Frederico Puppi e o violoncelo tradicional, foto de divulgação |
No Instrumental de ontem tivemos a oportunidade de ouvir Frederico Puppi, com seu violoncelo moderninho, misturado às inserções eletrônicas e foi como viajar com um viajante.
Se na semana passada tivemos aquele repertório todo eletrônico, desta vez tivemos um músico mais tradicional, mas com fundamentais inserções eletrônicas e confesso que agradou meus ouvidos do início ao fim, pensei e senti o tempo todo : Vim aqui para isso.
A apresentação foi voltada ao seu disco Marinheiro de Terra Firme, e é mesmo como ele disse ser : o som dos náufragos que sobrevivem nas cidades do mundo. A primeira referência bem leve que eu fiz o ouvir aquele som, foi a algumas sonoridades 'mouras' de João Bosco, especialmente no disco Bosco e viagem paradisíaca que ele nos propõe , e talvez eu pudesse até ter comentado na conversa final, mas como o show foi tão intenso eu acabei me esquecendo e só voltei a fazer a referência agora, ouvindo o disco de Puppi. Ou seja, ainda que eu não saiba explicar, e que eu ache que o "marinheiro" nem conhece esse disco, ela existiu.
Para o público fiel do Instrumental, como eu, Puppi é um artista diferente porque ao contrário da maioria dos instrumentistas que falam apenas pela musicalidade, ele é quase teatral, expressa no corpo a mensagem que quer passar no violoncelo que ele mesmo criou (e explicou como criou) e especialmente é um conversador, comenta com palavras, em um português perfeito, quase tanto quanto com sons o trabalho que fez. A gente adora, eu adoro.
Em suas pequenas narrativas eu mergulhei no O Narrador de Walter Benjamin: falamos dele, que é um músico italiano, nascido nos alpes, e que se tornou um viajante, que já não sabe exatamente onde mora nesse mundão e vem contando histórias "das alpes" ("onde se ouve o mais profundo silêncio nas iluminadas manhã, depois de uma noite de nevasca"), do sertão ("chão laranja e céu azul, a perder de vista", dois lugares com "pessoas com casca por fora, mas com coração gentil dentro, de onde sai música modal", propriamente dita, nada tonal soa ali, dai a aproximação com a sonoridade oriental), do sul da Itália e sua alegre Tarantela ... tantas histórias e muita simpatia!
O público do instrumental ontem estava mais normal, não estava tão lotado como se fosse um festival, como na semana passada, mas cheio, só que sentei perto de pessoas desrespeitosas com o músico, que falavam o tempo todo, bem desagradável...
Nas inserções eletrônicas, para o show, Puppi fez comentários sonoros e políticos (nunca politiqueiros) e o público acolheu e respondeu : tocou uma versão de Bella Ciao, o que até poderia não ser um comentário tão político em relação à situação brasileira e do mundo que flerta com fascismo, já que ele inseriu bastante som italiano nos samples, mas a seguir não deixou dúvidas inserindo, em alto bom som, aquele trecho magnifico do discurso de Marielle Franco no qual ela diz que não ia permitir que interrompam a fala de uma mulher eleita! Foi de arrepiar e, ao fundo da platéia, uma mulher gritou "Marielle vive" e foi aplaudida!
Por último, há que se comentar que além de ter tocado a delicada útima faixa do disco, Pequena Música Para Um Grande Momento, onde são sampleados sons de crianças brincando, surgiram as crianças outras no show : Anita, a sobrinha de dois anos de Puppi, que mora na Irlanda e que inspirou uma das canções mais criativas do disco e que leva o seu nome e também uma garotinha de tranças, com uns 7 ou 8 anos, sentada com os pais na minha frente, e cujas reações à música foram de se fazer notar: se era triste, ela ficava apenas ouvindo, mas se tinha ritmo e animava, batia palmas, fazia gestos com as mãos, mostrando que, talvez, estivesse aproveitando e se divertindo mais do que todo mundo.
Pelo telão, em vídeo, uma amiga de Puppi , da qual infelizmente não me lembro o nome, comentou que o som dele lhe parecia coisa de criança, no sentindo mesmo de CRIAR ... e não é que é mesmo?
Adorei!
UM PLUS: Um dos sonhos do espetacular Puppi, segundo ele próprio, é conhecer pessoalmente o Jaques Morelenbaum . Meu também, nego, mas pra você deixo até minha senha que peguei há anos, porque sei que desse encontro de vocês deve sair um som MUITO MARAVILHOSO!