sexta-feira, 26 de maio de 2023

Jeferson Tenório escreve sobre o caso Vini Jr: Escrita da História pós-colinial

 


Punho fechado: dos Panteras Negras ao esporte atual, símbolo antiracista 


No final de maio de 2023 o futebolista negro Vinícius Junior (22), conhecido como Vini Jr, que atualmente joga pelo Real Madrid e pela Seleção Brasileira, foi vítima de racismo na Europa ao ser chamado de macaco, e o mais impressionante, ter um boneco seu pendurado pelo pescoço, após atuação no jogo Valencia x Real Madrid. uma cena lamentável
A imagem de um boneco negro pendurado pelo pescoço
incita o reavivamento de um ódio racial de séculos

Com a pouca ou nenhuma reação imediata de seu time ou mesmo de La Liga, responsável pelo futebol espanhol, foi o próprio Vini Jr quem tomou para si a responsabilidade de reagir, em pronunciamento lúcido, corajoso  e impactante:



Dolorido demais. Porém fundamentais essas falas de Vini. Sobre isso tratou a coluna de 23 de maio de 2023 de nosso expoente escritor negro Jeferson Tenório no portal UOL, que ficou restrita aos assinantes, mas com paciência consegui ter aceso e transcrevo aqui na íntegra:



Caso Vini Jr. já é um marco  histórico na luta antiracista global (Jeferson Tenório colunista UOL em 23/05/2023 11h24)

"Assim como Rosa Parks, ativista negra que, em 1955, no Alabama (EUA), se recusou a ceder um lugar no ônibus para uma pessoa branca, ou ainda quando Martin Luther King liderou um movimento para que os negros pudessem entrar numa piscina num hotel  em 1965, a atitude do jogador Vinicius Jr. diante de torcedores racistas deve ser encarada como mais um desses marcos históricos que pontuam um posicionamento importante na luta contra o racismo.

Encarar esse episódio como um marco nos  ajuda a ter uma dimensão histórica, lucida e complexa da recorrência do racismo. Após toda a reação global, que extrapolou o  ambiente futebolístico e ganhou, com isso, contornos diplomáticos, a Europa tem agora uma grande oportunidade para se pensar e se reconhecer como racista. É dolorido olhar para as próprias feridas colonialistas, mas necessário e urgente. Sem essa reflexão profunda, não sairemos de punições individuais, que são importantes, mas não atacam o problema em sua essência.

O avanço da extrema-direita na Europa não pode servir como desculpa para que nada seja feito ou para encarar a violência racial apenas como crime de ódio. A naturalização do racismo é um dos instrumentos de sobrevivência do próprio racismo. A banalidade do mal, como diria a filósofa Hannah Arendt, não consiste em pensar a maldade como algo banal, mas como um projeto social que faz a maldade se passar por algo banal. Como algo sem importância, comezinho e corriqueiro. Nesse sentido, a estrutura do futebol parece ser um espaço próprio para isso, como se torcer pudesse estar acima de tudo. Um lugar para extravasar as paixões. Um lugar onde um xingamento racista pode ser minimizado, pois, num estádio, no calor da hora, tudo é permitido, como se a lei, ali dentro, perdesse toda a autoridade.

O caso de Vini Jr. é feito de eventos absurdos. O presidente da liga espanhola acusa Vini Jr. de manchar a imagem do Real Madrid. Em outras palavras, o que ele está dizendo é o seguinte: olha, se você foi chamado de macaco pelo estádio inteiro, se penduraram um boneco enforcado com o número da sua camisa, fique quieto, sua reclamação pode atrapalhar o nosso campeonato. Este tipo de argumento é a evidência mais cristalina de que a manutenção do racismo é um projeto, fruto de uma ideologia e de uma herança colonialista muito mal resolvida.

As reações a esses episódios racistas de Vinicius Jr. infelizmente não irão acabar com o preconceito, porque não existe bala de prata contra o racismo. Não há um antídoto único, não há um remédio único. Cuidemos para não cairmos nessa armadilha. A questão está para além da punição de torcedores, clubes e ligas. A questão está na sociedade espanhola, está na Europa e em como essas práticas racistas são naturalizadas há séculos."

No excelente texto do professor, escritor e pesquisador de colonização e discursos pós-coloniais,  Jeferson Tenório vemos pontuados marcos históricos, simbólicos e atuantes que, em resumo, indicam uma narrativa da História do povo negro esboçada por eles mesmos, em suas ações e reações a fenômenos que lhes tocam, como racismo e discriminação. Na fala de Tenório identificamos a expressão de um intelectual negro do nosso tempo, com um grande conhecimento sobre questões da vida do povo preto e também de todo um ideário a ele relacionado. 

Teoricamente, para o historiador, trata-se de uma pequena joia, apontando caminhos para que os historiadores problematizem questões desafiadores para a escrita da História na passagem do século XX para o XXI,  e que se apresentam  atuais e apontam narrativas da História pós-coloniais (que nas palavras de Homi Bhabha em "O Local da cultura" (1998), estão  amparadas no pensamento dialético "que não recusem ou neguem a alteridade que constitui o domínio simbólico  das identificações psíquicas e sociais."

Por estas questões e pela qualidade literária de seu textos, eu gostaria de fazer um estudo sobre Jeferson Tenório, que assim como Lima Barreto no inicio do século XX, neste século é um autor brasileiro que me representa em amplos sentidos.  

Em 17 de junho, no amistoso entre Brasil e Guiné a seleção brasileira entrou em campo toda vestida de negro, repudiando o racismo e apoiando o Vini. Uma linda homenagem onde se instaurou a frase
 

Pena que nesse dia especial, houve mais um caso de racismo, porque não há bala de prata contra o racismo