domingo, 30 de maio de 2021

Capítulo 7


 

No impactante "O avesso da pele"(114), sobre o qual tenho muito a dizer, mas ainda não tenho tempo para escrever minhas considerações gerais, o narrador lembra uma passagem com o pai, quando contou que não sabia como se declarar a uma colega de faculdade . O pai empresta o "Jogo da Amarelinha" do Cortázar. Deveria emprestar o livro a ela? Claro que não, isso seria muito impessoal, ele deveria COPIAR O CAPÍTULO 7 (Quem leu já sabe qual é, quem não leu, ouça aqui) e entregar para ver como ela ia reagir. Não ficamos sabendo o fim dessa história, mas acho que ele nem chegou a entregar porque a moça, definitivamente, não estava afim dele.

Esta história me lembrou outra, da época da faculdade. Era o "geógrafo de olhos verdes", que sempre pegava ônibus comigo e que eu encontrava "ocasionalmente" todo fim de semana no cinema (como na música do Bituca "no cinema, na escola, cê não me dá bola"), e que incrivelmente, até gostava de prosear comigo, mas era meio tapado, sei lá (homens). Mas eu ia formar e, possivelmente, não o veria jamais, então achei que era bom dar uma de Elvis Presley: It's now or never! Com a letrinha bonitinha que eu tinha antes da EM detonar minha caligrafia, eu escrevi o trecho mais lindo de Herberto Helder

"Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram."

E fiquei estudando na biblioteca (naquela época ainda era no prédio da História) até passar o ônibus das 22 horas. Eu sabia que ele ia pegar no próximo ponto, pois estava fazendo licenciatura na Educação (mulheres sabem tudo, né). Pois então, dito e feito, sentei no banco "de sempre" ele subiu e sentou ao meu lado. Conversamos e eu entreguei para ele o papel.

Ele leu e me DEVOLVEU! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Putz, que fora!!!!!
Só disse para ele guardar com ele, eu tinha outras cópias. Quem nunca, né?
Se alguém me desse aquele poema eu nem sei o que faria! kkkkk