“Ujine imagina que, em toda
aquela cidade, talvez exista alguém que pense nela. Samuel, do tamanho de uma
ameba, do tamanho de uma cabeça de alfinete. Se ela o chamasse, se gritasse seu
nome, será que ele escutaria? Se pensasse nele intensamente , comprimindo as
têmporas nas mãos, será que ele se mexeria na cama, durante o sono, e olharia
na direção do horizonte? Ele a veria nos seus sonhos?
De repente, a uma pontada no
epigástrico, ela se dobra ao meio. Não
contava com isso agora, a lembrança chega com violência, domina-a, sufoca-a.
Gemendo um pouco, ela sente lágrimas subindo de todo o seu corpo para
transbordar em suas pálpebras e escorrer para a boca. Com Samuel, ela está
naquela estrada que serpenteia na bruma ao longo do mar do Norte, atravessando
as colinas de eulálias. Lembra que nem sabia esse nome, chamava aquilo de
capim, e Samuel tinha explicado, dando até mesmo o nome latino , que era planta
do Japão ou da China. Um nome tão delicado, eulália, ela achou lindo. Samuel
parou o carro numa clareira, no final da estradinha de terra. Juntos, através
do para-brisa crivado de gotinhas, os dois espiam os retalhos de bruma a
rodopiar entre as plantas. A luz do dia que amanhece pincela o céu de um brilho
intenso, multiplicado pelas gotas de orvalho.Os talos altos, leves, flexíveis,
estão imóveis e exultam. Não há barulho ao redor. Ujine, ouvindo a vibração do
coração, encosta o ouvido no peito de Samuel para escutar o ritmo que está na
mesma cadência, uma batida breve, outra mais longa... É um momento de felicidade
que ela acredita jamais ter acontecido antes. Pensa em tantos anos de solidão,
na morte da mãe no hospital, na angústia de te de trabalhar, ter de encontrar
um lugar no mundo. Ela não fala nada, ele também fica calado, ela sabe que o
ama e que é amada por ele, está certa disso, quele instante, fora do mundo,
fora do tempo, nada jamais poderá apagar.”