Se é que de fato sou historiadora, devo muito isso aos clássicos lidos na graduação e às experiências de pesquisa, mas acho que aprendi mesmo sobre as possibilidades e limites dela através da literatura. É sempre bem vinda a presença de um contraponto inicial. Em 2005 eu estava muito doente e mesmo assim tentava fazer mestrado, foi quando li esse fantástico livro de Sebald, para um curso de pós...lembro dele sempre, especialmente desse fragmento, que me ensinou tanto sobre História, suas narrativas e fluxos. Sim, isso já estava em outros textos, especialmente nas Teses sobre o conceito de História de Benjamin, mas ficou registrado em mim, mesmo, por essa narrativa:
Mas, cada vez entendo melhor, certas coisas têm um jeito inesperado de retornar, muitas vezes depois de longo tempo ausentes. Pelo fim de julho de 1986 passei alguns dias na Suíça. Na manhã do dia 23 fui de trem de Zurique a Lausanne. Quando o trem cruzou lentamente a ponte do Aare, entrando em Berna, meu olhar viajou da cidade à cadeia de montanhas. Se não estou apenas imaginando agora, lembrei-me do dr. Selwyn nessa ocasião pela primeira vez depois de muito tempo. Quarenta e cinco minutos depois, para não perder a visão daquela magnífica paisagem do lago de Genebra, já ia deixando de lado um jornal de Lausanne, comprado em Zurique, que estivera folheando, quando uma noticia chamou minha atenção: dizia que os restos mortais do guia de montanhas Johannes Naegeli, desaparecido em 1914, tinha sido devolvido depois de 72 anos pela geleira de Oberaar. - Assim, pois, retornam os mortos. Às vezes depois de sete décadas eles saem do gelo e ficam deitados na beira da morena, um montinho de ossos polidos e um par de botas com cravos. W.G. Sebald Os Emigrantes, p. 28.
O passado não passa assim tão facilmente, tem sempre algum corpo em alguma geleira, alguma foto, algum resquício, alguma nota ...tudo isso é narrativa e também pode contar história.