domingo, 26 de fevereiro de 2012

Flicts é um livro infantil do Ziraldo, que você pode ler AQUI!
Flicts em CD! Clique e ouça as maravilhosas canções AQUI!
No livro Ziraldo conta a história da cor Flicts, uma cor rara, sem amigos ou lugar no mundo, ou mesmo na Caixa de Lápis de cor:

sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Pobre e o proletário

A última gag de Carlitos foi ter feito com que metade do seu prêmio soviético passasse para os cofres do abade Pierre. No fundo, isso equivale a estabelecer uma igualdade entre o proletário e o pobre. Carlitos atribui sempre ao proletário as características do pobre: daí a força humana das suas representações, mas também a sua ambiguidade política, bem visíveis nesse admirável filme Tempos Modernos. Carlitos faz aflorar incessantemente a temática do proletário, mas nunca a assume politicamente. Mostra-nos o proletário ainda cego e mistificado, definido pela natureza imediata das suas necessidades, e a sua alienação total nas mãos dos seus senhores (patrões e policiais). Para Carlitos, o proletário é ainda um homem que tem fome; as representações da fome são sempre épicas em seus filmes : tamanho desmedido dos sanduíches, rios de leite, frutas negligentemente abandonadas após a primeira mordida; ironicamente, a máquina de comer (de essência patronal) fornece apenas alimentos parcelados e visivelmente insípidos. Tolhido pela fome, o homem-Carlitos situa-se sempre como um pouco abaixo da tomada de consciência política : para ele, a greve é uma catástrofe, pois ameaça um homem realmente obcecado pela fome, homem este que só recupera a condição operária no momento em que o pobre e o proletário coincidem sob o olhar (e a pancada) da polícia. Historicamente, Carlitos assume a condição do operário da Restauração, do trabalhador revoltado contra a máquina, desamparado pela greve, fascinado pelo problema do pão (no sentido próprio da palavra), mas ainda incapaz de alcançar o conhecimento das causas políticas e a exigência de uma estratégia coletiva.
Entretanto, é precisamente por Carlitos encarnar uma espécie de proletário bruto, ainda exterior à Revolução, que a sua força representativa é tamanha. Nunca obra alguma socialista conseguiu exprimir a condição humilhada do trabalhador com tanta violência e generosidade. Talvez apenas Brecht tenha entrevisto a necessidade de a arte socialista considerar o homem na véspera da Revolução, isto é, o homem só, ainda cego, no momento em que, pelo excesso ‘natural’ de suas misérias, é iluminado pela luz da Revolução. Mostrando o operário já empenhado no combate consciente, assumido pela Causa e pelo Partido, as obras testemunham uma realidade política necessária, mas sem força estética.
Ora, Carlitos, em conformidade com a ideia de Brecht, ostenta a sua cegueira ao público de tal modo, que este vê simultaneamente o cego e o seu espetáculo; ver alguém, não vendo, é a melhor maneira de ver intensamente o que ele não vê : assim , no que diz respeito a Guignol, são as crianças que o alertam para aquilo que ele finge não ver. Por exemplo, Carlitos, na sua cela, animado pelos guardas, leva a vida ideal do pequeno burguês americano: lê o jornal de pernas cruzadas sob um retrato de Lincoln, mas a própria suficiência adorável da postura desacredita-a completamente, visto que se torna impossível procurar refúgio nela, sem notar a nova alienação que ela contém. As mais frágeis ilusões são desse modo esvaziadas, e o desgraçado está permanentemente sendo afastado de suas tentações. Em suma, é devido a isso que o homem-Carlitos sai sempre vitorioso de qualquer situação : porque ele escapa de tudo, rejeita toda comandita, e, no homem, investe apenas o homem. A sua anarquia. Politicamente discutível, representa artisticamente, talvez, a forma mais eficaz da revolução.”

Barthes, Roland. In Mitologias. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Diefel, 2009.p. 42-3 kkkk

Democratizãção da educação : tentativas!

Li este artigo sobre a Escola Lumiar e gostaria muito que ele desse margem à reflexão e discussão.
Bom, eu fui mestra na Lumiar durante dois anos e não posso negar ter sido uma das melhores experiências didáticas da minha vida, mas as colocações da educadora Maria Madalena Costa Freire também me parecem pertinentes. Digo isso porque acho que as heranças da nossa ditadura em nossas expressões culturais (não só educacionais) ainda existem fortes e julgar qualquer espécie de reação a essas marcas como simples passadismo pode ser uma forma de abafar a discussão do caso. Não acho que essa tenha sido a intenção da educadora, ou pelo menos espero que não.
Não podemos deixar de lembrar que este texto é de HELOÍSA HELVÉCIA, uma
free-lance para a Folha de S.Paulo... aquele mesmo jornal que chamou a ditadura ocorrida no Brasil de DITABRANDA. Esta charge tentou traduzir a perspectiva da Folha sobre esse período da nossa História:
Tudo isso deve ser levado em consideração, ou não?
Mais sobre a Lumiar publicado na Folha pela mesma azeda free lacer leia aqui.Esqueçam a má vontade deste texto, eu fui Mestra em Guimarães Rosa nesta Escola em 2004 e tenho muito orgulho disso. Hoje já não sei se ela mantém esses preceitos, mas espero que mantenha porque aquilo é a mais clara expressão daquilo que Rosa quis dizer quando escreveu que mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Scott Fitzgerald, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e bebês!

Estava lendo um trecho de um trabalho ENORME que escrevi para um curso na pós, onde eu faço muitas comparações interessantes. Como exemplo, destaquei a entre Scott Fitzgerald; Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Vejamos:

"A personagem Benjamin Button, do conto de Scott Fitzgerald, é aquele que nasce velho e vai rejuvenescendo até tornar-se criança novamente:
'...Não havia nenhuma memória conturbada em seu sono infantil; nenhum resquício de sua
ousadia na faculdade nem nos anos dourados em que ele abalou o coração de tantas garotas.Havia apenas as paredes alvas e confortantes do berço, a babá Nana e um homem que vinha vê-lo às vezes. E uma enorme bola alaranjada para a qual a babá Nana apontava antes de pô-lo dormir chamada Sol. O passado; a violenta incursão liderando seus homens no monte San Juan. Os primeiros anos de casamento, quando ele trabalhava até tarde pelas noites de verão na cidade para sua jovem Hildegard, que ele tanto amava. Os dias longínquos em que ele se sentava, fumando até tarde da noite na sombria casa Button na rua Monroe com o avô. Tudo se dissipou em sonhos imateriais de sua mente, como se nunca tivesse existido. Ele não se lembrava. Ele não lembrava bem se o leite era morno ou frio em sua última refeição, ou como os dias se passavam. Havia apenas o berço e a presença familiar da babá Nana. E então ele esqueceu tudo. Ao sentir fome, ele chorava...e isso era tudo. Por dias e noites, ele respirava enquanto sobre ele pairavam sussurros e murmúrios abafados que ele mal ouvia, além de alguns leves odores diferentes e a luze a escuridão. E então tudo ficou escuro. E seu berço...e o doce aroma morno do leite...se esvaíram por completo de sua mente”
(Fitzgerald, O Curioso
caso de Benjamin Button. São Paulo: Cia das Letras.2009. p. 116-19)”
Neste texto a máquina poema consegue trilhar o caminho oposto àquele da realidade, pois não conta como o bebê adquire capacidades e subjetividade, mas sim como ele - antes adulto - as vai perdendo e se aproximando do território da estranheza profunda. Com essa representação
Fitzgerald encena para o leitor o reverso do processo de substituição da plena liberdade da linguagem corporal pelo “espaço de sentido” tempo, que a criança vive ao ascender ao verbal: Benjamin Button perde a memória, a capacidade plena dos sentidos, a noção de passado ou futuro até que toda sua vida vira um grande ‘como se nunca tivesse existido’.
Nesse sentido o conto de Fitzgerald lê a contrapelo o processo de subjetivação infantil e o representa como sendo o oposto do espaço da criança que se constrói como sujeito. Esse caminho é representado diretamente no conto de Clarice Lispector
“Menino a bico de pena”, onde vemos uma criança de poucos meses que
'tem que se transformar numa coisa que pode vir a ser vista e ouvida senão ele ficará só, tem que se transformar em compreensível senão ninguém o compreenderá, senão ninguém irá para o seu silêncio ninguém o conhece se ele não disser e contar, farei tudo o que for necessário para que eu seja dos outros e os outros sejam meus, pularei por cima da minha felicidade real que só me traria abandono, e serei popular,faço barganha de ser amado, é inteiramente mágico chorar para ter em troca:mãe.' (Lispector, Menino a bico de pena.In: Felicidade clandestina.Rio
de Janeiro:Rocco.1998.p.138)
No texto de Lispector as coisas acontecem no tempo cronológico, mas embora a narração procure interromper o processo de educação do bebê, acaba atuando como uma voz superior, que “explica” a relação entre a alimentação a partir do corpo da mãe com a procura por palavras. Estamos falando do processo de busca por sentidos através da linguagem que, para as crianças, possibilita diferentes capacidades narrativas sobre o tempo e o mundo que procuram se apresentar de forma mais completa, como a historiografia.
Já a escrita de Guimarães Rosa atua de forma diferente tanto da Fitzgerald quanto de Lispector, pois caminha mais longe da representação direta – não é preciso que se fale em bebês para que o leitor se sinta no mundo do estranhamento."

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Ainda sobre lápis de cor ...

Continuando minha investigação sobre o uso adulto do lápis de cor, achei aqui referência ao trabalho de Mário Freire, outro artista do lápis de cor. Talvez ele não seja tão artesão quanto a Marjorie, mas também não deve mergulhar fundo no conceitual... para ele o lápis é uma herança do tempo de menino que agora o sustenta!
Claro que ele, como a Marjorie, também deseja que quem olhe seus trabalhos duvidem que ele tenha sido apenas com lápis de cor, porque é uma espécie de afronta visual, por isso, de vez em quando, ele procura retratar as formas de um jeito mais próximo à realidade... mas ele parece querer fazer mais com isso...
Em 2007 ele apresentou um desenho à lápis de cor de uma fotografia de Terje Rakke, ficou muito belo:

Além disso Mario nos conta que é o único integrante da América Latina do CPSA - Colored Pencil Society Of America - (Existe isso?! Que demais), que é um grupo de artistas de lápis de cor em que membros trocam informações e organizam exposições.
Que bonita história estes artitas estão ESCREVENDO A LÁPIS DE COR!

Lápis de cor : uma tradução da cor


Pesquisando na internet sobre os vários usos do lápis de cor eu achei referência aqui a artesã Marjorie Rocha de Oliveira, que utiliza lápis de cor em seus trabalhos, que ficam mesmo muito belos, como este da imagem acima...
Na sua fala Marjorie nos diz:
"Sou decoradora, artista plástica e artesã e moro em Salvador. Pinto com lápis de cor há 18 anos. Durante este tempo, venho desenvolvendo a técnica explorando texturas. Pinto em papel, em tela e em MDF. É um exercício de paciência e precisão, e também um grande desafio. O trabalho é demorado, minucioso e bem cuidado. Estou vivendo um momento de plena maturidade da minha pintura. Quero mostrar através de meus quadros que lápis de cor não é apenas um brinquedo de criança. Lápis de cor é possibilidade, é cumplicidade. Vejo como uma real tradução de cor. Adoro luz e cor. Hoje, conheço os melhores e os mais diversos lápis de cor do mundo e estou sempre pesquisando e experimentando novas marcas. Prefiro os importados, que garantem ótimo resultado e excelente acabamento, além de qualidade e durabilidade. Enfim, não sou somente apaixonada por lápis de cor, fui e sou, definitivamente, completamente, encantada por eles."
Concordo completamente com ela quando ela diz que o lápis de cor é uma tradução cúmplice da cor, por isso é capaz, sim, de expressar de forma diferencial as vivências humanas. Já quando ela fala, com certo desdém, sobre o uso deste instrumento na introdução estética infantil, não concordo tanto. Tudo bem que ela é uma artesã, seus objetivos são específicos, mas sabemos que dentre os artistas mais renomados da arte contemporânea ( como Cy Twombly) não desprezam tanto assim as expressões descomprometidas das crianças, mais ainda, querem ir para antes delas ainda!
De qualquer forma, vale o destaque do lápis de cor a ser utilizado por crianças e também por adultos em suas expressões ...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Alfabeto grego


O Alfabeto grego

A introdução das letras gregas na escrita, em algum momento por volta de 700 a.C., deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as sociedades alfabéticas e suas precursoras. Os gregos não inventaram um alfabeto: eles inventaram a cultura letrada e a base do pensamento moderno. Nas condições modernas, parece haver apenas um curto lapso de tempo entre a invenção de um dispositivo e sua plena aplicação social e industrial, e nós nos acostumamos a pensar nisso como um fato de tecnologia. Isto não foi o que aconteceu no caso do alfabeto. As formas e os valores das letras tiveram de atravessar um período de variação local, antes de se tornarem padronizados para toda a Grécia. Mesmo depois que a técnica foi padronizada, ou quase, sempre houve duas versões concorrentes, a oriental e a ocidental – , seus efeitos registraram-se devagar na Grécia; esses efeitos foram, depois,parcialmente anulados, durante a Idade Média europeia; só chegaram a uma plena realização com o posterior invento do prelo. (...)
Essa invenção democratizou o conhecimento da escrita, ou antes tornou possível a democratização. Isto é frequentemente afirmado, porém em termos simplistas, como se fosse mera questão de aprender um certo número de letras, ou seja, aprender a escrevê-las. Dai que até ao sistema semítico se tenha atribuído este avanço. Se as sociedades semíticas da Antiguidade mostraram tendências democráticas, não foi porque fossem letradas. Ao contrário, na medida em que sua democracia foi modificada pela teocracia, com cargos sacerdotais investidos de considerável prestígio e poder, elas mostraram todos os sintomas de uma cultura perti-letrada. O sistema grego, graças a sua superior análise do som. Pôs a capacidade de ler teoricamente ao alcance de crianças num estágio em que ainda estavam aprendendo os sons de seu vocabulário oral. Adquirida na infância, essa competência podia converter-se num reflexo automático e assim passível de espalhar-se pela maioria de uma população determinada, desde quando se aplicasse o vernáculo. Mas isso significava que a democratização dependeria não apenas do invento em apreço, mas também da organização e manutenção do ensino escolar de leitura num nível elementar. Isso não foi alcançado na Grécia senão, talvez, trezentos anos depois que o problema técnico fora resolvido; e essa conquista foi abandonada de novo na Europa durante um longo período depois da queda de Roma. Quando funcionou, ela tornou o papel do escriba ou clérigo obsoleto, e retiro o status elitista do conhecimento da escrita, característico das épocas perito-letradas.
Foram os efeitos externos, políticos-sociais, da aquisição do pleno domínio da escrita, tão importantes e profundos como às vezes se proclama? Nossos estudos posteriores de culturas orais lançam sobre isso algumas dúvidas. O que a nova escrita pode ter feito, a longo prazo, foi mudar, em alguma medida, o conteúdo da mente humana. (...) A eficiência acústica da escrita teve um resultado que foi psicológico: uma vez aprendida, não se tem que pensar nela. Embora ela seja uma coisa visível, uma série de marcas, ela cessa de interpor-se, como objeto de pensamento, entre o leitor e sua recordação da língua falada. Desse modo, a escrita veio a assemelhar-se a uma corrente elétrica ligando recordação de sons da palavra falada diretamente ao cérebro, de modo que o sentido parece ressoar na consciência sem referir-se às propriedades das letras usadas. A escrita foi reduzida a um truque; não tinha valor intrínseco em si mesma como escrita, isso a distinguia das anteriores. Veio a ser um traço característico do alfabeto o fato de que os nomes das letras gregas, emprestados do fenício, pela primeira vez se tornaram sem sentido: alfa, beta,gama etc, são apenas uma cantilena destinada a gravar os sons mecânicos das letras, usando o chamado princípio acrofônico, numa série fixa no cérebro da criança, ao tempo em que correlaciona estreitamente com a visão de uma série de formas que o menino olha enquanto pronuncia os valores acústicos. Esses nomes, no semítico original, original nomes de objetos comuns, como ‘casa’, ‘camelo’ etc. (...)

sábado, 11 de fevereiro de 2012



Que lindinhos! Usava esta história na aula sobre Miguilim na oficina sobre Guimarães Rosa para crianças... Miguilim, quando separado da cachorrinha Pingo-de-Ouro, ouvia a história de um
"Menino que achou no mato uma CUCA, cuca cuja depois os outros a tomaram dele e mataram. O Menino Triste cantava, chorando:

Minha Cuca, cadê minha Cuca?
Minha Cuca, cadê minha Cuca?!
Ai, minha Cuca
Que o mato me deu...

Ele nem sabia, ninguém sabia o que era uma cuca. Mas, então, foi que se lembrou mais da Cuca-Pingo-de-Ouro: e chorou tanto, que de repente pôs na Pingo-de-Ouro esse nome também, de Cuca. E desde então dela nunca mais se esqueceu."

João Guimarães Rosa. Manuelzão e Miguilim. p. 11

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Palhaço


Eu sabia que precisaria assistir a esse filme porque os temas circo e palhaços estão diretamente ligados a minha pesquisa desde o mestrado...o mundo circense, tão absurdamente rico em suas representações, personagens e significados, que alimenta e justifica toda a criação ficcional das relações entre a narrativa historiográfica e a ficcional.

Sobre o conto de Tutaméia O Palhaço da boca Verde eu escrevi na minha dissertação: Inseridos nessa trama, lemos discursos sobre conflitos culturais – como o ocorrido entre as diferentes formas circenses -, a própria idéia simbólica da figura do palhaço e a síntese cultural expressa pela retenção de objetos significativos em uma mala preservada por muito tempo. (Se quiser ler mais, baixe minha dissertação
aqui )

Agora no doutorado o tema ainda é importantíssimo, talvez até muito mais, afinal eu ainda acho que circo (mesmo que seja o Cirque du Soleil! ) é coisa de criança porque nelas ele desperta emoções muito fortes: alegria, susto, encantamento... é uma experiência bastante cara aos nossos primeiros anos de vida e que depois só agrada ao que nos restou disso. Mas por que despertam tanto a atenção de crianças? Suponho que seja porque o circo é uma forma artística inserida na tradição do humor oral e a criança (especialmente a pequena) é totalmente oral em sua comunicação.

Mas voltando ao filme, mesmo sabendo da importância que ele poderia ter para mim eu acabei deixando para lá por muito tempo porque jurava que fosse apenas mais um filme nacional comercial com globais chamando público , mas mesmo que fosse só isso, eu teria de assistir para criticar, claro, só que com menos prazer.
Só que não foi isso que assisti ontem, no meio da tarde de um domingo especialmente quente. Não ouso fazer comentários cinematográficos, claro, mas tive cá minhas impressões. Achei um filme extremamente lírico, quase um poema visual, muito bonito mesmo.

Aquele "Circo Esperança", seus personagens tão clássicos daquilo que se conhece como "cena circense tradicional" e, claro, o "multi referencial" palhaço Benjamin mostraram o que eu chamaria de "universo circense ficcional por excelência". Quando digo isso é claro que não estou dizendo que o filme não tenha nada de realidade, muito pelo contrário, a ficção que aparece em O Palhaço é a boa e velha dobradura do real (lembrando do que escreveu Antonio Candido sobre a literatura - que ela nos faz ver um mundo além do nosso mundo e que no entanto nos permite conhecê-lo melhor - eu adapto a toda a ficção. Isso se mostra claro no tempo do filme - que é uma espécie de 'tempo ficcional', parece ser tão distante do nosso, entretanto algumas vezes nem tanto assim... é o tempo daquela ficção de circo! Ainda sobre os elementos que destacavam a caracterização do ficcional, me chamou muito a atenção o dinheiro que eles usam: usam exatamente como nós usamos, mas ali é um dinheiro fictício, dinheiro de circo mesmo... muito bonito!
A figura do palhaço assume sua forma mais clássica no filme : o ser que se esconde atrás das piadas, da máscara, da maquiagem. No caso de Benjamin, sua identidade é questionada talmbém pela sua falta de documentos (falta a ele uma identidade, literalmente), mas ao final ele acaba a reintegrando: a gente é o que é, ainda que o que sejamos seja um total questionamento de ser.
No ano passado eu e meu namorado assistimos a um espetáculo do Circo Stankowich em Atibaia. Fazia tanto tempo que não via nada assim, foi muito importante para perceber que o circo (talvez toda forma teatral) exige uma participação imaginativa do espectador tão grande que se você esperar por um espetáculo todo pronto e completo, se decepcionará totalmente. Também por isso ele se encaixe tão bem ao mundo infantil ( naturalmente as crianças estão sempre reinventando tudo)... Na estória do Miguilim ele não conhecia circo, então perguntou a vários adultos ao seu redor "o que o circo era", mas nenhuma resposta o satisfez, então ele perguntou a seu irmãozinho Dito (criança como ele) , mas ai a pergunta/ foi subtancialmente diferente: "Dito, você vai imaginar como é que é o circo? " Como se destacando que para falar em circo, não é preciso saber, é preciso imaginar! Fantástico, não!

No filme de Selton Melo este circo tradicional ganha destaque, por isso é melancólico, poético, lindo... é uma representação substancial do imaginário popular. Aos que se interessam por esses temas e não tiverem assistido a este filme por certo preconceito contra filmes com atores globais em destaque (como eu) , recomendo muitíssimo este porque o"ator global" em questão incorpora lindamente uma legião de palhaços que a gente pode até nem nunca ter visto, mas em algum lugar das nossas referências os conhecemos pelas imagens dos narizes vermelhos e das sapatanchas.
Gostei demais!