A proposta dos curadores é trazer "Os quatro filmes apresentam narrativas que colocam em disputa diferentes noções de territorialidades quando falamos de África. "
Mas eu acho que, em alguns filmes, a proposta vai além, toca questão de identidade e de futuro. Pelo menos três dos curtas disponíveis eu já tinha assistido e eles falam sobre O DIREITO DE SE SONHAR COM UM FUTURO, inclusive para os africanos em diáspora, que já tiveram seu passado apagado, escondido e soterrado mas que estão vivos e tem direito de construir um futuro. No meio dessa pandemia, dessa quarentena, desse cenário devastador, a África sempre nos ensina que é preciso sonhar, sempre!
1- “Ethereality”
Ruanda, 2019, dir Kantarama Gahigiri
Sinopse
:
: “como é a sensação de finalmente
voltar para casa? O curta dirigido por Kantarama Gahigiri é uma coprodução
Ruanda/Suíça e traz uma reflexão sobre a migração e o sentido de pertencimento.”
2 - “A
festa de henna de Ward”, Egito, 2020, dir Morad Mostafa
Sinopse
:
“Traz Ward, de 7 anos, acompanhando
sua mãe no trabalho de pintar uma jovem noiva para o casamento. Sob o olhar de
Ward, o encontro entre as duas mulheres evolui da cumplicidade a tensões
surgidas subitamente.”
É uma delicia de filme árabe que adorei conhecer, é um universo tão
interessante. a menina Ward é quieta, sempre com a boneca, mas enquanto a mãe
faz tatuagem de henna nas noivas, sai pelas beiradas e até uma garrafa de
cerveja ela arruma pra sua “filha”. Imagens
Ward
Tatuagem de Hena
Ward e a mãe chegam na festa
Tatuando
Ward e a boneca
3- “O azul, branco,vermelho do meu cabelo”, França, 2016, dir Josza Anjembe
Sinopse
:
“Conta a
história da adolescente camaronesa de 17 anos, Seyna, que sonha com apenas uma
coisa: conseguir a nacionalidade francesa, apesar da oposição de seu pai.”
4- “Gagarine”, França,
2015 dir Fanny Liatard e Jérémy Trouilh
Sinopse
: “Apresenta o jovem Youri que mora com sua mãe em
Ivry. Com a demolição da cidade se aproximando, a cena de seus sonhos de
infância desaparecerá.
Eu, com um do cem livros que "moldaram nosso mundo", segundo a BBC
Eu, em 2021, estou
querendo ler autoras e obras diferentes. Depois de viajar para a Nigéria com o
livro da Chimamanda Ngozi-Adichie,
queria ler uma mulher que me apresentasse outro lugar.
Foi por volta do dia 19
de fevereiro que eu assisti a uma resenha literária desse livro na página da
Livraria Mandarina no Instagram e fiquei com muita vontade de viajar para
Trinidad e Tobago e ficar sabendo da história dos gêmeos Peter (o genial) e
Paul (o problemático): o Caribe não é qualquer coisa, mas ainda não podia ler
romances pois tinha que fazer trabalhos, mas quando terminei essa foi a
primeira leitura que quis fazer. Realmente o livro faz a gente essa viagem e
isso é encantador, como vou falar daqui a pouco.
Antes preciso falar do encantamento de tomar contato com a beleza da edição quando o livro chegou, até tirei foto junto
E logo descobri que o
livro também era de ouro, não era só o menino
Era lindo, tinha cheiro
de livro novo, era bem escrito, foi um banquete para mim.
Em 10 de março eu postei:
“MENINO DE OURO - O romance chegou ontem, tem 3
capítulos, comecei a ler e ontem mesmo já terminei o primeiro. Agradável a
leitura. Como era esperado, o cenário (zona rural de Trinidad e Tobago) e
algumas dificuldades (falta de água ), a gente estranha um pouco, mas eu teria
estranhado mais se não tivesse lido "Hibisco Roxo" antes: grande
lição das leituras 2021 é que só ler histórias contemporâneas de gente com
saneamento básico pode ser limitador! Mas de resto, tem um pai, o narrador é
grudado na perspectiva dele, ele tem dois filhos gêmeos, Peter, o genial, e
Paul, o esquisito. Sabemos muito pouco sobre os meninos, aliás sabemos pouco
sobre tudo, a maioria dos comportamentos nos parece estranho, ainda não sei se
são mistérios do livro, ou se é estranhamento do meu olhar estrangeiro. Paul
começa logo sumindo: ele, que talvez nem possa ser o "menino de ouro"
, é, certamente, o ponto chave do livro, acho. A ver.”
Mal sabia eu que o estranhamento ia ser intensificado e o
romance vira um thriller eletrizante. Comecei curtindo o passeio turístico:
“Há dias que estou vivendo em Trinidad e Tobago. Meu guia de viagem,
Clyde, já me mostrou várias coisas - como roupas, carnaval, formas de viver e
trabalhar, tradições religiosas e comidas - mas praias ainda não. Surpreendente
para uma viagem para ilhas caribenhas, mas não posso reclamar, estou adorando o
tour.”
Com o tempo, depois da gente conheceu mais o modo de como o Clyde vê o mundo e como ele é excelente guia turístico, a gente fica bem ambientado. No decorrer do livro o foco narrativo foi mudando (como eu gosto que aconteça) e a gente foi entrando na cabeça de outros personagens. Quando o gêmeo Paul (o problemático), que a gente já gosta de graça, fala a primeira vez, se apresenta de modo simpático, justo ele que até então era descrito como retardado, então eu até chorei:
"Oi", diz Paul, timidamente. "Eu sou Paul. Tenho cinco
anos e eu moro em Tiparo, em Trinidad."
Escorreu uma lágrima: Estou na metade do livro e é a primeira vez que
Paul "fala" alguma coisa, na verdade é a primeira vez que o narrador
nos deixa ouvi-lo, saber o que ele pensa e não, não é nada maluco, nem
demoníaco. Não vou contar o contexto opressor em que ele fala essas palavras
bonitinhas, só repito que fiquei muito emocionada!”
O livro vai se desenrolando, vamos ouvindo tantas vezes em que todo
mundo menospreza Paul, que ficou muito tempo sem oxigênio no parto e ficou com
deficiência intelectual leve, especialmente em relação ao irmão Peter, que
nunca erra em nada e só dá orgulho a todos e isso é angustiante. Mas como é
sempre muito repetido que ele é um retardado, não sabemos se ele tem mesmo essa
deficiência. Até que tem a hora em que a narração é feita a partir da
perspectiva dele, ai a gente se surpreende muito: ele tem mesmo algum retardo, não sabemos se é natural
ou se acontece porque ninguém nunca conseguiu entendê-lo, acompanhá-lo,
estimular seu desenvolvimento, mas apesar disso, ele tem uma ótima noção de sua
realidade, do que deve e pode fazer ou falar, é observador e muito inteligente.
A gente começa a amar esse menino e começa a angustia de pensar que talvez, no
final do livro, ele que venha a sofrer as consequências de toda aquela trama
que vai sendo montada. Quando eu cheguei nessa fase eu desabafei:
“Vocês já fecharam um livro porque bateu um medo de que alguma coisa muito
ruim pode acontecer a qualquer momento? E depois nem tem coragem de voltar a
ler?
Estou assim com "Menino de ouro". Eu sei que tenho que
enfrentar, mas são apenas crianças.Sorte que não faço ideia de que vai mesmo acontecer algo, mas tenho mau
pressentimento.”
Eu sabia que Clyde, o pai, teria
que fazer uma escolha entre os dois gêmeos. Como seria esta escolha? Para nós
leitores, qual seria o "menino de ouro do título”? Para nós, que só sabemos de Peter o que sobre ele se
falava (que é um gênio, que é bonito, que amadureceu logo, etc) e que entramos
na cabeça de Paul, dividimos com ele tanto a angústia e as dificuldades na
escola, quanto a poesia da descrição de seus passeios favoritos ao ar livre,
concordaríamos com decisão do pai? O meu
medo surgiu porque a gente vai se aproximando tanto de Paul, tendo empatia com
ele, gostando mesmo do “Tarzan” cheio de estigmas.
No livro ficamos sabendo de músicas que se ouve em Trinidad, vai de
tudo, de calipso e Bob Marley. Em um momento, perto do final do romance (de
lembrar faço uma careta), em uma das cenas mais angustiantes e violentas da
trama, toca essa canção, o que achei uma sagaz construção de ambiente para o
romance que se passa no Caribe
O final do livro foi dos mais impactantes e cheguei a comentar sobre:
OS LIVROS E SEUS LEITORES- Uma leitura, pra mim, só vale se for um
mergulho, se for intensa ... "Menino de ouro" é um caso exemplar. Eu
acho que terminei de ler ontem, mas não lembro qual foi o TÃO TEMIDO final, é
como se eu não tivesse acabado,não sei como terminou tudo. Tá difícil cortar o
cordão umbilical! Mas em breve concluo e escrevo sobre o livro...
E realmente, fui reler o final, encarar a encerramento da trama e tentar
me acostumar um pouco mais com ele, compreender as atitudes de todos e sobretudo
toda a dor que este final deixou em todos, inclusive em mim, ainda mais nesse
dia terrível da pandemia.
Mesmo assim achei que devia ter coragem de tirar uma última foto,mesmo toda detonada - essa que inicia o post - com essa obra que, diz a orelha do livro, foi incluída na lista das cem livros que “moldaram
nosso mundo”, pela BBC. Acho que a escolha é pela violenta temática criminal abordada na trama, que também aparece nas obras de outros autores latino americanos pipoca também em outros autores latino-americanos, como o mexicano Juan Pablo Villalobos, por exemplo.
Terminando de ler, busquei vídeos sobre ele no Youtube, não achei nenhum brasileiro ainda, mas achei esse aqui, onde a moça fala de outros livros depois, mas no comentário sobre "Menino...", aponta uma coisa nova. Eu, que nada entendo de Bíblia, jamais sequer pensaria na questão do "filho sacrificado", o que até pode fazer sentido porque, no livro, a família é hindu, mas os filhos estudam em escola católica e todos são muito amigos de um padre, que tem papel importante no fim do romance, especialmente se pensarmos na questão cristã... Cada leitura é mais uma camada para a gente entender melhor a obra.