Cartaz do filme |
Sem muitos planos para a fria noite de domingo
18 de agosto, fui ao CineSesc assistir
ao nacional “A Serpente”, dirigido por dirigido pelo pernambucano Jura Capela,
lançado em 2017. Como sempre nem li nada sobre o filme antes, só lá mesmo no
cinema soube que é uma adaptação de Nelson
Rodrigues (1912-1980), o que me deixou contente e apreensiva (vai que estragassem
a obra de Nelson). Mas foi uma baita experiência, qu comento abaixo.
A
PEÇA RODRIAGUIANA – Todo brasileiro conhece ou devia saber quem foi Nelson
Rodrigues, que além de outras coisas, talvez tenha sido o nosso maior
dramaturgo, ainda que fosse uma figura que não agradou a todos, mesmo. Eu o
conhecia mais por outras obras, acho que as crônicas futebolísticas dele são
umas joias da literatura nacional. Sobre as peças teatrais e seu fundo sexual e
moralista, conheço muito pouco, e embora tivesse o sonho, nunca assisti uma
encenação de uma, embora tenha lido e analisado o roteiro de “álbum de família”
para um trabalho da faculdade, o que me aproximou um pouco do complexo universo
rodriguiano e das inovações de linguagem que ele se propôs.
A
respeito de “A Serpente” (1978),conta
a história é de duas irmãs, Lígia e
Guida, ambas casadas, que vivem juntas na mesma casa, herdada pelo pai para que
vivessem com seus maridos. Uma delas, Lígia, é casada com Décio que sofre de impotência, o que acaba
decretando a virgindade eterna a sua
esposa, que esconde de todos sua infelicidade conjugal. Por outro lado, Guida
vive uma felicidade sexual real no quarto ao lado, que, na leitura deste artigo é percebida e de forma
até histérica, invejada pela irmã. O fato é que um dia a máscara de Guida cai e
ela tenta suicídio, o que faz com que a irmã lhe ofereça seu marido Paulo, para
salvar sua vida. Obviamente que, embora tenha sido nobre, o resultado causa mais
problemas a todos, a ponto de que a única saída possível seja a morte.
Mas como adaptar uma obra rodriguiana ao
cinema? Certamente muitos experimentaram vários caminhos, mas esse escolhido
por Capela é muito interessante, pois o
filme alterna entre ser uma adaptação para o cinema do texto dramático de
Nelson Rodrigues e ser uma adaptação para o cinema da encenação da peça! É
muito impactante, porque é como se a peça não pudesse ser sem sua
interpretação. Isso, para mim, é propriamente o teatro: contar, com o corpo, todas
as histórias.
PERSONAGENS
E ATORES – De forma muito sucinta, temos cinco personagens e quatro atores. As
irmãs Guida e Ligia são interpretadas pela atriz favorita de Nelson, Lucélia
Santos. Não sei se na peça elas são gêmeas,
mas no filme elas são ao mesmo tempo iguais e opostas em suas personalidades
básicas : Guida sempre se preto e Lígia sempre se branco. Lucélia está
maravilhosa e visceral, com caras , bocas e olhos de ódio e desejo que me
agradou e , certamente, agradaria Nelson.
Também
visceral é a atuação de Matheus Nachtergaele, interpretando Paulo, marido de Guida,
mas disputado entre ela e a irmã. Paulo é uma personagem típica do universo
rodriguiano: o homem que julga as mulheres a partir de um rígido código moral:
as senhoras para amar, as esposas, e as que lhe satisfazem o desejo sexual, as
putas, mas não sai ileso desta disputa, como se supunha.
Outra
atuação muito boa é a de Silvio Restiffe, no
papel do marido impotente de Lígia, que aparece na trama cantando
alegremente, depois de ter superado seu “problema” com a ajuda de Dora, uma
lavadeira negra de corpo farto interpretada por Cellia Nascimento, que o excita
sexualmente e o faz, enfim, se realizar sexualmente, fazendo com que ele
abandone a esposa que era por ele agredida física e verbalmente, já que ela lhe
lembrava sua incapacidade, para ser carinhoso e terno com a amante cafusa.
TRILHA
SONORA - A cena em que Cellia e Silvio cantam a clássica Dora, de Dorival
Caymmi, é uma das mais belas e memoráveis do filme. Aliás, a trilha sonora é um tópico a ser
considerado, além do som muito bom, que vamos ouvindo o filme todo, reparei nos
créditos finais a lista de títulos de faixas composta em sua maioria por
canções em referência ao universo das cobras, como Serpente, Urutu, etc. Sobre
a trilha destaco o seguinte comentário neste texto :"Com
trilha produzida pelos músicos Fábio Trummer (Banda Eddie) e Pupillo (Nação
Zumbi), o longa de Jura Capela ganhou modernidade sonora pelas mãos dos
pernambucanos, que criaram universo pop & rock para a trama"
Enfim,
foi uma grata surpresa ter visto esse filme, vencedor de prêmios dentro e fora
do país. Mas como tudo relacionado ao Nelson Rodrigues, para assistir carece de
ter coragem.
O Trailer do filme :