O gênio de sempre
Maria Luiza Kfouri - Music News
21/09/2006
De 1997 para cá, foram lançados nove discos de ou com a participação efetiva de Caetano Veloso:
"Livro" (1997) – um disco com 14 faixas; 12 inéditas e "Minha voz, minha vida" (dele) e "Na Baixa do Sapateiro" (de Ary Barroso), nunca antes gravadas por ele. A produção foi dividida entre Caetano e o violoncelista Jaques Morelenbaum, o disco contou com a participação de inúmeros músicos de cordas, sopros, percussão e teclados, e foi considerado, pela crítica especializada, como um disco difícil... A única música do disco que me lembro de ouvir no rádio – e assim mesmo, pouco – foi "Os passistas", exatamente a primeira faixa. O show de lançamento, intitulado "Livro Ao Vivo", foi gravado e lançado em 1998 num CD sob o título de "Prenda Minha" – editado sem nenhuma música de "Livro" – e atingiu recordes de vendagem para os padrões de Caetano em função de "Sozinho", composição de Peninha, que tocou no rádio até que se pedisse chega.
Lançado em 1999, "Omaggio A Federico E Giulietta", gravado durante show realizado na Itália em 97, traz um Caetano camerístico, acompanhado por quatro músicos, cantando bem como sempre, em clássicos dele, de Jobim e Vinicius de Moraes, de Oscar Castro Neves e Fiorini, de Braguinha e Alcyr Pires Vermelho, e de Nino Rota e Irving Berlin, entre outros.
Em 2000, quando os incautos esperavam que Caetano lançasse algo na esteira do sucesso alcançado com "Prenda Minha", ele veio com "Noites Do Norte", cuja faixa título é um texto-prosa de Joaquim Nabuco musicado por ele. Mais uma vez taxado de difícil, o disco, produzido por ele, por seu filho, Moreno, e por Jaques Morelenbaum, praticamente passou em brancas nuvens aos ouvidos mais apressados. O mesmo não aconteceu com o show de lançamento – "Noites Do Norte Ao Vivo" -, que acabou por ser lançado em CD duplo, em 2001, com 32 faixas, muitas delas do disco original.
Em 2002, Caetano se junta a Jorge Mautner e os dois sessentões lançam "Eu Não Peço Desculpa", disco de vigor e atualidade exemplares para quem soube ouvir e aprender.
Em 2004, Caetano gravou "A Foreign Sound", disco com clássicos da música norte-americana.
Em 2005, foram lançados os discos "Onqotô" – músicas compostas por Caetano e José Miguel Wisnik para o espetáculo de dança do Grupo Corpo – e "O Coronel E O Lobisomem" – trilha sonora de Caetano e Milton Nascimento para o filme de mesmo nome, dirigido por Maurício Farias.
Todo este retrospecto que estou fazendo tem dois sentidos. O primeiro é mostrar que não é verdade que Caetano não lançava discos com músicas inéditas desde "Noites Do Norte" – ou há seis anos – como tenho lido em diversas matérias sobre seu novo disco, "Cê", recém-lançado.
O segundo e principal sentido desta breve panorâmica, é chamar a atenção para o fato de que Caetano continua a NÃO fazer aquilo que se espera dele. Seja nas formações de suas bandas e nas conduções dos arranjos, seja na forma de compor, seja na forma de gravar. No que é absolutamente fiel à letra de "O quereres", lançada em 1984 no disco "Velô".
E assim como em "Velô" – um apócope de Veloso –, em seu novo disco "Cê" – um apócope de "Você" – Caetano apresenta não só músicas inéditas, como também uma banda nova.
Pedro Sá na guitarra, Ricardo Dias Gomes no baixo e piano Rhodes, Marcelo Callado na bateria. Caetano, voz e violão. É tudo. E nada falta.
A direção de produção do disco é de Pedro Sá e Moreno Veloso. Ou seja, Caetano entregou a condução de seu som a mãos conhecedoras das novas tecnologias, antenado como sempre, mas talvez sem paciência para a profusão de botões e "drivers". E o resultado é um som de Caetano, do Caetano de sempre. Um som casado com as idéias que o compositor quer passar.
Se tiver a mesma idade de Moreno, já que é seu amigo de infância, Pedro Sá está entorno dos 34, 35 anos. Participou de uma faixa do disco "Tropicália 2", de Gil e Caetano, lançado em 1993, aos 21, 22 anos de idade. Depois, tocou em "Noites Do Norte" – tanto em estúdio como na gravação ao vivo do show -, em "Eu Não Peço Desculpa" e em "A Foreign Sound". Tem inúmeros outros trabalhos com outros músicos e intérpretes.
Os jovens Moreno, Pedro, Ricardo e Marcelo não se intimidaram diante do tamanho de Caetano e fizeram um trabalho à altura dele. E Pedro Sá se apresenta como um guitarrista com G.
Quem gosta de Caetano desde sempre certamente vai gostar de "Cê". Suas 12 faixas são Caetano puro e, para aqueles que conhecem bem sua obra, cada uma delas – seja por um vocalise, ou uma palavra, ou uma harmonia, ou pela incrível precisão de sempre – vai remeter a alguma outra já conhecida. Resultado de uma obra nunca repetitiva, mas sempre coerente.
Mas, como sempre, não é um disco pra ser ouvido ligeiramente, nem uma vez só, antes que se diga gostar ou não gostar dele. Assim como Chico Buarque, Caetano deve ser lido e relido ao ser ouvido.
Você já deve ter reparado o número de vezes que escrevi o termo "sempre". Não foi por falta de imaginação. É que tenho lido, em tom de crítica, em relação aos novos discos de Caetano e de Chico Buarque, que ambos não trazem novidades, que os dois continuam os de "sempre". Como se duas das figuras mais geniais da história da música brasileira continuarem a ser o que sempre foram não fosse motivo de júbilo. Querelas do Brasil...
Na letra de "Waly Salomão", composta em homenagem ao poeta e amigo morto, Caetano diz: "(...) eu sigo aqui e sempre em frente, deixando minha errática marca de serpente (...)". Pra mim, é o que melhor define o disco."
Maria Luiza Kfouri - Music News
21/09/2006
De 1997 para cá, foram lançados nove discos de ou com a participação efetiva de Caetano Veloso:
"Livro" (1997) – um disco com 14 faixas; 12 inéditas e "Minha voz, minha vida" (dele) e "Na Baixa do Sapateiro" (de Ary Barroso), nunca antes gravadas por ele. A produção foi dividida entre Caetano e o violoncelista Jaques Morelenbaum, o disco contou com a participação de inúmeros músicos de cordas, sopros, percussão e teclados, e foi considerado, pela crítica especializada, como um disco difícil... A única música do disco que me lembro de ouvir no rádio – e assim mesmo, pouco – foi "Os passistas", exatamente a primeira faixa. O show de lançamento, intitulado "Livro Ao Vivo", foi gravado e lançado em 1998 num CD sob o título de "Prenda Minha" – editado sem nenhuma música de "Livro" – e atingiu recordes de vendagem para os padrões de Caetano em função de "Sozinho", composição de Peninha, que tocou no rádio até que se pedisse chega.
Lançado em 1999, "Omaggio A Federico E Giulietta", gravado durante show realizado na Itália em 97, traz um Caetano camerístico, acompanhado por quatro músicos, cantando bem como sempre, em clássicos dele, de Jobim e Vinicius de Moraes, de Oscar Castro Neves e Fiorini, de Braguinha e Alcyr Pires Vermelho, e de Nino Rota e Irving Berlin, entre outros.
Em 2000, quando os incautos esperavam que Caetano lançasse algo na esteira do sucesso alcançado com "Prenda Minha", ele veio com "Noites Do Norte", cuja faixa título é um texto-prosa de Joaquim Nabuco musicado por ele. Mais uma vez taxado de difícil, o disco, produzido por ele, por seu filho, Moreno, e por Jaques Morelenbaum, praticamente passou em brancas nuvens aos ouvidos mais apressados. O mesmo não aconteceu com o show de lançamento – "Noites Do Norte Ao Vivo" -, que acabou por ser lançado em CD duplo, em 2001, com 32 faixas, muitas delas do disco original.
Em 2002, Caetano se junta a Jorge Mautner e os dois sessentões lançam "Eu Não Peço Desculpa", disco de vigor e atualidade exemplares para quem soube ouvir e aprender.
Em 2004, Caetano gravou "A Foreign Sound", disco com clássicos da música norte-americana.
Em 2005, foram lançados os discos "Onqotô" – músicas compostas por Caetano e José Miguel Wisnik para o espetáculo de dança do Grupo Corpo – e "O Coronel E O Lobisomem" – trilha sonora de Caetano e Milton Nascimento para o filme de mesmo nome, dirigido por Maurício Farias.
Todo este retrospecto que estou fazendo tem dois sentidos. O primeiro é mostrar que não é verdade que Caetano não lançava discos com músicas inéditas desde "Noites Do Norte" – ou há seis anos – como tenho lido em diversas matérias sobre seu novo disco, "Cê", recém-lançado.
O segundo e principal sentido desta breve panorâmica, é chamar a atenção para o fato de que Caetano continua a NÃO fazer aquilo que se espera dele. Seja nas formações de suas bandas e nas conduções dos arranjos, seja na forma de compor, seja na forma de gravar. No que é absolutamente fiel à letra de "O quereres", lançada em 1984 no disco "Velô".
E assim como em "Velô" – um apócope de Veloso –, em seu novo disco "Cê" – um apócope de "Você" – Caetano apresenta não só músicas inéditas, como também uma banda nova.
Pedro Sá na guitarra, Ricardo Dias Gomes no baixo e piano Rhodes, Marcelo Callado na bateria. Caetano, voz e violão. É tudo. E nada falta.
A direção de produção do disco é de Pedro Sá e Moreno Veloso. Ou seja, Caetano entregou a condução de seu som a mãos conhecedoras das novas tecnologias, antenado como sempre, mas talvez sem paciência para a profusão de botões e "drivers". E o resultado é um som de Caetano, do Caetano de sempre. Um som casado com as idéias que o compositor quer passar.
Se tiver a mesma idade de Moreno, já que é seu amigo de infância, Pedro Sá está entorno dos 34, 35 anos. Participou de uma faixa do disco "Tropicália 2", de Gil e Caetano, lançado em 1993, aos 21, 22 anos de idade. Depois, tocou em "Noites Do Norte" – tanto em estúdio como na gravação ao vivo do show -, em "Eu Não Peço Desculpa" e em "A Foreign Sound". Tem inúmeros outros trabalhos com outros músicos e intérpretes.
Os jovens Moreno, Pedro, Ricardo e Marcelo não se intimidaram diante do tamanho de Caetano e fizeram um trabalho à altura dele. E Pedro Sá se apresenta como um guitarrista com G.
Quem gosta de Caetano desde sempre certamente vai gostar de "Cê". Suas 12 faixas são Caetano puro e, para aqueles que conhecem bem sua obra, cada uma delas – seja por um vocalise, ou uma palavra, ou uma harmonia, ou pela incrível precisão de sempre – vai remeter a alguma outra já conhecida. Resultado de uma obra nunca repetitiva, mas sempre coerente.
Mas, como sempre, não é um disco pra ser ouvido ligeiramente, nem uma vez só, antes que se diga gostar ou não gostar dele. Assim como Chico Buarque, Caetano deve ser lido e relido ao ser ouvido.
Você já deve ter reparado o número de vezes que escrevi o termo "sempre". Não foi por falta de imaginação. É que tenho lido, em tom de crítica, em relação aos novos discos de Caetano e de Chico Buarque, que ambos não trazem novidades, que os dois continuam os de "sempre". Como se duas das figuras mais geniais da história da música brasileira continuarem a ser o que sempre foram não fosse motivo de júbilo. Querelas do Brasil...
Na letra de "Waly Salomão", composta em homenagem ao poeta e amigo morto, Caetano diz: "(...) eu sigo aqui e sempre em frente, deixando minha errática marca de serpente (...)". Pra mim, é o que melhor define o disco."