sábado, 26 de dezembro de 2015

Pedro Bloch e o esquecimento


A VERDADE É ESSA: Estou há um semestre no pós-doc e nesse período muito mais do que as anedotas infantis de Pedro Bloch (meu objeto principal) eu estudei  mesmo foi a infância em Walter Benjamin (um dos autores da metodologia do projeto). Não foi de propósito, foi muito porque para estudar Bloch eu precisaria formar um cenário de possibilidades materiais  de pesquisa que ainda não consegui montar. Mas  eu realmente desejo muito pesquisar o Pedro Bloch porque ele é, propriamente, um personagem de História Cultural (foi muito famoso em sua época e muito rapidamente ficou esquecido). Se, dentre as inúmeras coisas que ele fez, eu  tivesse que destacar como importante apenas uma, meu projeto responde por si só:  diria que  foi sublinhar o humor como filtro intermediário na comunicação entre adultos e crianças já desde meados do século passado, e agora isso foi destacado no texto do verbete "Children’s Humor Research" da Encyclopedia of Humor Studies (2014). 
Interessante é que, estudando Benjamin, sempre me lembro de Bloch, especialmente nesse livro sobre sua palestras radiofônicas às crianças (1927 a 1932)

Onde ele trata de livros e autores que foram muito importantes para o menino que ele foi que, àquela hora, quase nenhuma criança sequer conhecia mais ... 

Por enquanto ainda não consegui nenhum depoimento de "ex crianças" sobre Pedro Bloch e isso, para mim, é deveras significativo, pois me indica que o processo do esquecimento está mesmo em processo...

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Crianças e ideologia

Está circulando nas redes sociais o seguinte post (por respeito, retirei o nome a foto da autora) :

Eu tinha visto essa postagem várias vezes aqui no Facebook, e não ia compartilhar porque não concordo com nada que está expresso nela, mas ai comecei a pensar que é exatamente por isso que devo falar dela,  para expor meus argumentos. A primeira coisa que me à mente aqui, fazendo uma leitura rasteira, é que, se for o caso de modelar a cabeça das crianças com brinquedos, no caso exposto, os mais desrespeitados seriam os meninos, porque são eles que não apreenderiam a brincar de lavar louça, cozinhar (ou seja, a cuidar de suas vidas por si mesmos).

Mas, como sabem, não acredito que seja  tão simples e direto assim. Também não posso concordar com nenhum discurso que defende que as bonecas são idiotas.

 Segundo as pesquisadoras do "Museu do Brinquedo":


" Pesquisando sobre a história da boneca, podemos destacar que ela está ligada a história dos homens. Como réplica de si mesmo, o homem elevou os diferentes tipo de bonecos a símbolo cultural a acompanha-lo em suas múltiplas experiências, fazendo desse objeto, desde oferenda religiosa, objeto de culto, figura de magia, ídolo, amuleto ou talismã, lembrança mortuária, até chegar ao uso infantil, como brinquedo." (Telma Anita Piacentini e Monica Fatin. "Museu do brinquedo como centro cultural infantil" In: LEITE, M. I. & OSTENTO, L. E. (org). Museu, educação e cultura, 2005, p.62).
Logo, nem as bonecas e muito menos as meninas são ou podem ser consideradas como idiotas... ainda bem que as crianças não reajam sempre da forma como os adultos planejaram. Acho que nós adultos sabemos bem pouco sobre como funciona a cabeça das crianças, só se preocupam em modelá-las em suas ideologias, enfim.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Retrospectiva apressada de 2015

Foi ruim, claro, mas 2015 aconteceu, vamos relembrar:

Janeiro – Minha tese ficou disponível para baixar. Eu escutei o “Acalanto para Acordar”, do Arnaldo Antunes e fiquei assustadíssima com os atentados ao Charlie Hebdo. Fez muito calor e eu achei que tinha engordado uns dez quilos ... será?

Fevereiro – Comecei meu ano de shows inesquecíveis. Vi um do Tom Zé logo no em fevereiro, ai me apaixonei pelo taxista que me trouxe em casa, mas foi divertido. Depois vieram os do Tavito – que teve aventura até conseguir chegar lá e teve até a música Feira Moderna que eu pedi e ele tocou-; Teve Monica Salmaso – totalmente diva-; teve Jacques Morelembaum e do Chico Pinheiro; Ricardo Aleixo. Ganhei também um retrato de Guimarães Rosa da minha amiga Mirela, foi muito lindo.

Março –Teve Kastrupismo, teve a Hora das crianças , de Walter Benjamin, teve o curso de Teoria da História 1, teve mais Tom Zé tocando com a OMNIKESTRA e coisa muito fina como o encontro entre João Donato e Chucho Valdés  no SESC Belenzinho, dia que eu senti muita saudade de estar com alguém no mundo.

Abril – Em abril  declarei minha admiração pelo  Marcos Piagers, o melhor pai de 2015. Teve conferência do Wisnik sobre canções brasileiras; teve  documentário de Win Wenders sobre Sebastião Salgado, que eu gostei, pero no mucho... Em abril a morte passou pela Terra e levou a minha heroína Inês Ettiene Romeu – aquela que sobreviveu para contar- e também o provocador Antonio Abujamra.

Maio – Fez frio e eu adquiri minha touquinha creme muito charmosa.  Teve uma Jornada de Estudos sobre Oralidade e a Jerusa estava lá! Teve apenas um show, de Benjamin Taubkin, Gui Kastrup e Simone Sou – eu estava linda e cheirosa, e ganhei minha noite ao ser reconhecida pelo Taubkin.

Junho – Comprei o livro do Ivan Vilela e me deliciei com ele... virei fã do Ivansinho, é verdade. O disco Clube da Esquina foi escolhido entre os 1001 que você deve ouvir antes de morrer e eu vibrei! Mas a morte levou Fernando Brant e eu senti muito, muito ... assisti Os Últimos cangaceiros com a Ana Carolina numa fria tarde na Paulista.

Julho – Comecei “trabalhando” e ouvindo o lindo disco português Conversas com versos, da escritora portuguesa Maria Alberta Menéres, inspirados no livro de Eugênia Melo e Castro. Assisti  a um show da banda Eddie e achei muito bom, parecia até show do Tom Zé! Mas foi o último do ano, porque no fim de julho eu perdi o homem na minha vida, meu pai, e ainda estou tentando me recuperar...

Agosto – Agosto eu precisava reagir e fui, sozinha, ver as cerejeiras em flor no Parque do Carmo, que coisa maravilhosa! Depois teve a emocionante homenagem de um ano de morte ao professor Nicolau Sevcenko, com todo mundo que conheci na USP esses anos todos. Sonhei pela primeira vez com meu pai morto, me dizendo um simples “Bom dia, meu amor”.

Setembro – Me declarei para Marcelo Jeneci – uma declaração meia atrapalhada, mas a que foi possível. Comprei e devorei o livro Papai é pop, do Piangers; Assisti ao curso sobre Clube da Esquina, no  Maria Antonia e foi muito emocionante!


Outubro – Recebi muitos “nãos” e meu dei conta de que o ano acabava. Assisti ao Seminário História da Infância no MASP e descobri o trabalho da Telma Anita Piacentini no Museu do Brinquedo, em Florianópolis. Mas a vida estava bem difícil e nem comemorei meu aniversário de 36 anos, mas comprei o livro “No mar” de Toine Heijmans, presente para mim.


Novembro – Mal posso esperar para o ano acabar, como sempre, mas tentei ler o livro “No mar” que me dei de presente, mas não rolou. Assisti ao doc Esse viver ninguém me tira , do Caco Barcelos, sobre a dona Aracy e me emocionei muito.Mas eu ganhei lidos livros de Pedro Bloch dos meus lindos amigos Fernanda e Fábio, do Rio...




Dezembro – Tudo está incerto. Sem muitas expectativas para 2016, embora eu já tenha uma agenda do ano e tenha recebido a melhor mensagem espiritual de todas :
“Vibre com o todo, na Luz Rosa do Amor”



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Marisa Lajolo escreve sobre Pedro Bloch

Ilustração de Mariana Massarani  sobre fala de criança para
o "Dicionário de Humor Infantil" de Pedro Bloch (1998)
Encontrei este artigo de Marisa Lajolo sobre o trabalho de Pedro Bloch com as crianças e publicado na Revista Carta Fundamental em Novembro de 2013:

Pois é: criança diz cada coisa!

É comovente observar o processo de aprendizagem espontânea 
que vivem os pequenos no que respeita a língua e a linguagens
http://www.cartafundamental.com.br/single/show/116
Quem é que não sabe como é que é? Filho, sobrinha, afilhado ou filha da vizinha, todo mundo convive ou conviveu com uma criança. Com uma, com duas, com muitas! Conviveu mais ou conviveu menos, por algumas horas, por alguns dias ou por muitos anos, mas conviveu. Ninguém escapa!
Conviveu, talvez – que sorte! – com uma criança aprendendo a falar. E, fruto dessa convivência, pensou em voz baixa ou comentou com alguém que criança diz cada uma...!
E diz mesmo! Pedro Bloch (1914-2004) foi muito feliz ao dar este título aos textos/livros que escrevia sobre a linguagem infantil. Pois é mesmo verdade: criança diz cada coisa!
E o que elas dizem diz muito, ensina muito – como funciona a cabeça humana no que respeita a línguas e a linguagens. Porque, é claro, cabeça de criança, mesmo de criança pequena, já está programada para aprender aqueles saberes de que se precisa para sobreviver no planeta Terra.
E a linguagem é o mais básico desses saberes. E seu aprendizado, uma das coisas mais fascinantes da vida humana. Por isso é tão bonito e comove tanto observar o processo da aprendizagem espontânea que a criança vive a partir do que ouve à volta dela.
Sabe como?
Assim: faz de conta que estamos com a Paula, mãe da Júlia, uma mineirinha de pouco mais de 3 anos. Júlia ainda não fala os erres nem os chs. Mas fala muito. Fala com a família, fala na escola, fala com as amigas, fala com suas bonecas. Ou seja, Júlia é uma tagarelinha.
Pois outro dia, a mãe ia levá-la para brincar na pracinha e tinha combinado com a vizinha que levaria também a filha dela,  Valentina, grande amiga de Júlia. Saindo de casa, Júlia perguntou à mãe quem mais ia. Meio distraída, arrumando garrafas de água e maçãs na sacola, Paula respondeu:
– A Valentina também vai conosco.
Júlia olhou espantada para a mãe:
– Quem é o Nosco que vai com a gente?
A cena, claro, passou a integrar o anedotário familiar. Pais, tios, avós riram muito com a historinha do Nosco e foram passando adiante. Foi assim que o caso chegou aos ouvidos do Zé Luiz, professor esperto e informadíssimo que, além de rir muito da gracinha da Júlia, dias depois comentou numa reunião pedagógica:
– Às vezes fico pensando que é bobagem a gente achar que não deve ensinar gramática... Não vê que a gente aprende gramática quando aprende a falar uma língua?
Os colegas discutiram, e ele espichou a história:
– Teve o caso da filha de uma vizinha que quando ouviu a mãe falar vai conosco, perguntou quem era o Nosco que ia com elas. Eu acho que ela perguntou isso porque tinha aprendido que o verbo ir + a preposição com vem seguido da indicação da pessoa (ou coisa) que acompanha(va) quem está(va) falando. Acho que menina lembrou que a mãe falava frases como Hoje você vai para a escola com sua tia , ou Seu irmão hoje vai com o pai para a casa do avô,  ou Não vai dar pra ir com o sapato branco porque está chovendo. Júlia ouviu, processou, generalizou e concluiu: deduziu uma regra do português: Nosco era alguém (ou alguma coisa) em cuja companhia (ou com a qual) se ia a algum lugar.
A historinha é exemplar, não é mesmo?
Semana seguinte, reunião pedagógica de novo, foi a vez de Mônica aparecer com a historinha do Fábio, seu sobrinho.  O menino tinha ganho uma fantasia de Batman no aniversário, e a irmã ficou aporrinhando, pedindo emprestada a fantasia.
Foi quando Fábio foi reclamar para a mãe, dizendo que a irmã queria uma fantasia de super-heroia.
Risadas gerais, justificadíssimas, Fábio paparicado.  Ele tinha acabado de dar uma bela lição que deixou Mônica maravilhada: ele tinha, sozinho, deduzido e aplicado a regra de que o feminino, em língua portuguesa, se faz (quase sempre, só quase) substituindo o “O“  final por “A” , ou acrescentando um “A” ao final de palavras que terminam em consoante.
E não é que a regra funciona mesmo muito bem para gato e gata, menino e menina, professor e professora, japonês e japonesa?
Repetindo a frase, substituindo heroia por heroína, a mãe de Fábio mostrou ao menino que as regras do idioma têm exceções. Mas a experiência do menino ensinou que ele sabia que exceções não são tão numerosas que desestimulem o emprego das regras que, na maior parte das vezes, funcionam.
Penso que é a manipulação voluntária de regras e limites da língua que – chamada de criatividade, inventividade – gera textos sensacionais como Marcelo, Marmelo Martelo, de Ruth Rocha, e passagens maravilhosas de Guimarães Rosa, como o trechinho de Grande Sertão Veredas em que o leitor fica sabendo que Neco estrepuliu medroso mais que João Brandão.
Pois não é mesmo que criança e escritor têm cada uma...

Marisa Lajolo é professora, pesquisadora e autora de diversos livros, entre eles, Como e Por Que Ler o Romance Brasileiro