segunda-feira, 13 de julho de 2020

"Félicité" , Senegal, 2017, direção Alain Gomis


cartaz do filme 

            O filme escolhido pelo Senegal a concorrer ao Oscar, conta a história da bela Félicité, uma mulher que ganha a vida como cantora em um bar de Kinshasa, Congo para criar seu filho Samu, de dezesseis anos, que logo no início da trama sofre um acidente e ele precisa recorrer à saídas possíveis e impossíveis para conseguir dinheiro para pagar seu tratamento. Nesta busca, nos leva a passear por locais miseráveis e também de alta classe, nos apresentando um retrato cru da preferiria congolesa, mas sempre através do filtro do seu forte olhar.

Véro Tshanda Mputu interpreta Felicité cantando


A protagonista do longa de mais de duas horas é Felicité, interpretada pela atriz congolesa Véro Tshanda Mputu, que consegue dar vida a personagem inabalável, que luta pelo que deseja, sem ceder a dramas, mas sempre alcançando uma libertação através de seu canto capaz de enfeitiçar. As cenas em que aparece cantando, além do poder libertador da música, primam pelo zoom em seu rosto negro e sincero, como em alguma espécie de transe. Outra coisa interessante é que de madrugada,  em segredo, ela costuma ir a floresta se banhar, em cenas pretas, com desenhos de penumbra.  
 

Samu e Felicité



Fica claro que Félicité vive e sente-se sozinha com seu filho Samu (Gaetan Claudia), sem qualquer ajuda para enfrentar os problemas, sejam eles mais simples como a quebra do refrigerador, ou mais complicados, como pagar a operação do filho. Ela não abaixa a cabeça nunca, mas tem dignidade o suficiente pra pedir ajuda a quem supõe poder ajudar – como o pai do seu filho, ou então um homem rico que mal conhece -, mas nem sempre conseguindo retorno. Na busca pelo financiamento do tratamento do filho, assistimos reiteradamente o registro da sua força: ela briga pelos seus direitos, com quem quer seja, mesmo sendo rechaçada, humilhada em palavras ou fisicamente por homens ou mulheres, segue em frente. Em uma das visitas que faz temos uma citação ao ideário tradicional congolês quando ela  ouve sem sobressaltos, de uma senhora que a conhece desde o nascimento, que a descreve como “dura demais, para seu próprio bem” a história secreta de sua primeira morte: em criança, com um ou dois anos, ficou muito doente e morreu, foi posta em um caixão e ia ser enterrada, quando acordou, por isso foi rebatizada, passando de Kapinga, para Félicité “a nossa alegria”, mas esta história nunca lhe haviam contado para que ela não voltasse a morrer.

Felicité se desfaz das tranças


Em outro momento, uma passagem muito significativa do filme, depois que seu filho, enfim,  retorna ao lar e as mulheres do entorno lhe fazem uma visita de cortesia, se compadecendo de seu drama, Felicité que até então usava longas tranças, corta ela mesma os cabelos, como uma guerreira, pronta para uma próxima fase na vida.

Periferia de Kinshasa

            Mas embora o filme se centre na história de Felicité, cabe dizer que para contá-la, o filme mostra cruamente uma realidade muito feia e dura da periferia de Kinshasa,muita miséria, justiça com as próprias mãos, golpes... até uma menina pequena e escolhida aleatoriamente na rua, é oferecida para que Félicité a venda  e pague a cirurgia do filho! Para contrastar com realidades tão duras,  Alain Gomis insere algumas longas cenas líricas, com uma orquestra cantando e e tocando música clássica, . O resultado é intrigante!

    Ao final, de alguma forma, ela e Tabu,que são uma mulher e um homem belíssimos,   acabam de entendendo, na suas necessidades e limites. A cena mais linda, de um amor puro mesmo, invejável, é quando eles, dormindo na mesma cama, um sobre o outro,  apenas se olham, tudo está posto ali, não há necessidade de mais nada. 

Félicité e Tabu:Não precisam de mais nada

Mas ele faz ainda mais: quando ela adormece, ele se levanta, cobre seu corpo, e fica cuidando, como fez o tempo todo, do seu jeito meio torto. Até me emocionei nesse trecho 

Félicité e Tabu: se acolhem

A LIVE COM MARIA ZENUM

As duas na live

   

A estudiosa passou um panorama rico dos fluxos dos festivais de cinema em África, especialmente do FESPACO,  que embora tenha problemas faz concessões para sobreviver. Sobre o filme Felicité, seria dividido em quatro partes: 1 - a primeira cena no bar, Felicité cantando muito, depois muito ativa em casa, expressando seus desejos por palavras, e a primeira cena mostra todo mundo e ninguém, num ambiente escuro, quer que a gente se sinta naquele bar, ouça aquela música, veja outras coisas; 2 - a parte do hospital e de toda a busca de  Félicité pelo filho, na qual ela se rasga, mas no fim não consegue;3 -A tristeza e culpa de Felicité por não ter conseguido ajudar o filho, ela para de cantar, conta as tranças, vai parando de falar e vai ficando cada vez mais apática e a gente não aguenta sua tristeza e acha que o filme poderia ser mais curto; 4- O afeto de família entre ela Tabu e Samu, que de alguma forma se entendem, se acolhem e é muito bonito . A cena em que ela, Mama, enfim baixa a guarda e deita a cabeça no ombro de Tabu, Papa, como se o aceitando como ele é, é maravilhosa!

Eu, na ocasião 







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