segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

A minha Elza Soares é a sambista! Sobre a biografia "Elza", de Zeca Camargo

 

Quando comprei a bio, era junho e estava estava frio

Lendo uma ou outra biografia de pessoas famosas negras (em geral não sou fã de biografias), escolhi unicamente a biografia da Elza Soares para ler em dezembro, porque s

ou muito admiradora dessa mulher e achava incrível o pouco que sabia sobre sua história. E dezembro é um mês pesado, cansada do ano todo, queria relaxar com uma leitura fácil (na verdade eu achava que o Zeca Camargo não seria capaz de me apresentar nada muito denso e era isso que eu precisava.

Mas o livro é sobre a vida da Elza Soares, essa grande artista, representa como negra, como cantora, etc, difícil não ser denso de alguma forma. 

outra biografia

Zeca sabe que não é um biógrafo, chega a sugerir que Ruy Castro (um autor que, em meados da década de 1990, teria elevado as biografias a status de grandes obras literárias), escolheu biografar Garrincha em "Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha" (1995), e à Elza, essa mulher incrível, só contou com um longo (e bem pago) depoimento, que serviu para esclarecer que foi ela, a atacada e perseguida, quem deu suporte emocional e financeiro para que o alcoólatra Garrincha permanecesse vivo por mais tempo. Mas a sua história, ele não contou. Porém Zeca cita "Elza, cantando para não enlouquecer" (1997) , de José Louzeiro, como uma boa biografia, sugida nessa época. E embora Zeca não diga, sugere que ele mesmo é apenas um redator para o que Elza gostaria de falar sobre sua vida. 

Só que, desde o início, embora a leitura seja agradável, eu não queria ler AQUELA BIOGRAFIA, sonhava com uma biografia musical de Elza (do tipo série "livro do disco"), ou então, para não rejeitar essa trajetória incrível de Elza, queria que a biografia tivesse sido escrita por um biógrafo distante do filtro do olhar da biografada, que pesquisou, refletiu criticamente e transformou em narrativa essa vida.  Mas aceitei a proposta e confesso que, no começo,  até achei interessante essa forma de escrever sobre a vida de um artista. Acreditei mesmo que ele estivesse fazendo o que ele próprio chega a chamar de de uma "história oral" de Elza. 

Essa versão sobre o que é o livro "Elza" (um depoimento) funcionou muito bem por um tempo, pois acreditei  mesmo que era a Elza que estava narrando e o Zeca escrevendo sem outras intenções, sendo que seu trabalho mais intenso foi fazer,  aqui e acolá,  uma mediação sobre as possíveis diferenças entre o posicionamento dela e o pensamento do público atual (a intenção de que Elza não fosse cancelada pelas militâncias, pelo Tribunal das Redes Sociais, etc é clara). 

Porém, chegando aos capítulos finais no último fim de semana, a máscara caiu e eu passei a suspeitar de alguma coisa a mais na  ideia desse livro, quando percebi uma mudança no tom da escrita de Zeca, até então tão descritivo, que passou a defender com paixão o militante e propagandística o  disco  "Mulher do fim do mundo"(2016), a dizer que este seria um dos melhores de Elza e da história da música brasileira e em seguida, "Deus é Mulher" (2018),no qual Elza só quis gravar faixas mais "dançantes" e "ritmadas" (ou seja, mais musicais). Algo não estava me cheirando bem , continua não cheirando, e eu ainda não sei com certeza o que é.

Cheguei a comentar no Facebook, no dia 2 de janeiro, na hora em que li essa parte, ela me pareceu destoar da narrativa até então, quis mostrar minha posição


Ai voltamos ao fato de que  ninguém teria se indignado com Elza e sua história (que não é de uma santinha, nem precisava ser, e tem muitos momentos que serviriam para os tribunais a cancelassem, sem dó) , mas ninguém falou nada.  Ninguém exceto Régis Tadeu, que publicou hoje, 3 de janeiro de 2021, um vídeo muito interessante fazendo ESTA crítica musical interessante sobre as produções recentes de Elza, apontando inclusive, que deve ter muita gente (como Zeca Camargo e a biografia Elza?) interessada financeiramente em promover essa postura tão "moderna" de Elza e ele nem sabe até que ponto uma mulher com mais de 90 anos poderia concordar ou defender algumas coisas, como nos é mostrado.

Eu não sei realmente qual é a do Regis Tadeu, mas ele defende bem suas ideias polêmicas, só nem sempre preciso concordar com ele. No caso deste vídeo, em geral gostei da crítica, mas saliento que, acima de tudo,  acho complicado ir pelo caminho de dizer que tem alguém abusando de Elza e ela não sabe disso, pois, não tenho conhecimento sobre o que ela pensa ou sente nessa fase da vida, mas também não vou dizer que Elza tenha deixado de comandar sua vida a esse ponto, porque está idosa. Sobre suas "deficiências" como cantora idosa, ainda que eu fosse capaz de identificá-las com a propriedade que Régis faz, para mim, como admiradora, vale ouvir sua voz sempre, é sua vida que se expressa, apesar de tudo, como foi para mim ouvi-la no carnaval, sem vê-la pois estava reservada, e achado que era o CD de "Mulher do fim do mundo trocando", até ela começar a interagir e mostrar que estava ali. Isso me emocionou demais e nunca vou esquecer que eu ouvi a voz de Elza ao vivo. Não aquela voz maravilhosa dos discos dos anos 60 e 70, mas a voz da Elza, nossa querida Elza. 

Mas musicalmente falando, eu não tenho o conhecimento musical de Regis Tadeu para concordar ou discordar do conteúdo técnico do vídeo, só sei que ele entende de música, eu sou só uma ouvinte comum (e legítima), mas colocada  essa diferença, eu ele concordamos sobre o fato de que o melhor do trabalho musical de Elza não ser nenhum desses discos militantes que ela gravou no século XXI. Embora eu esteja ainda ouvindo "Do Cóccix Até O Pescoço" (2002) sem parar, que não é um disco de samba, mas reconheço nele um trabalho na escolha de músicas bem escritas, representativas e poéticas de grande compositores. E também o primoroso "Elza e João de Aquino", que Zeca conta ter sido gravado no começo da década de 1990 e só agora lançado, onde contamos com a mesma sofisticação. E tudo isso é  diferente do trio militante de discos, em maior ou menor grau, dos  "Mulher do fim do mundo"(2016) [não gosto]; "Deus é Mulher" (2018) [gosto de poucas músicas] e " Planeta fome" [ouvi pouco e nem comento] (2019).

Vestindo a camisa de Elza sambista


Eu amo Elza Soares como cantora e  MINHA ELZA É A SAMBISTA! Tanto que eu tenho uma camiseta dela, mas não a de "Deus é mulher", mas sim a "Elza: Samba, Amor e Revolução". Embora em seu depoimento para a biografia ela sempre diga que não aguenta mais ser taxada apenas de sambista, e eu não ache  que ela seja "apenas" isso, é fato que é  essa a sua face que me mais me encanta. Sorry.

Quanto a biografia ELZA (2018), até gostaria de defendê-la (ela apresenta motivos para isso), mas a simples suspeita de que ela seja apenas mais um tijolinho na construção de uma narrativa lucrativa sobre Elza , que a explora ao limite das suas já escassas forças, da qual não se sabe até que ponto ela está realmente concordando (eu acho, sim, que em alguma medida ela aprova tudo isso, mas em que medida?); Então eu volto a defender que ela merece, sim, ter sua vida contada por um biógrafo mais imparcial (imparcialidade  é impossível, eu sei, mas talvez menos comprometido com outras coisas que desconhecemos). 

Agora , terminada a leitura e escrito o comentário sobre a biografia, volto a ouvir os discos de samba de Elza, esses valem muito à pena!