quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A melancólica Live de Milton Hatoum no portal da Biblioteca Câmara dos Deputados



Soube da Live e, claro, fui assistir, mas me surpreendi um pouco pelo tom melancólico de Hatoum. 


Ele falou do Embaixador Faisão, a minha personagem favorita de "A noite da Espera", a que cutuca o limite entre ficção e realidade mesmo, como eu sugeri no texto linkado acima, e disse ainda mais: o Embaixador  é real, sim,pelo menos ele espera que seja, mas o seu mote sobre a "cabeça do padeiro", se relacionava a um Brasil que existe infelizmente,  de uma uma gente sem formação histórica, sem leitura que, junta, só traz transtorno e violência. E ficou triste.
Ai mudaram o livro, e voltaram a falar da trilogia  Um Lugar mais sombrio , agora seguiu falando da confrontação entre alguns trechos de Pontos de Fuga e a confrontação de alguns trechos com a realidade do Brasil fez nosso querido autor dizer que não poderia imaginar que viveríamos tudo isso, aquele clima de opressão,de novo tão cedo.E ficou triste.
Tentaram falar da sua cidade natal, Manaus, ele disse que todos os acontecimentos ali na cidade de sua infância durante a pandemia, só seria material para um livro daqui a muitos anos, quando fosse possível recordar e refletir sobre. Ai ficou triste mesmo. 
Foi uma live muito melancólica. Até me manifestei nos status
 


Dureza.



 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

MINAS GERAIS E SEUS MISTÉRIOS

 

(Imagem é da Gruta Rei do Mato em Sete Lagoas, por Marcelo Sander... Olha de novo : Não parece uma imagem da Oxum? Então : tudo está guardado debaixo do chão de Minas...)

Que eu sou louca por MG todo mundo já sabe. Me perguntam se é por causa do Rosa, ou se eu gosto de Rosa porque eu amo Minas, mas essa é a pergunta quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha?

Na verdade o que me atrai tanto em Rosa quando em MG é o que está escondido, o mistério. Na paisagem de Minas temos belezas naturais e arquitetônicas, mas em todos os lugares tem sempre um esconderijo, uma gruta, uma mina de pedras ou ouro ( se você olhar por baixo, bem embaixo, é bem capaz de ainda encontrar ouro e diamante!), uma palavra mágica, ora esquecida mas já nascida. Na obra de Rosa, se reparar bem, também é sempre assim: tem sempre algo ou alguém escondido, na vida ou na memória, tem sempre uma palavra "nova" no começo do surgir que guarda em sim mistérios atemporais (e Rosa explora isso ao infinito).
No norte de Minas, sertão, ainda se acham conchinhas, porque hoje Minas não tem mar, mas já teve. Antes da recente história do passado colonia, Minas tem um passado pré-hisstórico de eras e tudo isso está lá, escondido.
Eu sinto muita atração por tudo isso. Mas na mesma medida eu sinto medo e pavor.
Tenho uma impressão forte de que tudo o que eu preciso saber nesta vida não está aqui fora, mas escondido lá dentro de mim, em algum salão ainda não explorado da minha gruta interior. A travessia pelo que está soterrado dentro é a da própria vida e não raro, debaixo daquele chão seco que é vigília racional , emerge do inconsciente alguma conchinha para lembrar que a história é mais antiga do que parecer. Como no conto "Nenhum, nenhuma": do nada estamos naquela "casa de fazenda, achada, ao acaso de outras várias e recomeçadas distâncias, passaram-se e passam-se, na retentiva da gente, irreversos grandes fatos- reflexos... "
Na hora que a vida se revela, num relâmpago fugaz, é impossível dever e tenho certeza que em Minas posso ver mais e melhor...




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Itamar Vieira Junior no centro do Roda Viva


 No dia 15 de fevereiro de 2021 o programa Roda Viva recebeu o autor de Torto Arado Itamar Vieira Junior para falar do grande sucesso que seu primeiro romance está fazendo no mundo todo. Eu li e adorei, escrevi sobre aqui 
Itamar no Roda Viva: "Gosto de pensar no Brasil profundo porque pensamos em nossas raízes"


Eu assisti, estava toda preparada na logística para acompanhar : pipoca, lenços de papel lápis e
bloco de anotações e na hora achei que ele foi certeiro e galante, um príncipe, a gente pega um amor na Bebiana e Belonísia e, do nada, esse livro fica sendo tão importante! 


 Ainda sobre a entrevista eu  fiz dois comentários importante nas redes:

Esse perguntador, o Marwio Câmara do Jornal Rascunho,foi bem desagradável. Quem gosta de literatura jamais se referiria a ela como um "MERO exercício de fabulação", como se toda aquela aurivessaria fosse uma bobagem (foi assim que eu ouvi essa pergunta), daí peguei nojo, nem quis destacar o nome da figura que falou isso. Para mim que estudei Rosa e seu "reino das palavras" só metade da vida, esse tipo de colocação é quase uma ofensa. Eu li Torto Arado e gostei "sobremaneira" (Itamar sempre usa essa palavra em suas falas,acho de uma elegância ímpar, ou como poderia dizer Rosa, acho "galante"), mas acho muito diferente do trabalho que Rosa fez, embora quase sempre entrevistadores o coloquem como referência pro Itamar, mesmo que o próprio tenha cansado de falar (e quem conhece percebeu) que as referências são outras, estão na literatura sobre o campo dos anos 30, as ditas "regionais" e Rosa publicou só depois, com aquele compromissos acentuado com a "prosapoética"(vejo Grande Sertão como um poema épico, tipo Os Lusíadas, por exemplo)... mas tudo é literatura e trabalho com as palavras e isso não pode ser desmerecido. Afora a cronologia é evidentemente que se trata de projetos literários diferentes, muito diferentes (vejo mais influência rosiana na fala e na obra de Hatoum do que em Torto Arado). Mas são impressões minhas e quero dizer que bom que temos esses tesouros.  
Eu assistindo a entrevista pra qual me preparei dias , toda uma  logística pro evento e tal,  PRECISEI PARAR DE VER E VIR AQUI FAZER UMA POSTAGEM INDIGNADA! Quem é esse cara pra falar isso? Peguei ranço (não gosto dessa palavra, mas ele merece). Ainda bem que Itamar, um verdadeiro príncipe, respondeu galantemente... Fosse eu, tinha chutado o pau da barraca : vade retrô kkk

Minha paixão literária dividida com Itamar Vieira Junior.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

O riso que ressoava na casa da Tia Ifeoma : Impressões sobre "Hibrisco roxo", de Chimamanda Ngozi Adichie

 

Terminados os romances maravilhosos que li na virada de 2020 para 2021, tinha que decidir o que ler antes do trabalho e engolir minhas leituras de prazer? Tenho sempre as crônicas de Hatoum para emergências, mas eu queria escolher um romance. Mas sem muita expectativa. Queria ler algo diferente, e comentei bastante minha escolha aqui . Sim escolhi  a lindíssima Chimamanda Ngozi Adichie porque ela é mulher e africana, e eu estava me devendo a leitura de uma autora assim .

 



Ai escolhi o Hibisco Roxo, nessa edição linda, porque julguei ser o que fosse me contar uma história (nada de palestrinhas) e quando percebi que tinha acertado, até comentei animada

“Sim, Chimamanda conta uma história nigeriana, cheia de palavras Igbo e comidinhas tradicionais (achei a receita de várias no Google, o ruim é encontrar os ingredientes). Ainda nem cheguei na metade e por enquanto posso afirmar que é uma história tensa, porque ficamos todo tempo em posição de defesa, como a narradora Kambili, pois nunca se sabe o que Papa vai fazer!

O livro conta a história da família da narradora Kambili, uma adolescente de quinze anos de família rica e muito católica, formada por seus pais Eugene e Beatrice e o irmão mais novo Jaja. Vivendo uma vida de luxo, são muito controlados por Eugene, o Papa, um fundamentalista religioso que rejeita tudo que não é como ele entende as leis sagradas da Igreja. A sorte de Kambili e Jaja, que são proibidos de tudo por Papa,  é que eles tem a tia Ifeoma, que é uma professora universitária viúva, critã mas não ortodoxa como o irmão, e uma personagem iluminada, em cuja casa o “riso sempre ressoava, não importa de que cômodo vinha” (p.151) e o melhor período do romance é quando Ifeoma  leva os sobrinhos para passar uma temporada em sua casa, muito mais humilde, mas onde pode conviver com os primos Amaka, Obiora Chima, e a conviver com seus vizinhos e até mesmo com a igreja que a família frequenta, dirigida pelo curioso padre Amadi, que aos olhos da narradora, é tão sedutor quando Christopher Plummer em “Pássaros Feridos”. É claro que ela se apaixona por ele e o primeiro amor é descrito em momentos lindos como esse:

"Eu sorri. Ele sorriu e indicou que eu deveria me levantar para receber um abraço. O corpo dele tocando o meu foi tenso e delicioso. Eu me afastei. (...) Quis estar sozinha com ele. Quis contar a ele o calor que sentia por ele estar ali, dizer que minha cor preferida era o tom de argila da pele dele." (p. 233)

 Com os primos a relação é mais complexa, especialmente com Amadi, que tem mais ou menos a mesma idade que ela e muito mais experiência de vida porque não sofreu censura da família e pôde sorrir, falar , pensar e ser quem quiser toda a vida;ouve Fela e “outros músicos culturalmente conscientes”(P. 162).

A história paralela de como Kambili vai tentar fazer Amadi descobrir que ela não é apenas uma riquinha mimada, mas sim alguém muito pressionada a se conter,  me pareceu um ser um ponto algo do romance, até porque por causa dele, a trilha sonora da leitura foi Fela, claro

Outra história paralela que faz a leitura valer a pena  diz respeito ao Papa Egene, que é a personagem mais complexa do romance, ao mesmo tempo em que é capaz de extremas bondades com a família, a igreja e a comunidade, é também uma figura muito intransigente, se contrariado, especialmente em se tratando de questões religiosas, não pensa duas vezes em lançar mão da violência física, seja contra a esposa, seja contra os filhos, que vivem numa tensão quase insuportável e isso é passado ao leitor, palmas à excelente escritora Chimamanda Ngozi por conseguir nos colocar nesse ambiente terrível. O tempo todo a gente deseja que Kambili, Beatrice ou Jaja reajam, mas na maior parte do livro  eles parecem permanecer no estado de eterna adoração a Papa, não importa o que ele venha fazer. Se isso muda ou não eu não conto, só aproveito para destacar a história de Papa e seu próprio pai, o encantador Papa-Nnukwn, que não pode entrar em sua casa e que, vez ou outra, Kambili e Jaja podem visitar por quinze minutos, pois o avô segue regras da tradição tribal, o que leva Papa a considerá-lo um pagão, um ímpio que não deve conviver com seus filhos. Mas na casa da  tia Ifeoma ele pode entrar e conviver intimamente com os os filhos de Ifeoma, especialmente com Amaka, de quem é mais próximo, e quando possível, até conviver com os netos que teriam sido afastado dele por causa do "feitiço" que Eugene teria sofrido dos missionários há muitos anos. É um trecho maravilhoso da obra, dá pra pensar muito na questão da manutenção da cultura em contexto colonialista.

Kambili é uma personagem bem simples, não apenas por ser adolescente, porque Jaja e Amaka também o são, mas possuem mais camadas, ela é bem rasa,mas eu não fiquei impaciente com ela, não sei se porque tive empatia, ou se porque eu ,leitora, também sofri na pele a tensão da vida que ela leva: a qualquer momento Papa poderia voltar a agredir alguém e a única coisa que podiam dizer é “Deus seja louvado” , para tentar evitar algo pior. Muito tenso.

Enfim, gostei bastante de ler esse livro, porque  Chimamanda escreve bem e também porque é uma mulher que escreve bem (fala bem das coisas femininas). Mas me arrisco a dizer que escreve como uma "mulher africana", tem sensibilidade, mas muita objetividade nas descrições, em trechos como esse:

"Quando acordei havia uma mancha vermelha em minha cama, larga como um caderno aberto. (...) Jajá e Mama já estavam prontos , esperando na sala de estar do segundo andar, quando saí do quarto. As cólicas dilaceravam minha barriga. Imaginei uma pessoa dentuça mordendo as paredes do meu estômago e depois soltando,num movimento ritmado."(P. 109-10)

Claro que o desconforto menstrual de Kambili só pode ser compreendido por Mama e como ele acabou fazendo com que ela não obedecesse estritamente as ordens de Papa, ela acabou sendo duramente punida com castigos físicos. Essas sutilezas, em várias formas, são as maneiras que narrativa de Chimamanda tratem de questões femininas e feministas em África, de forma fabular, como eu gosto.

Valeu muito ler esta nigeriana! Recomendo.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

AINDA É URGENTE CONHECER LIMA BARRETO, BRASILEIROS

 


"Tendo experienciado uma vida de constante desprestígio, crítica e preconceito, o escritor enfrentou crises de depressão, entregando-se ao álcool e sendo internado por duas vezes no Hospício Nacional. Faleceu aos quarenta e um anos, vítima de um colapso cardíaco, já caído no esquecimento e na miséria, em 1922. " (site do TAG)

Como vamos falar do que hoje se pode chamar de "colorismo" sem passar DEMORADAMENTE pela trajetória de Lima Barreto? Mesmo com o aumento de sua visibilidade em 2017 (biografia, tema da Flip, etc e todo um entusiasmo editorial), poucos anos depois, quem ainda fala de Lima? Eu falo e continuarei repetindo: É URGENTE CONHECER MAIS LIMA BARRETO, BRASILEIROS.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Ebook Cinemas Africanos Contemporâneos (LINK)

 


CINEMAS AFRICANOS 2021 

O E-book gratuito  sobre a mostra de cinemas africanos 2020. A live de lançamento foi sábado (com as organizadores comentando cada texto), mas só consegui assistir agora e é incrível como eu "garrei amor" em cada um desses filmes, como ter assistido tantos, tantos (de forma inimaginável para mim, nunca tinha acontecido antes) e esse mergulho foi mesmo uma entrada na África mais concreta (embora a partir de filmes), depois dessa experiência comecei a ver tudo africano de outra forma, sejam pessoas, sejam livros, sejam filmes, foi uma experiência antropológica radical e esse livro é a cereja do bolo. Na medida em que as organizadoras  foram comentando cada texto e eu fui reconhecendo mais ou menos do que elas estavam falando, eu fui ficando de coração quente: Quero ler todos os textos! Super recomento! Obrigada Mostra de Cinemas Africanos, obrigada CineSesc!

O link da live de lançamento está aqui 

O link para baixar o livro está aqui ou aqui 


"Omo-Oba Histórias de Princesas", de Kiusam de Oliveira:Venceu a luta contra o Index no século XXI

Como prometido, agora eu vou tratar desse livro DESLUMBRANTE! Para resumir do que se trata, peço permissão para citar sua sinopse na Amazon:

"Omo-Oba: Histórias de Princesas é um livro que privilegia o recontar de mitos africanos, muito divulgados nas comunidades de tradição ketu, pouco conhecidos pelo público em geral e que reforçam os diferentes modos de ser femininos. Os seis mitos apresentados têm o objetivo de fortalecer a personalidade de meninas de todos os tempos."  

Como tinha falado antes, as histórias de reinos e principados são muito importantes para crianças, isso tem relação com a construção da identidade e quer coisa mais linda do que "se ver" representado (a) nas ricas ilustrações de Josias Marinho? Visualmente o livro enche os olhos, é grande e colorido, com algumas das mais belas representações de crianças negras e de cabelos crespos que eu já vi, trançados ou não, que vontade que dá de fazer um cafuné nas princesinhas!

A autora, Kiusam de Oliveira é uma educadora  paulista negra, engajada na valorização da sua afrodescendência para encontrar caminhos plenos, ainda que diferentes.

Como eu tinha postado aqui outro dia, a dedicatória do livro começa emocionando 

Mas o livro chamou a atenção do país porque me lembro desse episódio envolvendo a obra :  em 19 de março de 2018 (período de censura, de apelação pela "Escola Sem Partido", época do mergulho no pensamento fascista, algumas obras destinadas ao público infantil  chegaram a ser censuradas, incluvise esta:

 "FIRJAN informava que a obra “Omo-Oba: histórias de princesas” de Kiusam de Oliveira, publicado pela Mazza Edições, seria substituída por outra obra, atendendo às reclamações de alguns pais de alunos que frequenta a Escola SESI unidade Volta Redonda. "

A sorte foi que Kiusam denunciou nas redes sociais e devido a tanta pressão, a obra pôde circular.

Suponho que o incômodo dos pais tenha sido pelo texto de apresentação, onde Kiusam afirma que o livro tem o objetivo de "empoderar as meninas".Piiiii: "ideologia de gênero": vamos censurar! Ainda bem que não deu certo, porque o livro é lindo, contando seis mitos iorubanos sobre meninas que eram forças da natureza, depois princesas, e depois se tornaram dividades. 
Se eu, criança, tivesse lido esse livro, não posso nem imaginar o tamanho do meu encantamento. 
Vou colocar uma representação de cada princesa como aperitivo (no livro tem mais e muito lindas)e se tiverem como, leiam essa obra deslumbrante:

Oiá e o búfalo interior
Oxum e seu mistério
Iemanjá  e o poder da criação do mundo 
Olocum e o segredo do funo do oceano

Ajê Xalungá e o seu brilho intenso
Oduduá e a briga pelos sete anéis




domingo, 7 de fevereiro de 2021

Igbo e as princesas, de Marcos Cajé, ilustrações de Iara F. Lindback

Capa de Igbo 


Estou imersa nas culturas africanas há algum tempo, bem antes da confirmação de que meu DNA misturado é 36%  vindo de vários lugares de África. Conhecer gente preta, conviver com elas, frequentar seus lugares, ouvir suas músicas, assistir seus cinemas e ler suas literaturas vem me mostrando a riqueza construída pelos meus ancestrais que vem ficando cada vez mais intenso!

Pois bem, como pesquisadora de História da Infância e juventude minhas pesquisas sempre se voltaram para as meninas, seu universo e representações. Para falar de meninas africanas, não pude deixar de pensar que elas, no imaginário de grande parte da cultura tribal africana, eram primeiro elementos da natureza, depois nobres rainhas e princesas! Se a história de reinados é atraente para as crianças, lembrar que além dos “contos de fadas”, a África também tem muitas histórias de princesas. Conhecer essas peculiaridades é fundamental até para a História do Brasil, pois se agora sabemos, graças  à pesquisas recentes,  que quando africanos vieram para serem escravizados aqui, também vieram nobres. Está na canção de Zumbi de Jorge Ben:

Aqui onde estão os homens

Há um grande leilão
Dizem que nele há uma princesa à venda
Que veio junto com seus súditos
Acorrentados em carros de bois

O destaque para as princesas negras é, penso eu, muito importante para as crianças  afro-brasileiras, reforçando sua identidade e abrindo o leque de percepções para a diversidade.   

Por isso eu comprei o lindo livro infantil “Omo-oba história de princesas”, escrita pela educadora paulista e afrodescendente Kiussam Regina de Oliveira. Depois vou escrever um post só para ele, mas por hora devo explicar que comprei pela Estante Virtual e, quando chegou, fui abrir e não era o livro que comprei! Era essa belezinha aqui. O vendedor se confundiu com o lance das princesas e acabou me enviando o livro errado, depois trocou, mas me deu a  oportunidade de ler essa bela historinha.

Marcos Cajé segurando seu lindo livro 

Falando a  partir de tradições da etnia Igbo da Nigéria, o livro conta a história de um rei que queria muito ter filhos mas sua rainha não conseguia engravidar. Embora em seu reinado ele mantivesse um “ministro místico”, o rei não era uma pessoa de fé, mas sua rainha o aconselha a consultar o IFÁ  (oráculo africano) para saber o que poderiam fazer e, com a ajuda dele acaba tendo duas lindas filhas, princesas africanas que ele protege muito. O nome delas ninguém sabe, pois o “ministro mítico” já tinha avisado que as palavras pronunciadas eram poderosas e esse poder poderia se voltar contra as princesas.

Na medida em que elas vão crescendo, o rei começa a pensar em quem vai confiar para permitir que se case com suas princesas, chegando a formular um desafio: só se casa com uma das princesas aquele que tiver sabedoria o suficiente para descobrir o nome delas.

Não vou explicar como (deixo para sua leitura futura uma das partes mais legais da história), mas o jovem Adjo consegue resolver esse mistério, se casa com uma delas e aceita a outra como irmã.

Uma história linda, ricamente ilustrada, para encher os olhos vivos das crianças afro-brasileiras que podem, sim, se sentirem representadas pelas princesinhas nigerianas, tanto quanto (ou até mais) nos sentimos pela Cinderela, Branca de Neve e (no meu caso ) Bela Adormecida.
       

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Live "Tempo de Érico" com Itamar Viera Junior e Paulo Scott, no site do IMS



Mais um presente que a quarentena me deu! Quando que eu ia ouvir os meus novos autores queridos falando ao mesmo tempo e poder até conversar com eles por pergunta e resposta no site. Momentos únicos!
Registro do evento 

Para ambos os atores, os mais  comentados da leitura contemporânea, foi lindo saber o quanto Érico Veríssimo (cujo acervo está aos cuidados do IMS) foi forte referência, para Itamar pela questão da lavoura e para Scott, por serem dois autores gaúchos.
*
ITAMAR : Obra de Érico traz questões que não se esgotam, fala de Cruz Alta, de Porto Alegre, mas para tratar de questões humanas: Sul era personagem, não apenas cenário.
O tempo e o vento é obra mosaico, começa tratando da fundação nos 1700, história do desbravamento e pois debate político: o importante é o conjunto da imensa saga.
*
SCOTT:  Quando era adolescente  sentiu que a vida não fazia mais sentido, e que talvez isso se resolvesse se ele fosse um escritor, mas ele sabia que não tinha talento para tando, então uma amiga recomendou que ele imaginasse estar tendo um diálogo com um autor importante para o RS e ele pensou logo numa conversa com Érico, uma grande referência.
*
Scott trouxe a questão de como alguns autores muito lidos, como o Érico ou o Jorge Amado, são praticamente ignorados pelos críticos acadêmicos, e como até mesmo os estudantes de letras são levados a abandonar a leitura de autores muito populares e, com isso, perdem muito.
Eu lembrei, e cheguei a comentar  no chat, que ao contrário do curso de letras,  dentre os historiadores já se tentava fazer leituras históricas da oba de Érico, até coloquei a referência de um livro que eu vou querer ler, assim que eu reler o Tempo e o Vento :

ÉRICO VERÍSSIMO: O ROMANCE DA HISTÓRIA.
De: Sandra Jatahy Pesavento, Jacques Leenhardt, Lígia Chiappini, Flávio Aguiar.
 Editora: Nova Alexandria.

ÉRICO VERÍSSIMO: O ROMANCE DA HISTÓRIA. De: Sandra Jatahy Pesavento, Jacques Leenhardt, Lígia Chiappini, Flávio Aguiar. Editora: Nova Alexandria.

Ficou a dica! Amo!

                                                *

Mas o melhor momento mesmo foi esse :


Não é uma resposta linda? Melhor do que eu esperava.

Disse também que personagens de O tempo e o vento fazem parte do seu imaginário de escritor e quando quis escrever um personagem neutro, chamou de "A. Terra", referência a Ana Terra. Ele também disse que em sua casa na chapada, no fim da tarde, parece que ouve os sons dos ventos, da roca dos Terra Cambará.

Agora estou escrevendo aqui, fico tão feliz com esses diálogos, vocês nem sabem. Eu achei linda a resposta e fiquei tão feliz de dialogar com os autores, mesmo na enlouquecedora  quarentena, obrigada vida! 

                                            *

Ao final Paulo Scott, com aquele delicioso sotaque gaúcho, nos deu uma dica para a vida:

"SOBREVIVER DEMORA" Paulo Scott