo) feita por um japonês de 19 anos até Izu, que pode ter fundo autobiográfico. No caminho ele encontra uma trupe de artistas de rua que se tornam seus companheiros de viagem. Nesse grupo está a delicadíssima bailarina que o encanta. O livro é escrito em primeira pessoa e você vai vendo o que o jovem vê: um texto cheio de contemplação , mais  ou menos  como em "A casa das belas adormecidas". Até agora o destaque da narrativa está na beleza e delicadeza das descrições , seja  das paisagens, ou das pessoas. Orientais, detalhistas... Outro mundo! Por enquanto ainda não apareceu a chave literária (em "a Casa das belas...", me veio quando surge Buda -o desperto- nas memórias do velho protagonista, no momento em que ele está em meio às jovens adormecidas: velhice/juventude, desperto/adormecidas), talvez nem venha nessa novela ,vamos ver..."

ALGUNS TRECHOS BONITOS 

"Fiquei ansioso e deixei a porta aberta. Permaneci sentado e imóvel. Cada vez que ouvia o som do tambor, meu coração batia mais forte, como a tentar acompanhar o instrumento.'Ah, a dançarina ainda está no banquete, e continua tocando o tambor.'
Toda vez que o som cessava, o silêncio se tornava insuportável. Mergulhei de corpo e alma no ruído aquoso da chuva. (...) Fechei a porta e fui dormir, mas meu coração recusava o descanso. O que estaria fazendo a pequena dançarina? Alguém a acompanhava pelo resto da noite? Mais uma vez entrei no banho. Esfreguei-me com força.
A chuva parou e a lua surgiu. Lavada pela chuva, a noite de outono olhava intensamente. Pensei em sair descalço para vê-la, mas já passava das duas horas da manhã."(p.25-6)


"Ao chegar aos dezenove anos, comecei a refletir sobre minha personalidade solitária. Não suportando esta melancolia, parti para a viagem em direção a Izu. Portanto, o fato de pessoas comuns (os artistas companheiros de viagem) me verem como uma boa pessoa era para mim muito gratificante. As montanhas continuavam a emitir uma claridade. Sinal de que Shimoda e o mar estavam próximos."(p.49)

"Em meio a escuridão, enquanto me aquecia com o calor do corpo do estudante a meu lado, meus olhos converteram-se em dois pequenos oceanos cercados por todos os lados pela minha face. Minha mente parecia estar se transformando em fonte de água pura que, como a vida, se derramava gota a gota. Por fim sobrou o doce sentimento de nada mais restar."(P.59-60)