sábado, 17 de agosto de 2019

Lendo "Dois Irmãos", de Milton Hatoum

capa

Li este romance e foi muito libertador para mim, porque ele é excelente e abordou vários temas dos quais eu fugiria o quanto pudesse. No decorrer da leitura, fui escrevendo breves comentários que colo aqui.

No primeiro, em 19 de julho de 2019, minha relação com a obra:

"DOIS IRMÃOS - Sempre tive muita vontade de ler esse romance de Milton Hatoum, mas fui sempre adiando por causa do pavor de ter que enfrentar a figura da personagem Nael, que poderia ser " meu igual nesse mundo mau". Quando assisti a minissérie na Globo ver que Nael e seus silêncios era interpretado justo pelo meu querido de "Tatuagem" Irandir Santos foi devastador e eu achei que estava de bom tamanho para mim. Mas nos últimos meses venho mexendo de vez na ferida da identidade e sofrendo muito por isso, me deu vontade de encarar o texto de vez. Alguém leu e recomenda? Alguém tem alguma boia para me salvar do afogamento inevitável?"
 Em 29 de julho, me deliciando na escrita de Hatoum:

"QUAL A RELAÇÃO ENTRE A MANEIRA DE NARRAR E AMAR? - Nael, narrador do livro 'Dois irmãos', comenta sobre Halim, o pai dos gêmeos, o que lhe contava causos da vida: "Halim tragou, expeliu a fumaça pelas narinas, tossiu ruidosamente. De novo, silenciou, e dessa vez eu não soube se era esquecimento ou pausa para meditar. ELE Era assim: não tinha pressa para nada, nem para falar. Devia amar sem ânsia, aos bicadinhos, como quem sabe saborear uma delícia." P.43."
Em 1 de agosto, eu já me declarava apaixonada pelo autor:
"SOBRE MILTON HATOUM : Como já perceberam, tô amando a escrita de Hatoum, deliciosa forma de lidar com as palavras, um gosto de amêndoas, tão oriental (tipo Jorge Ben, alguma estrela que é do oriente) e não consigo largar o livro "Dois irmãos", que mais breve do que gostaria, devo acabar de ler. Já vou querer mais. Como Rosa, que também esmerava nos detalhes, ele tem poucos romances publicados. Poderia perguntar qual será que devo ler agora? Mas acho que tenho a resposta: "Relato de um Certo Oriente", considerado por muitos o melhor romance dele, me atrai demais. Mas se alguém leu mais algum, me fala o que achou de "Cinzas do Norte","Orfãos do Eldorado" ou o novo "A Noite da Espera"." 

Depois, em  agosto, eu já experimentando interpretações:
(Na foto Manaus, urbana, que se apresenta
como um dos múltiplos cenário do romance)

SENSAÇÕES MANAUARAS DE HATOUM - Ainda não posso falar de modo geral de obra de Milton Hatoum porque só conheço “Dois irmãos”, mas esse romance, como poucos, me levam a pensar na importância literária da sinestesia . Já que ali são tratados relatos de memórias, densos tempos compactados, esses estímulos sensoriais me parecem sustentar a narrativa. O romance é bastante carnal, além de Zana e Halim, que passaram a vida se tocando nas redes, também os corpos dos gêmeos são sempre desejados para serem vistos, cheirados, TOCADOS. Além da importância dada pelo narrador da história aos modos de narrar as memórias que OUVIU das outras personagens, para os quais as recordações mais profundas poderiam brotar de estímulos VISUAIS, como as paisagens da infância de Yaqub, o estímulo mais forte, que me chega indiretamente é o paladar: além do texto ter SABOR de amêndoas, das especiarias, dos peixes com diversos molhos tradicionais, um verdadeiro banquete de cheio de temperos indígenas e árabes. Isso sem falar das bebidas... todas as conhecidas das boemias do caçula Omar, o uísque caramelo inglês contrabandeado e até algumas que não conheço o gosto, mas só posso imaginar o sabor, como o árabe arak. Ontem, na leitura, apareceu um odor que me abriu uma nova forma de estar no romance: o perfume do néctar de Copabaíba, que é um óleo cheiroso que adoro usar sem economia na pele durante o inverno. Tradições manauaras que, salpicadas de árabes,  tornam o livro uma bela peça azul Royal, com tons caju, não sairá mais da minha memória! 
E sobre  as personagens :
"Assim como os personagens gêmeos de Dois Irmãos são analogias dos rios Negro e Amazonas,a personagem Pau Mulata é analogia do vegetal de mesmo nome que nasce na várzea do Rio Negro. A descrição da "mulata" é uma das mais impactantes do romance. "


E enfim, acabei de ler, fiquei chocada, ainda estou  :
Rio Negro não se mistura ao Rio Amazonas


Acabo de terminar de ler "Dois Irmãos". 
Há coisas que nunca se misturam. Há filhos de ninguém.
Há filhos da casa.
Há.
Que delicia ler um livro assim. Quero mais!