domingo, 16 de fevereiro de 2014

Nossos Ossos, Marcelino Freire



Um aperitivo do texto de Marcelino Freire, um profundo estranhamento, menos de linguagem do que de circunstância... é um texto duro, duríssimo, mas necessário:

"Fazíamos teatro com as vértebras, com os trapézios, lisos e carecas, a gente limpava o que tivesse ficado de pelo e pele, dos restos alheios eram construídos brinquedos, bolotas de fibras fósseis, nossas rodas, moeda de troca, às vezes eu saía por detrás da cacimba vestido igual a um cangaceiro.
Capa de couro bovino, espada de fêmur, saiote de cóccix e uma máscara natural, a minha cara borrada de carvão, gesticulava feito um demônio, assustava a todos com a minha voz de trovão saída do estômago, EM PÉ, EU, SOBRE UMA PEDRA, NO DESERTO QUE FOI A MINHA INFÂNCIA.
Minha dramaturgia veio daí, hoje eu entendo, desses falescimentos construí meus personagens errantes, desgraçados mas confiantes, touros brabos, povo que se põe ereto e ressuscitado, uma galeria teimosa de almas que moram entre a graça e a desgraça."
Marcelino Freire. "NOSSOS OSSOS", p. 26-7

 É a mesma coisa, só que diferente, talvez, mas não pude deixar de lembrar da famosa foto de Sebastião Salgado, mostrando crianças brincando com ossos de animais mortos durante uma seca no nordeste na década de 1980:


... referências e mais referências...

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Memória de infância, com "algum sotaque" de adulto, por Antonio Prata...

Procurei na web, mas não achei a entrevista muito boa do Antonio Prata que assisti ontem (13 de fevereiro de 2014)  no programa  Metrópolis, acho uma pena não ter, porque Prata  falou coisas muito interessantes sobre o seu delicioso livro "Nu, de botas" e sobre como foi escrever a partir de uma perspectiva infantil... me lembro que ele disse algo como: 

"eu, um adulto de 36 anos, escrevendo como se fosse uma criança, devo ter deixado escapar um "CERTO SOTAQUE"...


Achei genial, como muitos comentários, o livro dá pano pra manga para pensar questões de gêneros literários (tipo, eu li como um romance, só depois "descobri" que eram crônicas, mas como o texto é bom, nem me importei tanto...), o próprio Prata explicou que são puras memórias de infância, lembranças recheadas de invenção, quando a memória mesma era apenas um lapso e sozinha não preencheria nem uma crônica ...
Uma pena o site do Metrópolis não ter disponibilizado ainda esta entrevista para revermos ... para os que ainda não leram "Nu, de Botas", mais uma vez fica a dica!

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Tom Zé pela Orquesta Jovem de Paquetá, em turnê na Alemanha

Disse o TomZé no Facebook: 
"Tom ZéOlá, pessoal da Orquestra Jovem Paquetá! Aqui em casa a gente ouviu sem respirar. Fiquei o tempo todo me lembrando de Zé Miguel Wisnik, porque muita coisa desse arranjo se deve à armação que ele fez com 2 ou 3 horas de gravação e com o que ele me pedia pra compor depois da música pronta. Ele merece ouvir também. 
O trabalho de vocês é incrível em várias dimensões: o arranjador pescou as coisas mais nucleares da peça feita para dançar. Mas o que ultrapassa toda a expectativa é o desmanche feito com essa instituição que é a orquestra sinfônica, desmanche que começa pelo movimento da moçada do jovem grupo orquestral e renasce como a lenda do fênix, numa metamorfose em que a orquestra dá a impressão de ser recriada, de novo, vindo do horizonte para o centro do palco. 
Essa parte da invenção de vocês com o maestro naturalmente vai se consagrar porque, uma vez aberto o caminho, muita orquestra nova repetirá esse milagre estratégico. Agora é que soube que esse número foi executado na Alemanha. Muito a propósito que o desmanche tenha sido praticado no berço da civilização orquestral. 
Parabéns, abraços para todos." 

O som é essa aqui, bem ruinzinho, não acham? rsrs