sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Pobre e o proletário

A última gag de Carlitos foi ter feito com que metade do seu prêmio soviético passasse para os cofres do abade Pierre. No fundo, isso equivale a estabelecer uma igualdade entre o proletário e o pobre. Carlitos atribui sempre ao proletário as características do pobre: daí a força humana das suas representações, mas também a sua ambiguidade política, bem visíveis nesse admirável filme Tempos Modernos. Carlitos faz aflorar incessantemente a temática do proletário, mas nunca a assume politicamente. Mostra-nos o proletário ainda cego e mistificado, definido pela natureza imediata das suas necessidades, e a sua alienação total nas mãos dos seus senhores (patrões e policiais). Para Carlitos, o proletário é ainda um homem que tem fome; as representações da fome são sempre épicas em seus filmes : tamanho desmedido dos sanduíches, rios de leite, frutas negligentemente abandonadas após a primeira mordida; ironicamente, a máquina de comer (de essência patronal) fornece apenas alimentos parcelados e visivelmente insípidos. Tolhido pela fome, o homem-Carlitos situa-se sempre como um pouco abaixo da tomada de consciência política : para ele, a greve é uma catástrofe, pois ameaça um homem realmente obcecado pela fome, homem este que só recupera a condição operária no momento em que o pobre e o proletário coincidem sob o olhar (e a pancada) da polícia. Historicamente, Carlitos assume a condição do operário da Restauração, do trabalhador revoltado contra a máquina, desamparado pela greve, fascinado pelo problema do pão (no sentido próprio da palavra), mas ainda incapaz de alcançar o conhecimento das causas políticas e a exigência de uma estratégia coletiva.
Entretanto, é precisamente por Carlitos encarnar uma espécie de proletário bruto, ainda exterior à Revolução, que a sua força representativa é tamanha. Nunca obra alguma socialista conseguiu exprimir a condição humilhada do trabalhador com tanta violência e generosidade. Talvez apenas Brecht tenha entrevisto a necessidade de a arte socialista considerar o homem na véspera da Revolução, isto é, o homem só, ainda cego, no momento em que, pelo excesso ‘natural’ de suas misérias, é iluminado pela luz da Revolução. Mostrando o operário já empenhado no combate consciente, assumido pela Causa e pelo Partido, as obras testemunham uma realidade política necessária, mas sem força estética.
Ora, Carlitos, em conformidade com a ideia de Brecht, ostenta a sua cegueira ao público de tal modo, que este vê simultaneamente o cego e o seu espetáculo; ver alguém, não vendo, é a melhor maneira de ver intensamente o que ele não vê : assim , no que diz respeito a Guignol, são as crianças que o alertam para aquilo que ele finge não ver. Por exemplo, Carlitos, na sua cela, animado pelos guardas, leva a vida ideal do pequeno burguês americano: lê o jornal de pernas cruzadas sob um retrato de Lincoln, mas a própria suficiência adorável da postura desacredita-a completamente, visto que se torna impossível procurar refúgio nela, sem notar a nova alienação que ela contém. As mais frágeis ilusões são desse modo esvaziadas, e o desgraçado está permanentemente sendo afastado de suas tentações. Em suma, é devido a isso que o homem-Carlitos sai sempre vitorioso de qualquer situação : porque ele escapa de tudo, rejeita toda comandita, e, no homem, investe apenas o homem. A sua anarquia. Politicamente discutível, representa artisticamente, talvez, a forma mais eficaz da revolução.”

Barthes, Roland. In Mitologias. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Diefel, 2009.p. 42-3 kkkk

Democratizãção da educação : tentativas!

Li este artigo sobre a Escola Lumiar e gostaria muito que ele desse margem à reflexão e discussão.
Bom, eu fui mestra na Lumiar durante dois anos e não posso negar ter sido uma das melhores experiências didáticas da minha vida, mas as colocações da educadora Maria Madalena Costa Freire também me parecem pertinentes. Digo isso porque acho que as heranças da nossa ditadura em nossas expressões culturais (não só educacionais) ainda existem fortes e julgar qualquer espécie de reação a essas marcas como simples passadismo pode ser uma forma de abafar a discussão do caso. Não acho que essa tenha sido a intenção da educadora, ou pelo menos espero que não.
Não podemos deixar de lembrar que este texto é de HELOÍSA HELVÉCIA, uma
free-lance para a Folha de S.Paulo... aquele mesmo jornal que chamou a ditadura ocorrida no Brasil de DITABRANDA. Esta charge tentou traduzir a perspectiva da Folha sobre esse período da nossa História:
Tudo isso deve ser levado em consideração, ou não?
Mais sobre a Lumiar publicado na Folha pela mesma azeda free lacer leia aqui.Esqueçam a má vontade deste texto, eu fui Mestra em Guimarães Rosa nesta Escola em 2004 e tenho muito orgulho disso. Hoje já não sei se ela mantém esses preceitos, mas espero que mantenha porque aquilo é a mais clara expressão daquilo que Rosa quis dizer quando escreveu que mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende!