domingo, 13 de agosto de 2017

Possibilidade e impossibilidade de narrar a História

Samuel, 9, Zuleide, 4, Ernesto Carlos, 2, e Luiz Carlos, 6, com a “tia” Tercina em foto de junho de 1970 encontrada nos arquivos do Serviço Nacional de Informações. Fichadas como “subversivas”, as crianças foram fotografadas no doi-Codi do Rio de Janeiro antes de serem mandadas para a Argélia com outros 40 presos políticos trocados pelo embaixador alemão sequestrado naquele ano.(FONTE http://revistazum.com.br/revista-zum-3/infancia-banida/)
Não sei por qual motivo, tive acesso e li essa reportagem esta manhã. Ai fiquei pensando sobre as dificuldade de narrar.Que o Brasil vive intenso retrocesso é evidente em todos os níveis. Eu, como historiadora, sinto melhor como isso acontece na possibilidade/impossibilidade de narrar.
Sempre relato que durante minha graduação em História (1999-2003) não era comum se falar no período da recente Ditadura civil-militar, e eu entendia que isso acontecia por muitos motivos como: os arquivos que sustentariam as pesquisas estavam bloqueados; os possíveis relatos ou depoimentos vinham carregados de diversas camadas de trauma, o que dificultaria sua análise; tudo era era muito recente e os envolvidos ainda viviam e era interessante anular essa narrativa por tempo indeterminado;e muitos outros motivos.
Mas nos anos 2000, enquanto esse episódio ainda espinhoso da nossa História continuava tabu, alguma especie de resgate dessa possibilidade de narrar começou a aparecer quando os arquivos foram abertos pela lei do Direito a Informação e isso permitiu que pesquisas fossem feitas;uma ex militante foi eleita presidenta; instauro-se a Comissão Nacional da Verdade que embora tenha sido aceita com a condição de não anulação da Lei da Anistia de 1979 e portanto não previa a punição dos envolvidos (o que é um absurdo insustentável, mas a gente vai fazendo o possível para não deixar de fazer, sabe?), mas ela nos forneceu acesso à maior quantidade de informações sobre o período até agora alcançado. Era possível pesquisar e narrar aquele período.
Hoje, quando estamos em meio a outro golpe de Estado e no meio de um retrocesso sem fim, eu já não vejo essa possibilidade. Lamentável. Essa matéria que postei acima é de 2013, o período mais fértil para as pesquisas históricas sobre o tema e lendo o texto, relembrando os vídeos e as histórias nele citados (que conheci através do material de divulgação da Comissão da Verdade), reflito sobre o fato de termos voltado à situação da impossibilidade de narrar neste país, o que torna a minha profissão de historiadora ainda mais difícil e valiosa e minha boca muito amarga.