domingo, 27 de fevereiro de 2022

Samba do Sol nas Caldeiras, dois anos depois

 


É verdade que não aguentava mais o cárcere, dois anos sem carnaval, vendo algumas festas privadas e sambas acontecendo faz tempo, com comprovante de vacinação e público reduzido, eu não me sentia a vontade de ir. Até que soube que ia ter Samba do Sol na Casa das Caldeiras, meu rolê favorito, ver. Comprei o ingresso no primeiro lote. Mas sofri tanto para saber se ia ou não ia, no final fui. E não me arrependo!
Claro que eu sei que a Pandemia não acabou, então fui de máscara 😷 e álcool em gel a tiracolo, tentando evitar aglomeração, mas ninguém imagina a emoção de entrar ali de novo. Um retorno à casa.
A mesma casa onde só fui feliz, mas que agora tá mudada, como tudo após Pandemia.
Mas pelo menos, voltamos.
Quando sai, comentei 

E também

Ficaram algumas fotos

Foto no banheiro
com a camiseta do ano de 2022: Elza vive

beijo de máscara

Com DJ Tahira


Foto clássica Callicoure

Quando entrei, super vazio

Reencontrando amigos : Tati

Reencontrando amigos :Andressa e Renatinho
professor Renato


Teve Pizza, mas faltou Elaine

Você está no Samba do Sol

Natália Nagê: Diva


Por último: alguns comentários





sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

O lirismo áspero dos contos de "O sêmen do rinoceronte branco", de Cinthia Kriemier

 

Quando recebi, de presente, junto com "Nem sinal de asas"

Ganhei de presente e como é bem breve, achei que dava para ler ainda em fevereiro, depois do arrebatador "Nem sinal de asas". E assim foi. Comecei a leitura no dia 13 de fevereiro, como expliquei na postagem:
                                                                   *

Pois bem, foi mesmo assim. Não compraria esse livro, não por nada, mas por dois motivos transversais: primeiro é porque tô na fase de optar por textos mais longos, mas confesso que foi um deleite experimentar a escrita de Cinthia. Percebe-se logo de cara que se trata de uma escritora de talento, algo que eu gosto muito. Mas o segundo motivo são suas temáticas que não costumam me atrair tanto. Na obra fala-se muito em morte, violência, alcoolismo, intolerância religiosa, família, amor, suicídio, etc. Mas tem algum problema nisso? Para mim não muito, o que importa é a forma como a autora desenvolve essas temáticas, se ela lamber a polpa da fruta literária, que é a palavra, me ganha. E Cinthia faz isso muitas vezes. Talvez menos do que eu gostaria, talvez menos do que eu tenha percebido. Talvez.
O fato é que, em geral, achei que, apesar do aprimoramento literário do texto, para o meu gosto o pé da escrita de Cinthia está muito fincado na realidade, mais do que na ficção. Isso pode ser impressão,mas de qualquer forma me incomoda um pouco.
Mas são contos poéticos e muito relevantes, todos eles.
Embora todos sejam grandes contos, dos 27, destaquei 7 que mais gostei :

O primeiro é o belíssimo MESA POSTA , que conta a  história de um narrador que, tendo perdido pessoas muito queridas, delas sente saudades e monta uma mesa para jantar com seus mortos favoritos, dos quais cuidou  até o último momento :seu avô, sua avó e sua mãe. É extremamente tocante a forma como a autora descreve o conflito entre memória e  saudade:

"Falta é coisa que a gente sente o tempo todo.
Amanhã, eu compro pratos novos. Hoje a mesa já está pronta. Quatro pratos, quatro garfos, quatro facas, quatro copos desempoeirados. Coloquei os remédios de cada um ao lado dos pratos. Ajustei a cadeira de rodas. Comprei couve fresca. Um vinho tinto para fazer um brinde. E uma caixa de pirulitos para a minha alma arranhada." (p.54)

 Depois ASSIMum texto triste, sobre alguém que, cansado das amarguras da vida, decide que o melhor seria acabar com ela. Mas não de qualquer forma, era preciso algum sentimento , nem que fosse apenas nos últimos momentos:

  "Eu podia pagar a um estranho. A um pistoleiro (é assim que se diz?),  a um sádico , a um psicopata. Não quis. Não quero. Preciso de afeto na morte. De pessoalidade. (...) Anda. Põe logo as mãos no meu pescoço. Isso. Assim. Olha pra mim. Olha, porra! Eu  preciso dessas lágrimas. De afeto. De personalidade. Aperta bem. Assim. Assim. Ass..." (p.58)

Outra joia literária é MEMÓRIA DE UMA BICICLETA COM CAIXA, que é na verdade a memória paterna, com "cheiro de pai que foi saudade a vida inteira"(p.71), que é lindamente em trechos assim: 

 "Funileiro. Era assim queria ser chamado. Encomendou pra mim a pintura das letras. Pra mim. Naquele dia, no degrau da porta. Não dava conta de ler nem escrever, mas queria atrair freguesia. Comprou  tinta vermelha. E eu pintei aquele nome esquisito.
A cada vez que os anos me trazem à memória a imagem da bicicleta com caixa, o erro de escrita me vem à mente: Funilero. Acho que pai nunca soube. E a clientela também não era lá essas coisas com as palavras.
Mas pai nunca soube, mesmo de muita coisa. (...) Nunca soube do que um momento de escolhas faz com o depois." (p.73)

 Adiante eu gostei de CADERNO DE MORTES, outro conto que traz a morte como protagonista, quando o narrador elenca os corpos mortos que viu durante a vida, desde a infância, e conclui

"Fico pensando se na minha morte eu também vou chorar. É possível. Eu costumo chorar por estranhos."(p.89)

Como a coletânea de contos aborda muito frequentemente situações da vida feminina, outro momento belo está em AS TRÊS MARIAS, um conto sobre a má influência de um homem, marido e pai, na vida das mulheres da sua família, que começa assim:

"A manhã já vai a meio. Mas tudo é silêncio. Cândida, Maria Inês, Maria Eulália, Maria Regina estão entregues à mudez. E às lembranças. E ao trabalho. A lida doméstica não pode parar. Tudo precisa estar pronto para o velório que começa em pouco tempo. Não há lugar para sons. O homem na sala de jantar, afundado no caixão de madeira entalhada, merece todos os silêncios. José da Anunciação Santos Martins. Marido. Pai.Que em vida arrancou de cada uma delas todas as palavras."(p.94)

 É costume acontecer e, nessa obra acontece, que  o melhor está guardado para o final, onde estão os  contos que, para mim,  são os mais bonitos do livro, com as palavras melhor trabalhadas em curtas histórias.
Em DIFERENÇA, nos surpreendemos com uma voz narrativa masculina, narrando sobre sua história afetiva e sexual, até que um dia, em uma LIVRARIA,  encontra a mulher de sua vida, a que faz a diferença, mas que depois ficamos sabendo que nem sempre o vê com a marca da diferença. Leiamos um trecho:

"Fez fama de bom amante. Por meio dessa rede de informações invisível que as mulheres mantêm entre si. Foi quando esbarrou em Maria Eduarda numa livraria. Ambos disputando o último exemplar de um livro que, ao final de um cappuccino e de uma conversa animada, já não poderia dizer a quem pertenceria, ou se pertenceria.
Em um mês, só havia ela. Em um mês, faziam na cama o que nunca havia feito. Um tipo de química assustadora que ia além de pele e pelos e fluidos. Um arrebatamento sem nome que os isolava numa realidade só deles. (p.102)

 Em BALANÇO, conto que achei o mais poético, continuamos a lidar com memórias sentimentais :

"Me ensinaram a chamar de alma esse lugar que dói.(...) Me ensinaram  tantas coisas. Que chorar é na cama. Ou no banheiro. Eu choro embaixo do chuveiro. Mas ele chora melhor que eu. Sem soluço. Sem nariz vermelho. Sem inchar as pálpebras. Sem pudor. Chora. Em mim. Comigo. Por mim. E em nossa pororoca desconexa, são dele as águas doces que me dessalgam as margens. Ele chora livramentos. Eu, constrangimentos, ridículos, desatenções, afetos ignorados, amores que morreram, amores que viveram para ser de outros amores. Até que nos calamos juntos. Exaustos. Enfim, uádis (refere-se a leito seco de rio)." (p. 113) (...) Talvez não tivessem me dito que o amor não vem para todos, Que o amor não faz parte de algumas bulas e cardápios. Que o amor não está entre  os bálsamos disfarçados  nem entre os pequenos alívios.
Talvez se tivessem me ensinado a não sentir." (p. 115) 

Ao falar Cinthia Kriemier estamos falando de uma grande escritora brasileira contemporânea, quando a lemos,  nos dá orgulho. Não apenas porque  já foi indicada a grandes prêmios literários, como o "Oceanos", mas especialmente porque  é muito  comentada nos círculos de  discussão da literatura contemporânea, percebo isso ao acompanhar canais literários no Youtube como o "Primeira Prateleira", onde ela é sempre citada com carinho e admiração, inclusive por outros autores. Só tenho a agradecer a Patuá a oportunidade de conhecê-la.


 


 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Primeira resenha do meu livro no jornal

 



A primeira resenha do meu livro "Escrevendo a lápis de cor: Infância e História na escritura de Guimarães Rosa" foi publicada no Jornal da USP. Escrita por Leila Kiyomura, com uma sensibilidade ímpar, eu e Guimarães Rosa nos sentimos lisonjeados.

Mais que uma resenha, é praticamente uma  matéria sobre Rosa e o trabalho que eu fiz e você pode acessar nesse link Quando o mais erudito e popular escritor brasileiro é o menino Joãozito

Fiquei muito feliz, que venham outras leituras, Rosa merece!


domingo, 20 de fevereiro de 2022

Passei pela primeira vez na pandemia

 

                                             
PELA PRIMEIRA VEZ - Que me lembre, hoje foi a primeira vez que tive que apresentar minha carteira de vacinação com 3 doses para entrar no SESC Pompéia. Tudo bem que eu queria ter visto a exposição do Sebastião Salgado, que pelo jeito está bem atraente, mas achei muito cheia, fila quilométrica, não quis ficar, quem sabe volto em algum dia de semana, mas só de ter saído, ido a um lugar que eu amo, foi um grande passo. E ainda no começo para eu voltar ao normal! Obrigada a Deus e aos orixás que me guardaram e deram coragem, especialmente mãe Oxum, pai Oxóssi e mãe Iemanjá!
🙏🏾

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Feminino de anjo é Anja: Nem sinal de asas, de Marcela Dantés

Capa de Leonardo Loft, 
Com indicações de prêmios



Como um ponto de partida para explorar a que pé anda a literatura contemporânea, gosto de explorar,  um pouco, a lista de romances indicados ao Jabuti, nem todos os livros me interessam, tem os que eu já li, tem os que gostaria de ler, mas sempre vou dar uma olhadinha nas resenhas deles, eles podem me abrir para outras publicações, é bem interessante. No caso da lista de 2021, só tinha lido , e amado, o maravilhoso "O avesso da pele", que acabou vencendo a competição, dos outros, apenas "Nem sinal de asas" me interessou. Portanto, eu quis muito ler essa ficção desde o ano passado, mas tinha longas leituras sobre figuras femininas em curso (biografia da Elza  e Tereza Batista cansada de guerra),ele entrou para a lista de 2022 e não me arrependi mesmo. 
Foi especial desde quando o  comprei na loja da Editora Patuá, e sabia que ele ia demorar para chegar, mas estava imersa na heroína do Jorge Amado, não teve problema, o mais importante foi que  aproveitei a promoção do dia do leitor, ganhei de presente o livro de contos "O sêmen do rinoceronte branco", de Cintia Kriemler, outro livro e a compra possibilitou que um livro fosse doado a uma biblioteca pública, muito bom !
O romance e os contos 

IMPRESSÕES DE LEITURA 

Foi uma leitura rápida, mas bastante registrada em postagens nas redes sociais, em pelo menos quatro  momentos , começando com primeiras impressões no dia 1 de fevereiro:
 

Dias depois, um recorte imagético do romance e meu interesse por outras linguagens no romance :

Dias depois, já ambientada com o contexto soturno da história de Anja, até me emocionei com o romance:
Enfim, o baque  da proximidade do fim do romance e o contato com as questões que ele aborda, numa postagem sofrida:

Me trouxe tão forte sensações de Torto Arado. Dureza.

                                                    

INTERPRETAÇÕES E IDENTIFICAÇÕES: 

DULCE : Contando a história de Anja, filha de um Francisco, um homem negro que morre na infância da menina, e Dulce, uma mãe branca amorosa e difícil, com quem ela convive até a morte, que no romance parece ser sempre um ponto de questionamentos. Dulce ama a filha, depende dela (física e emocionalmente), mas nunca a aceitou como era. Nunca aceitou sua negritude. Quando bebê, tentou clarear a pele da menina, queimando sua pele com suco de limão e expondo-a ao sol, causando feridas rosadas no corpo todo, marcando-a para sempre como a preta manchada, como "rosas cálidas", e gerando culpa infinita pelo que fez com sua filha. Quanta dor! Mas também os "cabelos de Anja", crespos e negros eram para Dulce uma afronta, como percebemos nesse belo e terrível  trecho lido . A minha sorte é que, não sei como, acabei construindo uma opinião própria sobre mim mesma, que pode passar como arrogância, mas eu gosto de mim, mesmo tendo ouvindo o contrário, toda a vida. Na leitura do romance, devo pontuar que Marcela Dantés até usa de um humor cinza em alguns momentos, mas não consegui rir muito, mesmo sabendo que é , é possível enfraquecer a importância desses ataques, transformar em piada, que se minha existência ofende alguns,  sempre tem quem vai gostar de mim, mas até ter força para ressignificar isso o tempo, é preciso bastante tempo de prática. Uma coisa que cansa e muito.

A SOLIDÃO: Para uma mulher preta, convivendo toda vida com a inadequação, é claro que o tema solidão pontua toda a vida. Como já comentei, Anja é uma personagem ficcional, então na sua história permite-se alguns exageros. Anja não gosta de gente, não gosta dela mesma, na trama percebemos como seu isolamento social é detalhadamente construído durante a vida toda, a menina preta de cabelos crespos; a menina com manchas que não frequentou a escola na infância como todas as crianças, porque tinha que  esconder o que ela era do resto do mundo para não ofendê-lo. Ninguém é obrigado a olhar a cara da rejeição o tempo todo, entendo tanto as tentativas de Anja de se isolar, o medo do abandono, a dúvida sobre se ela merece contato, como as outras pessoas. Deu certo. Ela simplesmente foi esquecida, em vida e depois de morta. Como eu? Muito triste isso. Se comecei achando a leitura de boa, confesso que fiquei bem mal quando cheguei no final do romance, me sentindo menos que nada, talvez como Anja tenha se sentido na vida e na morte. Tenso.

A MORTE : Para quem vive uma vida assim como a de Anja, a morte sempre foi uma saída, cansativo é viver. Eu sei disso porque eu sempre dizia que ia viver até os quarenta anos (não aguentaria mais do que isso) , estou resistindo à previsão. Mas muito porque eu tentei demais pertencer ao grupo VIDA,  dei muitas bananas para a morte, mesmo que isso me causasse exaustão. Na pandemia, especialmente, o cansaço veio de forma física e emocional, ai voltei ao contato com pessoas na academia (diferentes de mim, mas de quem eu posso gostar, e elas também podem gostar de mim, essas sutilezas que oxigenam a vida, mas que Anja não viveu). Não quero a morte, não quero me acostumar com o cheiro de morte na vida, por isso reajo, reajo o quanto posso. 

Enfim, não consigo mais escrever sobre esse livro, mas aos corajosos (especialmente às corajosas) , recomendo demais esse grande livro de Marcela Dantés,

sábado, 12 de fevereiro de 2022

"Vou rifar meu coração" (2011), dir Ana Rieper


 Por indicação de um grande amigo, assisti ao documentário  Eu vou rifar meu coração, de Ana Rieper e adorei! 

É tão verdadeiro, coloca questões tão importantes: na hora que dói o coração, todo mundo sofre, seja rico ou seja pobre. Quem discrimina, fica separando MPB de brega está apostando no preconceito, seria uma bobagem, se não fosse um absurdo.

Ouvindo os depoimentos de pessoas "normais",  casados infiéis, amantes, gays, travestis, ciumentos, etc... ninguém escapa dessa!

Tem frases impagáveis:

"Você chama de música brega, mas pense se não é tudinho a vida da gente "

"Uma pessoa quando tá apaixonada, ela fica ridícula."

" Como você falou de música brega. Tem umas músicas brega que passam, tem umas da peste que é igualzinho a vida da gente
E é qual?
Pra mim? São todas! Porque é cada uma diferente da outra e cada uma toca num ponto fravo meu, eu acabo de me matar"

"O amor não é um encontro de orgasmos, é um encontro de almas" 

"Homem é pra gente gostar só na hora da transa (...) Eu li num livro que a paixão é a coisa mais brega do mundo, consome o ser humano!" 

"Seu eu fosse rica ei queria tomar um bom vinho na frente de uma lareira, beijando gostoso na boca, e fazendo tudo que Deus permitisse que eu fizesse e muito mais, porque o beijo bom é aquele beijo gostoso, com gosto de vinho, com gostinho de cigarro, com gostinho de lareira, ai como é bom. E a gente beija em cima e acende embaixo, isso é tudo de bom. Ontem a noite passei a noite todinha fazendo isso, só faltou a lareira"  


Eu, que adoro esse tipo de música, sei que vou ficar revendo toda hora, mesmo que for só para ouvir a trilha sonora!  Recomendo demais esse filme! 



sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Semana de 1922: cem anos depois

 



Caixa comemorativa do Modernismo


Interior da caixa

                              

"... A única arte excelente - a que fixa a realidade em função transcendental."
(Oswald de Andrade
❤️
"Escolas e ideias", 1922)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Lendo as "notas para uma definição de leitor ideal", de Alberto Mangel

"Notas para uma definição do leitor ideal"
Alberto Manguel

Presente de aniversário que ainda não tinha parado pra ler. A ideia nunca foi ler de cabo a rabo, mas uma nota por vez, eventualmente, em meio a outras leituras. Hoje comecei pela última nota, com o mesmo título do livro, e que na verdade é um esquema comentado sobre leitores e leituras, dentre as páginas 163 e 166.
Tem pontos que me identifiquei muito como "escrever às margens é marca de um leitor ideal". Claro! Acrescento: marginalias são a memória de uma leitura concluída, quantas vezes achei que nem tinha lido o livro, mas ele está todo marcado e a lembrança floresce, pois estava capsulada em algum lugar. Ainda sobre esse ponto, a nota :"leitores ideais mudam com os anos...a experiência embaça o brilho de certas coisas". Ou não. Li Guimarães Rosa muito nova, me apaixonei pelo som, e ele nunca deixou de brilhar para mim, mesmo que minha leitura tenha se modificado drasticamente.
Dentre as notas, tem as com as quais não me identifico, como "o leitor ideal é alguém com quem o autor gostaria de varar a noite bebendo vinho". Cada vez mais acho que os autores me odeiam como leitora, mesmo com os que eu amo e admiro, acho que  há sempre uma tensão forte, às vezes fujo dos autores, talvez porque "o leitor ideal é (ou parece ser) mais inteligente que o autor e não joga isso na sua cara" . Especialmente porque sou o tipo de leitora que " não acompanha a história: participo dela" (sem isso não tem como), porque eu sou a leitora que "sabe escutar", mas também coloco minha voz,  recrio junto com o autor o tempo todo, é uma disputa de poder, ou por quem vai gozar mais. Adoro. Sendo assim, sou o tipo de leitora que "é o personagem principal do romance" e que  é "capaz de se apaixonar  apaixonar por pelo menos um  personagem do livro" , Mas o fato é que se "o leitor ideal é, para um livro, a promessa da ressurreição", mantenho as obras comigo, mesmo as que eu não gostei.  em outro momento, quando serei outra, o livro também não será o mesmo e minha avaliação pode mudar. Adoro isso.
Mais do que o livro ou o autor, importante mesmo é o leitor, que dá vida e recria constantemente a obra de arte. Acredito muito nisso.❤️



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

PAZER DO TEXTO, ESCRITURAS, HISTÓRIA COM ROLAND BARTHES E GUIMARÃES ROSA


BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg.
5a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.

Na faculdade falavam (em tom de chacota) em "masturbação com o texto". Mas eu acho que é isso aí. Meu prazer é COM O TEXTO. Por isso o filme nunca é melhor que o livro, etc... Se o texto não for GOSTOSO, pra que deflorá-lo?

O prazer vem da ESCRITURA

Não foi ocasional eu ter falado da ESCRITURA de Guimarães Rosa no subtítulo do meu livro sobre Guimarães Rosa, eu já tinha lido Barthes.

livrinho delicioso 

Em "O grau zero da escritura"[escrito em 1953], Barthes defende :

"Não é dado ao escritor escolher sua escritura numa espécie de arsenal intemporal das formas literárias . É sob a pressão da História e da Tradição que se estabelecem as escrituras possíveis de um determinado escritor : Existe uma História da Escritura; mas essa História é dupla: no exato momento em que a História geral propõe - ou se impõe - uma nova problemática da linguagem literária , a escritura continua ainda cheia da lembrança de seus usos anteriores, porque linguagem nunca é inocente: as palavras têm uma memória segunda que se prolonga misteriosamente em meio às significações novas. A escritura é precisamente esse compromisso entre uma liberdade e uma lembrança; é essa LIBERDADE LEMBRANTE que só é liberdade no gesto da escolha, mas já não é mais na sua duração. " (BARTHES, Roland. O grau zero da escritura. Trad. Anne Arnichand e Álvaro Lorencini. 3a. ed. São Paulo: Cultrix, 1972. p.125)

Lembrando que Guimarães Rosa publicou seus mais afamados volumes na década de 1950.faz todo o sentido que ele estivesse respirando desse oxigênio mental. Não seria a sua escritura (escorada no método de fazer a palavra voltar a significar como era quando nasceu) fruto desse contexto PROFUDAMENTE HISTÓRICO?
É sobre isso que eu pesquisei mais de uma década, é sobre isso que trato no meu livro sobre Guimarães Rosa.