sexta-feira, 11 de novembro de 2011

FIM DE PAPO

FIM DE PAPO



É curioso, Adulto, quando acaba de ler um de meus livros com histórias de criança, nunca deixa de comentar:
- Pois é. Mas o meu Serginho diz coisas muito bacanas,também!
Que dúvida! Diz mesmo.
E, ainda com um sorriso de pai realizado, começa a tentar recordar ‘aquela’ que o menino havia soltado outro dia. Quem disse que...? Nada.
E o mais incrível é que, na hora em que o garoto tinha soltado aquela todos eram capazes de jurar que jamais esqueceriam. Todos esqueceram.
E sabem por quê?
É que o humor infantil, o que a criança diz, tem características tão próprias, tão originais, tão suas, que os referenciais do adulto não conseguem fixar com facilidade.
Essa originalidade faz com que o diálogo de adulto e criança mixe tantas vezes. Falam línguas diferentes. O grandalhão do pai quer dialogar dentro de seu próprio repertório, supondo que o do filho é muito inferior. Não é exatamente isso. É diferente. E o mais pitoresco e, por vezes, doloroso até, é que, ao deparar com a dificuldade de se comunicar, seria lógico que o adulto tentasse aprender a fala com seu filho. Sim, senhores. Aprender a falar com o filho.
É que as palavras, as mesmas palavras, significam coisas diferentes para um e para outro. A dose de imaginação não expressa, o turbilhão de fantasia não verbalizada fazem com que duas crianças pequeninas possam se comunicar bem melhor entre elas do que cada qual com seu respectivo pai.
- Que diabo de conversa sem-fim têm esses pirralhos! – explodem os pais.
É que aqueles seres pequeninos parecem ter uma infinidade de segredinhos, de particulares, de confidências e mistérios. Se compreendem mais pelo implícito do que pelo proferido. E o proferido é, quase sempre, o proferido.
Quando aquela coisinha ouviu o protesto de que o açúcar ia estragar os dentes, soltou de imediato:
-Adulto não entende nada de bala!
Quando estamos lidando com amostras de gente que é incapaz, aparentemente, de se comunicar através da palavra, é necessário, mais do que nunca, um voto de confiança e deixar que se expresse de qualquer forma, à sua maneira. E, quando se tem coração de entender criança, não é preciso ser nenhum decifrador de charadas para captar o que ela quer ou sente.
Criança é isso aí, gente! Muita vez quem não sabe falar é o pai, que fala pelos cotovelos, logorreico, verborrágico e não a criança que não abriu a boca nem pra beber água.
O melhor diálogo inicial com uma criança pode ser, simplesmente, pescar a seu lado, silenciosamente, ou passar uma bola para que ela chute em gol.
O diabo é que adulto é danado pra cometer falta máxima. É doutor em pênalti.
Não, meu caro. Acho que ninguém é culpadode cometer erros. Em tese ninguém deveria merecer um cartão vermelho. Em tese, porque a desinformação, nesta era do silicone, também é pecado. Ou não é?”
(Pedro Bloch. Criança é isso aí. Rio de Janeiro: Bloch, 1980. Pp.111-12 )