sexta-feira, 18 de abril de 2014

"Do amor e outros demônios", de Gabriel Garcia Marquez


Em relação aos romances do Gabo, em homenagem póstuma,  lembrei de "Cem anos de solidão" e do meu favorito "O Amor nos tempos do cólera", mas este último também está vinculado ao primeiro do Gabo que eu li quando foi lançado no Brasil em 1994 e foi com ele que eu conheci o Gabo. Trata-se de romance menos citado, porém deveras interessante  (especialmente aos historiadores que leram as obras da Laura de Mello e Sousa sobre as feiticeiras das Minas Gerais coloniais), porque a ideia nasceu nos anos 1940, quando o jornalista Gabo acompanhou a remoção das criptas funerárias de uma capela e viu o impressionante túmulo de uma marquesinha com uma cabeleira imensa, como a das personages das histórias tradicionais da América Central...  falo de "Do Amor e outros demônios", que conta a história de amor colonial, bastante histórica, em que uma marquesinha, que diziam ser possuída  por demônios, envolve-se com o padre espanhol  Cayetano Delaura, encarregado de exorcizá-la. Mas tem que ler a narrativa inventada por Gabo, vai ver que ela, embora fosse  marquesa, era uma criança rejeitada e  teve criação entre os escravos (culturas diferentes) e até de raiva sofreu (talvez por isso as febre intensas)... uma narrativa absurdamente  histórica e antropológica, muito interessante. Porém, a história de amor que eu mais gosto neste romance nem é essa da Sirva Maria de La Sierra e seu exorcista, mas uma ocorrida bem antes de seu nascimento, quando o seu pai, o segundo Marquês D. Ynácio de Alfaro y Dueñas - que foi analfabeto até a idade adulta e era anti social-, aos vinte anos se apaixona por uma das reclusas da Divina Pastoral

 "cujos cantos e gritos arrulharam sua infância. Chamava-se Dulce Olivia. Era filha única numa família  de seleiros de reis, e tivera de aprender a arte de fazer arreios de montaria para que não se extinguisse com ela uma tradição de quase dois séculos. A essa rara intromissão num oficio de homens se  atribuiu o ter ela perdido o juízo, e de tão triste modo que deu trabalho ensiná-la a não comer suas próprias misérias. Afora isso, teria sido  excelente  partido para um marquês crioulo de tão parcas luzes.
Dulce Olivia tinha uma inteligência viva e um bom caráter, de sorte que foi difícil descobrir que estava louca. Logo à primeira vez que a viu, o jovem Ynácio a distinguiu no tumultodo terraço, e nesse mesmo dia se entenderam por sinais. Exímia no corte,  ela mandava mensagens em gaivotas de papel. E ele aprendeu a ler e escrever para se corresponder-se com ela, e assim principiou a paixão autêntica que ninguém quis entender. Escandalizado, o primeiro marqês determinou ao filho que fizesse um desmentido público.
-Não é verdade - replicou Ynácio-, como tenho licença dela para  pedi-la em casamento. - E ante ao argumento da loucura, replicou com o seu:
-Nenhum louco é louco para quem entende as razões dele." (54-5)

O casamento com Dulce não se efetivou e tempos  depois, por interesse de linhagem, Ynácio  acaba desposando D. Olalla de Mendonza - a que tinha sido aluna de Scarlatti Domenico (o  mesmo músico citado no  Memorial do Convento, de Saramago)- e ela, pacientemente o introduziu ao universo musical debaixo das laranjeiras, então em um 9 de novembro

 "o ar era puro e o céu alto, e sem nuvens, quando um relâmpago os cegou, um estampido sísmico os fez estremecer e dona Olalla caiu fulminada pela centelha.
A cidade estupefata interpretou a tragédia como a deflagração da cólera divina por alguma falta inconfessável. O marquês encomendou um enterro de rainha, no qual se mostrou pela primeira vez com tafetás negros e a cor macilenta que havia de carregar consigo para sempre. Ao voltar do cemitério, foi surpreendido por uma  nevada de gaivotas de papel sobre as laranjeiras. Apanhou uma ao acaso e, desfazendo-a, leu: 'Esse raio era meu'." (58-9)

Gabriel Garcia Marquez. Do amor e outros Demônios. 8a. ed. RJ: Record,  1995.

O Amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Márquez


Gosto de Cem anos de solidão, claro, mas nunca pude negar que meu favorito sempre foi o livro O Amor nos tempos do cólera... muito porque concordo com o que diz Alexandre Martins, na orelha do livro:

"Acima de tudo, está uma belíssima história de amor, daquelas pontuadas por cartas perfumadas, pétalas de flores prensadas entre as folhas. A história do breve encontro entre Florentino Ariza e Fermina Daza, interrompido pelo casamento de Fermina e Juvenal Urbino, o ilustre médico que conseguiu vencer a epidemia de cólera. A história do amor obstinado de Florentino que espera Fermina por mais de 50 anos e se declara a ela no velório do marido.Meio século sozinho, sem deixar de pensar na amada um único instante.

'O Amor nos tempos do cólera' não é apenas uma simples história, mas um grande tratado nunca escrito por Florentino Ariza, que guardava em três mil modelos de cartas para namorados, nos quais estavam todas as possibilidades do amor. O amor apaixonado da adolescência, o amor conjugal, o clandestino, o tímido, o amor sexual ou libertino. O tédio do amor, suas lutas, esquecimentos, metamorfoses, suas deslealdades e doenças, triunfos, angústias e prazeres. O amor por carta, o despertar desse amor, próximo ou distante, o amor louco. O amor de meio século, que encontra os amantes septuagenários se tocando pela primeira vez. O amor que se guarda e espera, enfim, sua realização."

Por essas e por outras coisas que (re)li mil vezes este livro, que só agora fiquei sabendo que também era o favorito do Gabo, e nunca nem pensei em assistir ao filme ...estamos falando de amor, de cartas, de romance, essas coisas tão antiquadas, mas insubstituíveis