terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Balanço das metas 2020

 


Eu sei que 2020 não foi um ano completo em muitos aspectos, mas por que não manter a tradição e fazer um balanço das metas propostas em2019? Havia as  metas de sempre e mais uma plus:

1 - CONTINUAR VIVA:  META CUMPRIDA E com muita satisfação, só agradeço a Deus a aos orixás por eu, minha mãe, meus familiares, amigos e conhecidos termos sobrevivido a esse ano em meio a uma PANDEMIA, não é mesmo?

2 - ACHAR UM MOZÃO : META NÃO CUMPRIDA Por motivos óbvios, nem deu para sair de casa, né gente?

3- ENCONTRAR TRAMPO : META CUMPRIDA  No meio da pandemia, não é que eu fui lembrada, escrevi, trabalhei, estudei, publiquei, dei palestras e eventos? Foi mais que um recado de Deus e dos Orixás: Você está viva, o que é seu virá até você. Muita gratidão!

4- ACELERAR O CRESCIMENTO DOS CABELOS : META CUMPRIDA  , depois de tanto sofrimento,  o luto pela minha grande amiga foi cumprido e acho que  os cabelos começaram a voltar ao que eu identifico como meus. Ainda não estão grandes como gosto , mas ultrapassaram os ombros e perderam o corte curto e agora só o tempo vai ajudar.Como tive que parar de ir a academia, dei uma boa engordada na quarentena, mas os cabelos pelo menos voltaram a ficar melhores .

5- TREINAR BASTANTE : META PARCIALMENTE CUMPRIDA Não foi cumprida plenamente,mas a culpa não foi minha, é que eu tive que parar de treinar em março por causa da pandemia e ainda não obtive autorização dos médicos para voltar a treinar em ambiente fechado. Mas considero parcialmente cumprida porque, desde julho, tenho feito caminhadas diárias no entorno do parque aqui perto, para tomar sol, ver gente e me sentir viva!

6- BUSCAR OS SENTIDOS DA VIDA : META PARCIALMENTE CUMPRIDA Sendo forçada a permanecer em casa com minha mãe por dez longos meses, deu para ter todo tipo de reflexão e questionamento. Mas a minha ligação com a ancestralidade  se manteve viva e forte sempre. Nunca senti tanta fé. Obrigada, obrigada, obrigada.

Como sempre o balanço das metas mostram que a vida até que foi boa!Que em 2021 eu possa repetir essa fala com tanta ou mais fé!

 

 Venha 2021, espero estar preparada para enfrentar os cactos da vida que podem ser espinhosos, mas sobretudo são belos!

domingo, 27 de dezembro de 2020

Retrospectiva do blog 2020: O ano dos Cinemas africanos


Não é porque em 2020 tivemos o ano mais atípico dos últimos tempos que as coisas deixaram de acontecer. Não do jeito que estávamos acostumados, mas aconteceram e a  tradicional retrospectiva do blog Pequenidades  vai nos fazer relembrar disso . Vamos lá:

JANEIRO - Comecei vendo uma reportagem sobre sítio arqueológico na Serra da Canastra, no Piauí, me apaixonei pela pintura rupreste de cerca de 12 mil anos chamada “cena do beijo”.

Cena do Beijo na Serra da Canastra, PI

Mal sabia eu o quanto sentiria falta de beijos neste ano. Me indignei com a censura ao especial de fim de ano Porta dos Fundos. Me emocionei  ao observar a citação do livro Clara dos Anjos, de Lima Barreto, na novela das Globo. Curti o samba no Maria Zélia e na Casa das Caldeiras, ainda bem que consegui aproveitar bem no comecinho. Mas o mais significativo do mês foi mesmo ter visto o emocionante filme A Vida Invisível no cinema, sobre o qual comento aqui.

FEVEREIRO – Mês do carnaval, claro. Estava tudo tranquilo demais esse ano, sabia que podia ir todos os dias que eu quisesse, e fui. Foi maravilhoso curtir o pré carnaval do Bloco Lua Vai na Casa das Caldeiras, melhor rolê do ano pela terceira vez seguida.  Depois fui no pré carnaval mesmo, com o maior bloco de rua de São Paulo, o Acadêmicos do Baixo Augusta, curti a Elza Soares #Elza90, a diva do ano com seu painel na Consolação,  e dessa vez fui até o final, com Nação Zumbi e tudo mais.

Painel #Elza90

 Depois era o carnaval mesmo, nos quais investi nas makes neon e no glitter acumulado e brilhei muito nos meus blocos habituais do carnaval de rua de São Paulo - Tarado Ni Você e Explode Coração , que curti com o Vitor; e Lua Vai e Pagu, que curti com a Patricia – que garantiram a diversão do ano. Até no Jornal Nacional eu apareci por alguns minutos, afinal sou mesmo a musa do carnaval. Ainda bem que curti como se não houvesse amanhã. Na verdade não houve.

 MARÇO – A partir desse mês entrei em quarentena e as postagens foram diminuindo, mas no primeira semana ainda consegui ir ao pós-carnaval e foi com muito especial acompanhar o desfile do bloco O famoso Abacaxi de Irará, passando em frente da casa do Tom Zé. Quanto amor!

Pronta pro bloco do Tom Zé

Depois, no dia 8, ainda curti o Samba do Sol dia da Mulher no Mural Casa de Cultura e foi a última vez que eu sai no ano. Começava o período de cárcere e muito medo.Que lástima. 

ABRIL- Clima continuava muito ruim, só ouviamos falar de morte e de doença. Orações a todos os santos, especialmente Omulu. Eu tinha muito medo de adoecer e de deprimir. Tinha muita saudade de um samba e minha mãe criticava mas eu respondi que eu podia ter sim, porque quem é do samba sabe que muito além da alegria,que “a tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim”. Tivemos duas mortes de famosos que senti muito, a do músico Moraes Moreira (aquela cuja carne era carnaval e o coração era igual) e o meu autor da adolescência, Rubem Fonseca. Escrevi um capítulo de livro sobre as anedotas de Pedro Bloch e ele deve ser publicado em 2021. Pensei sobre a arquitetura do sorriso com as máscaras e muito sobre a empatia, tão necessária em nosso tempo. Fui estudar um pouco sobre a pandemia, as pesquisas, fiquei fã da BBC, ouvi muitas vozes de especialistas, especialmente a do Átila Iamarino, que me pareceu sempre muito tenebrosa, ainda gosto de ouvi-lo, mas com moderação. 
Adeus a Rubem Fonseca

Comprei um livro sobre o  filósofo Peter Sloterdijk,  que trata nas dinâmicas da história natural, achei fascinante, mas também muito cascudo para ler sozinha em quarentena. Ai eu comecei a reler Dona Flor e seus dois maridos, Jorge Amado é sempre uma delicia.

MAIO- Estava ficando sem ar, sem sair de casa, querendo arrancar os cabelos. Foi o mês que menos escrevi no blog, nos primeiros quinze dias minhas forças estavam se esvaindo, via toda a vida que conhecia se acabar, tudo adiado ou cancelado. 

Cinemas africanos EM CASA

Ai eu descobri, atrasada, que o Cine África estava disponibilizando de graça no Youtube uma seleção de filmes africanos, cada um com uma live com especialistas e realizadores, foi um grande presente que encheu muito minha vida. Mas foi o mês que eu postei menos coisas. O mais pesado do ano? Só comentei a mostra em junho.

JUNHO-

Belo filme malinês

Nesse mês os filmes africanos começaram a pipocar no blog, primeiro o angolano  Sambizanga (1976), de Sarah Maldodor; depois o senegalês Mossane (1996) da Safi Faye; o primeiro de Ousmane Sembene que assisti Mooladé (2004) e os dois  lançamentos de 2020, de Cabo Verde o Kmedêus, de Nuno Miranda e o angolano Ar Condiconado, de Fradique. Para seguirmos a programação normal da mostra com o sul africano Inxeba (2017), de John Tregove e um dos meus meus filmes africanos favoritos, o espetacular Yellen (1987). Mas falei muito de literarura  também pois comecei e terminei a leitura do primeiro volume da trilogia O Lugar mais sombrio de Milton Hatoum com o volume A noite da espera, com o qual briguei muito e talvez por ter mexido nas minhas estruturas de leitora, chegou a ganhar o prêmio de livro do ano 2020 (depois teve que dividir com Torto Arado, que foi o que eu realmente mais gostei no ano) , não porque tenha sido o que eu mais gostei, mas foi o que mais mexeu comigo.  

JULHO – Seguimos com posts sobre os filmes africanos com o senegalês Félicité (2017) de Alain Gomis, outro de Sembene, o Ceddo (1977) e o mauritano Heremakono (2002). 

Livro onde publiquei capítulo

Afora isso, foi publicado um livro no qual eu escrevi um capítulo sobre o romance Memorial do Convento , de José Saramago e que depois publiquei na íntegra aqui. E no final publiquei aqui um belo resumo, em imagens, dessa primeira temporada da mostra de Cinemas africanos 2020, que salvou tanto minha vida nessa quarentena.

AGOSTO – Não tinha mais mostra de cinemas africanos, mas relembrei três canções inesquecíveis da primeira temporada aqui. Depois ainda tive a chance de assistir ao belo filme Wax Print: um tecido, 4 continentes e 200 anos de História para refletir sobre como o estudo da história material (a de um tecido, a de estampas) pode nos ajudar a refletir sobre mitos de origem que sustentam a identidade africana da comunidade em diáspora e que, muitas vezes, retratam muito mais o próprio processo histórico da colonização africana do que, propriamente,  uma prática tradicional de lá.  Outros assuntos me interessaram,  eu achei uma modelo muito parecida comigo no clipe do Toninho Geraes, foi difertido.  

Eu como a modelo


 
Continuei lendo Hatoum, desta vez o Pontos de fuga e até tive uma conversa boa com ele pelas redes sociais. Me interessei por alguns temas como o da menina estuprada que foi impedida de abordar em seu Estado, um absurdo que comentei aqui e estudei muito, ampliando minha biblioteca de  Korczak, um autor de meu total interesse. 

SETEMBRO  Comecei um curso sobre cinemas africanos que foi maravilhoso e tivemos a segunda temporada da mostra, agora pelo Cinecesc com os filmes de Burkina Faso Fronteiras (2017) de Apolline  Traoré; o camaronês  O enredo de Aristóteles (1996) de Jean-Pierre Bekolo e a deliciosa comédia sudanesa Akasha (2018).

Na Primeira Live

Fui convidada para uma entrevista numa live com o músico e amigo Fernando Costa no Instagram. Meu artigo foi citado e eu tentei um resgate da minha dissertação de mestrado, o que foi ótimo. 

OUTUBRO – Na mostra de cinemas africanos assisti ao queniano Lua nova (2018); ao maravilhoso sulafricano O fantasma e a casa da verdade (2019), dirigido pelo nigeriano Akin Omotoso (o vencedor do preto de ano de 2020); o denso filme egípcio Rosas venenosas (2018), dirigido por Ahmed Fawzi Saleh  e o senegalês  Madame Brouette, de Moussa Sene Absa; Afora a mostra, assistia ao senegalês  E não havia mais neve, de Ababacar Samb-Makharram  e o brasileiro  Café com canela (2018) dirigido por Glenda Nicácio e  Ary Rosa que estão disponíveis no Youtube.


Ana Camila Esteves entrevista o diretor Akin Omotoso, meu crush de 2020


  Voltei a ler Hatoum, os contos de A cidade ilhada, só não sabia que só ia terminar mais de um mês depois, pois estava ocupada preparando as aulas do minicurso Estória contra a História, que ministrei online na Semana de História da Unesp de Assis.

NOVEMBRO – Pela Mostra de cinemas africanos assisti a uma seleção de curtas nigeriamos chamada Beyond Nollywood (2020), com curadoria da inglesa  Nádia Denton ; o suiço Nada de errado (2019), direção Aladin Dampha, Ebuka Anokwa, Lionel Rupp; os curta metragens  Nora Azul Branco e vermelho do meu cabelo; o etíope Preço do amor(2015), direção da bela  Hermon Hailay ; e a seleção Quartiers Lointains 6 – Afrofuturismo (2020) curadoria Claire Diao.

Na live da Consciência Negra

Fui convidada para um sarau literário, no qual li um parágrafo de Clara dos Anjos, de Lima Barreto e também para uma live entrevista no dia da Consciência Negra, com Fernando Costa.

DEZEMBRO – Terminando a mostra de cinemas africanos, assisti ao queniano  Supa Modo (2018), direção Likarion Wainaina  ; ao  sul africano Vaya e ao nigeriano Kasala (2018), direção Ema Edosio. Ministrei a palestra Mergulhando nos cinemas africanos na quarentena num evento da Revista Círculo de giz.

Capa da Revista Faces da História

Foi ao ar o Dossiê História Cultural do Humor na Revista Faces da História, organizado por mim e pelo João Paulo Capeletti e foi muito bom comemorar  o fim dos trabalhos. Nos últimos dias do ano eu terminei de ler o excepcional romance Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, mas ainda não tive tempo de escrever sobre ele, quando fizer isso insiro o link aqui. 

Como vimos, engana-se quem acha que em 2020 não aconteceu nada, não é?  Gratíssima por tudo!

Eu no Natal 2020

 

sábado, 26 de dezembro de 2020

Relendo Lavoura Arcaica 22 anos depois

 

Tinha lido para o vestibular em 1998, achei bonito, mas difícil, não me apaixonei. 
Quando terminei Torto Arado (que tiro foi esse?), fiz algo que costumo fazer e não né arrependi: vou ler o livro citado na epigrafe

.
No caso não sei se é o Lavoura, mas esse  é o único do Raduan que tenho aqui, fui reler. Estou na metade e escrevi sobre a releitura:
LAVOURA ARCAICA - É um livro bem curto, mas substancioso. Raduan é verboragico, perfeito pra escrever romance que flerta com o fluxo de consciência, tem aquele gosto pelas palavras e parece se angustiar quando vai percebendo  que elas não dão conta de expressar a experiência, não importa quantas forem . Acho que consigo  entender parte do encantamento causado pela obra na década de 70, mesmo que outros já tivessem pelejado pra tentar se expressar antes. Não achavam as palavras certas (Clarice e Guimarães por exemplo), mas buscavam... Raduan parece diferente, apostou que talvez se utilizando todas as palavras possíveis, condensadas num texto curto, conseguisse algum bom resultado. Acho louvável a tentativa. Não é um livro que pegaria para reler (nunca peguei), mas Itamar atiçou minha curiosidade.
Um adendo, na iniciativa de reler o romance de Nassar, agora em busca de referências ao texto de Itamar, fui me desesperando porque  lia o texto em detalhes, mas não achava o pequeno trecho da epigrafe. Qual não foi minha surpresa quando descobri, já ao final da leitura, que ela é exatamente um capítulo do romance : 


Não posso esquecer que nesse livro ele também está tratando de uma lavoura (arcaica) de palavras, tem toda uma reação com o tempo que tanto aparece em "Torto Arado", acho lindo.
Isso, a meu ver, é realmente inovador e foi por isso que quis reler a obra. Estou na metade e em breve termino o passeio por essa obra que sinto ser  masculina demais pra nossa sensibilidade do século XXI.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Dossiê História Cultural do Humor está online

 

Capa da Revista com o Dossiê História Cultural do Humor


Depois do trabalho de um ano inteiro, é com imenso prazer que divulgamos que o Dossiê História Cultural do Humor, organizado por mim e pelo João Paulo Capelotti,  está online neste link da plataforma da Revista Faces da História. 


Tomo a liberdade de copiar aqui a apresentação do dossiê que eu e João escrevamos a quatro mãos :


"O riso e o humor sempre fizeram parte da cultura humana. Apesar disso, foi a partir da segunda metade do século XX que as narrativas humorísticas passaram a ser legítimo objeto de estudo para a historiografia, a partir do advento da história cultural do humor. Mesmo que, metodologicamente, o estudo da comicidade seja ainda campo de difícil aproximação para o historiador devido à fragmentação dos objetos, é sempre válido apostar em uma leitura atenta das fontes, dialogando livremente com perspectivas epistemológicas.

Daí porque é possível afirmar que o estudo do humor tem se mostrado cada vez mais pujante e merecedor de abordagens originais nas mais diversas áreas do conhecimento.

Pensando historiograficamente, ainda que tenhamos acesso a publicações mais gerais do século XXI, como por exemplo Uma história cultural do humor (2000), organizado por Jan Bremmer e Herman Roodenburg, História do riso e do escárnio, de Georges Minois (2003), e sobretudo o largo compêndio de estudos sobre humor organizado por Salvatore Attardo, The Encyclopedia of Humor Studies (2014), esses volumes possam figurar como parâmetros para o historiador do humor, destacamos que no Brasil o crescimento deste campo ainda é lento, apesar do trabalho pioneiro de Elias Thomé Saliba (2002) e da existência de grupos de pesquisa e seminários sobre comicidade, apontando que esta é uma linha de pesquisa repleta de possibilidades de trabalho.

Este dossiê especial da revista Faces da História pretende celebrar exatamente este momento da pesquisa sobre humor no Brasil, registrando seus diálogos sobretudo com a história cultural, mas abrindo também espaço a interlocuções com a filosofia, a linguística, a literatura, o cinema, a música e o direito. A generosa acolhida da equipe editorial ao tema proposto para o dossiê, portanto, é nosso primeiro motivo de agradecimento como editores.

O segundo foi a boa receptividade encontrada pela chamada de artigos, não só por historiadores, público-alvo da revista, mas também por pesquisadores de outros campos do conhecimento todos, porém, com propostas extremamente interessantes e inventivas, vindas de diversas partes do país.

Nessa aventura interdisciplinar, a lógica que pretendemos seguir com a ordem de apresentação dos artigos não foi a simples cronologia dos fatos históricos abordados em cada um dos trabalhos. Como o dossiê é composto por abordagens que vão desde a Grécia antiga ao direito contemporâneo, optamos pela divisão em quatro blocos temáticos.

No primeiro deles, reunimos quatro artigos que combinam historiografia e análise literária.

Em Tenupá-Oikó: a filosofia do “Deixa Está” como proposta humorística para a construção da legislação brasileira pela ótica antropofágica de Clóvis de Gusmão, Heraldo  Márcio  Galvão  Júnior,  doutor  em  história  pela  Universidade  Federal  do  Pará (UFPA) e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), resgata um nome pouco estudado do modernismo brasileiro, jogando luz sobre um autor profundamente original que ainda não obteve o merecido reconhecimento. Clóvis de Gusmão utilizava o folclore amazônico anedotas, em especial com o objetivo de, nas palavras  de  Galvão  Junior,  compreender  a  verdadeira  brasilidade”  e  reedificar  as concepções de sociedade, de cultura e de política”, inclusive por meio da substituição da legislação vigente, que seria mera cópia de modelos europeus, por algo verdadeiramente nacional.

Outro autor relativamente pouco estudado é o objeto do artigo de Leandro Antônio de Almeida, doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Depois, miseravelmente depois, só rindo: a sátira cômica de João de Minas nos anos 1930 escrutiniza a vida e a obra do pseudônimo de Ariosto Palombo, escritor de matizes inicialmente sertanistas que enveredou mais tarde pelo romance mais popularesco, contudo, sem jamais, abandonar a sátira política como elemento central de suas narrativas ficcionais. Almeida compara esses dois momentos da obra de João de Minas, refletindo sobre o papel do distanciamento na sátira e demonstrando como o autor mesclava os dramas de seus protagonistas com referências explícitas a acontecimentos políticos da época tudo envolto numa atmosfera um tanto iconoclasta, num “universo regido pela busca [...] de poder e dinheiro por meio da corrupção generalizada”.


Fechando o bloco concernente à literatura, Luís Felipe Gonçalves do Nascimento, mestre em história pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), apresenta A Ressurreição de Vitorino Carneiro da Cunha: humor e ironia na  obra de José Lins  do  Rego. O artigo mostra como o escritor paraibano utilizou um dos protagonistas do romance Fogo Morto para ironizar a crítica literária da época, e em certa medida a si mesmo, na medida em que se tratava de personagem inserido na mesma oligarquia canavieira na qual o próprio José Lins do Rego havia crescido. O artigo propõe, com isso, uma leitura que ilumina de modo inspirado toda a obra do autor: “É esta tensão que faz de José Lins do Rego um escritor intrigante, no aspecto de falar ou não falar do mundo em que viveu, de representá-lo, ou, de maneira intencional, desmontá-lo com ironia”.

O segundo bloco traz artigos que avaliam o humor na imprensa, começando com mais uma contribuição nordestina. Em O Jornal O Norte e o pioneirismo do humor gráfico na imprensa paraibana, Rosildo Raimundo de Brito, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), analisou as edições que circularam entre 1968 e 1980 do primeiro periódico do estado a utilizar de modo consistente tiras e quadrinhos. Para se debruçar sobre as caricaturas do jornal, em especial sobre o personagem Zé da Silva, o autor parte da ampliação do conceito de “documento histórico” pela chamada “nova história cultural”, para concluir que “é possível, a partir das imagens, se conhecer a história social de um determinado tempo”, considerando que por meio delas é possível reconstruir acontecimentos “em toda sua espessura política, social e cultural” – como, por exemplo, as alusões feitas sobre a ausência de voto direto para presidente durante a ditadura civil-militar que governou o país de 1964 a 1985.

em “Adoradores de Baccho”: embriaguez, humor e ambivalência na imprensa pelotense (1930-1935), Thaís de Freitas Carvalho, mestre em história pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), retrata como o humor confere ambivalência ao retrato da vida noturna por dois jornais circulantes na cidade, que se equilibravam entre a condenação dos excessos alcoólicos por meio da derrisão e a celebração dos entreveros por meio de notas policiais bem-humoradas. A historiadora reconhece que “muitos dos causos e histórias vividas por entre bares e botequins permanecem inacessíveis aos historiadores”; porém, os fragmentos de brigas e vexames, que ganharam menções nos periódicos, permitem entrever e imaginar a dinâmica dessa sociabilidade, e o que ela revela a respeito do divertimento possível à classe trabalhadora pelotense da época.

No quarto bloco destacamos artigos que abordam o humor em narrativas musicais e cinematográficas, fontes caras aos estudos de história cultural e que aqui primeiro surgem com o artigo Humoristas-cantores: a comicidade na canção brasileira


(1964-1985)  entre  tons  de  crítica  e  notas  de  acidez,  de  Gabriel  Percegona  Santos, mestrando em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nele, Santos propõe estabelecer um “diálogo entre a história cultural do humor no Brasil entre os anos de 1964 e 1985 e sua expressão musical”, abordando a comicidade em registros fonográficos de artistas como Ary Toledo, Paulo Silvino, Chico Anísio e Arnaud Rodrigues (Baiano & Novos Caetanos), destacando como tais críticas, porque vieram através do humor, não fizeram com que as obras fossem censuradas e nem “tornaram seus autores e intérpretes personagens visados pela ditadura”, como era comum na época.

O humor no cinema aparece representado em Cinema e consumo popular de pornochanchadas:  da  nudez  explorada  às  representações  femininas  (1970),  de  Julio Eduardo Soares de Alvarenga, mestre em história pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), e Pedro Vilarinho Castelo Branco, doutor em história e professor da mesma universidade. No artigo, os autores não abordam o gênero pornochanchada em geral como também apresentam análises mais detalhadas das comédias eróticas  Um  Virgem na  Praça  (1973),  de  Roberto  Machado,  e  Mulheres  Violentadas  (1977),  de  Francisco Cavalcanti, para discutir a questão da nudez naqueles filmes e, sobretudo, “a dominação masculina e as formas de resistência feminina” e, com isso, esboçar possíveis papéis das mulheres naquele gênero cinematográfico de alto consumo na década de 1970.

Inaugurando a última e mais interdisciplinar seção do dossiê, dedicada a outros campos do conhecimento, Walter Claudius Rothenburg, livre-docente em direitos humanos pela USP e professor da Instituição Toledo de Ensino (ITE), apresenta O humor e seus limites jurídicos amparado sobretudo no caráter paradoxal da manifestação humorística, que caminha quase sempre no fio da navalha entre a proteção e a repressão por parte do ordenamento jurídico. Escrito em linguagem clara e acessível a não-juristas, o autor defende que o humor pode iluminar determinados fatos e questões sociais de modo inestimável, porém, “[q]uando inferioriza, quando agride, o humor discriminatório deve ser encarado pelo Direito como ilícito: uma manifestação intolerável de ‘discriminação recreativa’”.

Segundo consta na Encyclopedia of humor studies (ATTARDO, 2014, p. 120-7) o campo do humor infantil é um dos mais considerados como tema de estudo pelos pesquisadores da comicidade e neste dossiê ele está representado pelo artigo Da compreensão à produção de incongruências por uma  criança  pequena:  dados de humorde Caroline Prado Gouvêa, graduada em letras e mestranda na área de linguística pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Araraquara; Alessandra Del Ré, que é doutora e professora na área de linguística na UNESP/Araraquara, e Alessandra Jacqueline Vieira, que é doutora e professora do curso de letras da Universidade Federal


do Rio Grande do Sul (UFRGS). Neste artigo, bastante empírico, as pesquisadoras se propuseram a considerar “o processo de compreensão e a produção das incongruências que vão produzir efeito humorístico no discurso” durante a interação com o outro. Essa pesquisa foi feita a partir da análise dos vídeos de crianças entre três e quatro anos de idade disponíveis no banco de dados do grupo NALingua (CNPq). Interessante é que os resultados parciais alcançados nesta pesquisa mais ampla na área de aquisição da linguagem infantil mostram que o humor estaria presente na fala da criança desde cedo.

Para finalizar nosso dossiê, apresentamos uma colaboração advinda da filosofia sobre a presença das narrativas cômicas na Antiguidade com o artigo A tripartição da retórica no cinismo de Diógenes de Sínope, de George Felipe Bernardes Barbosa, graduado e mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), que se propõe a analisar trechos da obra de Diógenes, o Cão. Considerando aspectos cômicos no cinismo, Barbosa defende que se “dissipa a ideia de que o filósofo é sempre a figura séria, presas em pensamentos transcendentais”. Além de divertida e surpreendente, essa contribuição também é enriquecida com uma linguagem erudita e reflexões pertinentes sobre gêneros textuais humorísticos como anedotas.

A pluralidade do dossiê que temos a satisfação de apresentar ao público leitor é, portanto, espelho das próprias possibilidades oferecidas pelas diversas formas de manifestação humorística. Atravessando gêneros e formatos, séculos e povos, o humor ainda se apresenta intrigante e aberto às perguntas que, espera-se, lhe sejam feitas com frequência cada vez maior.

Boa leitura!

Camila Rodrigues Doutora em história pela Universidade de São Paulo (USP)

João Paulo Capelotti

Doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Referências

ATTARDO, Salvatore (org). Encyclopedia of humor studies. New York: SAGE Publications, 2014.

 

BREMMER, Jan; ROODENBURG (Org). Humor e história. Uma história cultural do humor. Trad. Cynthia Azevedo; Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 13-25.

MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. Trad. Maria Helena O. Ortiz Assumpção. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

SALIBA, Elias Thomé. Crocodilos, satíricos e humoristas involuntários: ensaios de história cultural do humor. São Paulo: Entremeios; USP-Programa de pós-graduação em história social, 2018.

SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Cia das Letras, 2002.


Em um ano de pandemia, concluir um trabalho desses é para se comemorar e comemorei, até abri uma cerveja, não junto com minha equipe, mas sozinha mesmo, aqui em casa