Quem me conhece um pouco mais sabe que a questão da minha origem é meio que um assunto tabu para mim, sobre ele não falo, não procuro, muito ao contrário, por muito tempo até cheguei a fugir dele, quando ele se apresentava em minha frente.
Daí que sempre achei
que essa fosse a grande busca de minha vida, minha missão e eu a rejeitava
rejeitei toda a vida.
É um caso muito
delicado, é mexer naquele primeiro abandono, que é uma ferida que nunca
cicatriza, nem casca protetora cresce nela, está sempre à flor da pele. Pouca
gente entende quando eu digo, por isso eu parei de me justificar, porque eu sei
que é um assunto que eu tenho que resolver comigo mesma. Por isso :
“Não
escrevo, não falo! – para assim não ser: não foi,não é, não fica sendo!"
Guimarães Rosa, GS:V
Mas a verdade tem sua
própria força e, eventualmente, alguns fragmentos chegaram até mim, fiquei
sempre muito assustada, em pânico mesmo. Mas um dia a gente tem que dar um
passo em direção a essa origem. Não estava nos meus planos, claro, mas ganhei
um dinheiro de presente de Natal, nada demais, mas com um pouquinho mais que eu
tinha guardado e quase não gasto nada na
quarentena, então dava para eu comprar um
teste de DNA Global no Genera.
Na virada do ano essa ideia me passou pela cabeça e eu senti que era a grande
oportunidade. Será que eu teria outra chance depois? Pensei muito nisso e, num
rompante, como se estivesse fazendo a maior coisa da vida, fui lá e comprei já nos
primeiros dias de 2021. No caderno da minha história e da minha ancestralidade,
essa página em branco ia receber seus primeiros traços. Minha ideia era não
falar disso nunca com ninguém, se não
narro, não é.
Achei que ia ser fácil,
que ia passar logo e que não ia ficar ansiosa. Mas não foi.Perdi o sono
várias vezes, me senti culpada por estar
indo atrás dessa informação, como se fosse uma traição à minha família adotiva,
chorei.
Não tinha muita ideia
do que ia sair, mas apostava que era muita mistura e desejei muito, muito (mas
jurava que era impossível) que saísse Etiópia. Imagina se não saísse a África?
Como minha intuição, meu sentimento de pertencimento, meu espiritual iria
ficar? Quase enlouqueci!
Assisti a vários vídeos no Youtube de pessoas que tinham feito em laboratórios no Brasil e no exterior, cada um tinha um motivo: conseguir visto europeu ; curiosidade, no caso dos asiáticos ; no caso dos negros aproveitar a oportunidade para saber um pouco mais da história dos antessados, coisa que a maioria não teve, não tem.Para esses últimos o caso parecia mais sério, todos relataram estresse e uma vontade de relatar aos outros a sensação de ter, enfim, parte de de seu passado desvendado e com isso me identifiquei demais: Na hora da coleta da saliva, achava que eu tinha feito errado que não iam conseguir fazer o exame. Como demorou exatas três semanas (tinha visto gente relatar que saiu bem antes), tinha certeza que tinha dado erro. Mas não deu erro.
Enfim recebi o resultado em 29 de janeiro de 2021.
Antes de falar do resultado, devo alertar para uma questão que eu vi desenvolvida no Youtube em vídeos como esse e esse e fiquei pensando que o laboratório faz o exame e comparam com os dados que eles têm, certamente deve haver lugares que eles podem não ter os dados. Por esse tipo de detalhe que digo que os resultados são inquestionáveis, mas a interpretação eu, como historiadora, posso fazer outra, como vou fazer aqui.
Eu sou mestiça, sei disso, e já imaginava que a maior parte do meu DNA fosse proveniente da Europa (tinha visto muitos casos assim no Youtube, com pessoas com traços negros mais evidentes do que eu,mas com ancestralidade européia, como esse,) minha curiosidade e tensão era sobre a África mesmo.
O Lab Genera responde
resumidamente que 53% da minha
ancestralidade é proveniente da Europa e 33% da África, num total de 86% dessas regiões.
Para eles essa informação está ok. Para mim não.
Ainda no geral, o
resultado final foi assim(gosto de ver a marca colorida da minha linhagem no mapa mundi):
E agora com mais
detalhes :
É muito lugar, né? Para o recorte do Genera, as pelo menos 5 gerações analisadas teriam passado por dezesseis regiões! Isso é que é GLOBAL! Confesso que fiquei feliz ter aparecido tanta África, quase tudo do centro para o norte, inclusive o Chifre da África, região da minha amada Etiópia! Sim, eu tenho a Etiópia do meu DNA, 3% do total, mas tenho: AMEI!
Mas gostaria de separar
um pouco mais, vejamos os lugares que “pontuaram” melhor:
25% Ibéria
(Portugal Espanha)
13% Europa Ocidental (França,Áustria,Inglaterra, Alemanha, Suíça, Bélgica)
12% Oeste
da África (Angola, Camarões, Gabão, Congo, Guiné Equatorial)
11% Costa
da Mina (Nigéria, Gana, Togo e Benin : forte de São Jorge)
8% Itália
7% Leste
da África (Tanzânia, Quenia, Malawi, Moçambique, Zimbabue, Zâmbia,parte da
África do Sul)
4% Amazônia (Equador,
Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela e norte do Brasil)
3% Basco(extremo
da Espanha); Volga-Ural (Rússia);
Leste Europeu(Estônia,
Lituania, Polônia, Eslovaquia, Hungria, Ucrânia);
Chifre da
África (Eriteia, Etiópia, Somália)
América Andina (Cordielheira dos Andes)
Ásia (Japão/Coreia)
Megrabe (Argélia,
Libia, Marrocos, Tunísia, Mauritania)
2% Patagônia (extremo sul da América Latina)
Europa 5
regiões
África 5 regiões
Agora a gente volta a dividir o geral: Meu DNA é dividido a entre Europa e África, mais especificamente entre a Ibéria e Oeste da África (de onde vieram pessoas para serem escravizadas). Sim, meu DNA é um retrato da colonização no Brasil, eu vi esses dados e pensei nos tantos estupros, explorações, roubos e toda arbitrariedade que os colonizadores promoveram por aqui e que esses também fazem parte da minha ancestralidade e talvez esse passado de abuso e violência explique tanta fragmentação! Não sei!
Eu posso entrar em
contato com pessoas que compartilham meu DNA, que lindo, mas no meu caso os
possíveis “parentes” mais próximos seriam no máximo primos de terceiro grau.
Será porque sou muito “dividida”? Será porque a maioria dos descendentes de
africanos não teve ainda acesso a esse tipo de teste e, como sabemos, tiveram sua história apagada. Acho que as duas
coisas.
O mais bacana de tudo é que agora é certeza: TENHO SANGUE AFRICANO, SIM , e não é pouco! Eu não sou paquistanesa,nem indiana, nem afegã, meu Dna é mestiço europeu/africano e essa revelação foi um grande presente que meus orixás me deram.
Agora já sei que não
vim do nada, que tenho mesmo ANCESTRALIDADE, como eu sentia desde sempre! Isso
é lindo, vocês não acham?
Para concluir: carecia
de ter coragem e eu tive, passei pela travessia da busca da verdade, não foi fácil, mas me deu
força suficiente para narrar aqui no blog (imagina a ousadia) sobre um tema
tabu! Agora superei!
Me sinto uma nova
mulher, mais
CAMILA (nome que evoca a história do meu
nascimento) ZAHABE
(nome que eu escolhi para mim e agora foi legitimado, pois tenho um pouco de DNA etíope sim, e por fim RODRIGUES (herança ibérica que ganhei da minha família
adotiva!)
Termino citando a dedicatória de um livro infantil sobre qual comento aqui
depois e é tudo o que eu queria falar aos meus antepassados agora:
“Aos meus ancestrais que
me convocaram a
esta viagem incrível à Grande Mãe Terra,
com o propósito de divulgar seus maravilhosos feitos”
(Kiussam de
Oliveira)
2 comentários:
Muito bem, Camila! Se isto lhe fez bem, é uma Vitória. Grande abraço.
Que lindo, Camila. Emocionante seu relato.
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