sábado, 21 de dezembro de 2024

"Homens sem mulheres ", de Haruki Murakami: Meu livro de agosto de 2024

 

Eu li homens sem mulheres

Já faz algum tempo que venho lendo, aleatoriamente, alguns autores japoneses, pois eu estava  muito incentivada pela beleza da escrita de Kawabata, mas queria conhecer novas vozes literárias que estão disponíveis  na biblioteca do Sesc Pompéia. No inicio do ano, antes da dengue,  conheci o Tanizaki com o arrebatador "Voragem", que foi incrível. Mas agora era hora de  conhecer Haruki  Murakami, o autor japonês mais conhecido da atualidade.  Então escolhi  “Homens sem mulheres” para ser meu livro de agosto e foi uma excelente escolha.

Gostei de cara porque a escrita é muito agradável, Murakami é um bom contador de histórias, como diz público e crítica, ele realmente  cria toda uma atmosfera em torno do que narra e o leitor se transporta facilmente para aquele universo narrado. Para mim, o destaque nisso é que ele não monta esse universo como um pequeno Japão e suas tradições, como todos os japoneses que eu li antes, essa autor me pareceu mais universal, suas referências musicais ou literárias, não se referem unicamente o Japão. Gostei muito disso.

Apesar do nome, o livro apresenta uma sociedade só de homens, onde as mulheres não existem, mas sim contos tratando de sete contos onde um homem que teria ficado sem uma mulher específica de sua vida e essa falta se torna um problema para sua vida. Achei que tivesse feito um comentário rápido sobre os sete contos no Instagram,  seria minha primeira experiência de relato imediato, que depois usei muito no Instrumental, mas na verdade não comentei todos, uma pena.  Mas escrevi muito sobre esse livro nas redes, durante e depois da leitura porque esse livro , realmente, não saiu da minha cabeça no segundo semestre de 2024, porque é muito bom e despertou muitas reflexões e também porque eu encontrei um vídeo de um audiobook  de “Homens sem mulheres”, que você pode assistir AQUI, e eu, que sou muito oral, gostei muito de ouvir os textos depois.

Neste post, depois de meses, vou copiar o que escrevi a respeito desse livro nas redes, é muita coisa, vamos lá:


Consta que emprestei esse volume na biblioteca em 28 de julho, devolvi “Tsugumi”, de Banana Yoshimto, um livro banal escrito por uma autora japonesa (a ideia era  conhecer novas vozes literárias ) e trouxe juntamente com “Noites Brancas”, de Dostoiévski, e eram as minhas primeiras leituras desses autores. Eu queria coisas novas.

Agora as várias postagens que tomaram todo o mês de agosto, em ordem cronológica :

Em 9 de agosto

HOMENS: Faz quase uma semana que comecei a ler "Homens sem mulheres" , meu primeiro Murakami. Não é nenhum dos que eu pretendia iniciar o autor,mas foi que chegou. São sete histórias médias (ainda não sei dizer se contos ou novelas), estou terminando a segunda. Até  agora as histórias falam de um Japão  contemporâneo (anos 1980 ou antes), com muitas referências ocidentais e algumas orientais,  populares e eruditas (Beatles, Woody Allen ,Beethoven, Tchecov,etc).A escrita (meu interesse ) é fluida , por isso eu estranho a leitura não deslanchar como previsto,  nada poética  como Kawabata, mas com um ou outro trecho belo, uma ideia genial. Quero ao menos chegar na metade pra falar minhas impressões com mais propriedade.

Parei a leitura agora  quando um casal de universitários conversa depois de jantarem num restaurante italiano em Tokio, e a moça ficar sabendo que o rapaz terminou seu namoro de colégio e teoriza:"Será que não é necessário você passar por essa fase solitária e difícil enquanto ainda é jovem? Como um processo de crescimento? (...) Assim como uma árvore que,para crescer vigorosamente, precisa passar por invernos rigorosos. Em um clima quente e agradável, não surge o anel de crescimento." E o rapaz ""Eu tentei imaginar o anel de crescimento dentro de mim. Só me veio à cabeça o resto de Baumkuchen de três dias atrás" (p.66) Peguei o celular para procurar a imagem de um Baumkuchen (em nota explica que : significa literalmente "bolo árvore". Os anéis que aparecem qd o bolo é fatiado lembram os anéis de uma árvore). Será que   essa imagem tem  algum significado maior na história? A ver...

À direita o Baumkuchen,
bolo árvore
 

12 de agosto

HOMENS : Terminei ontem de ler  a terceira história "Órgão independente" e , superficialmente, é Murakami dando material para  reclamarem  que ele é machista, que odeia mulheres, etc.  Não é meu caso, a visão dos personagens não é necessariamente a de Murakami, e mesmo que ele também concorde, estamos falando de Japão, outra cultura, difícil e pobre  condenar  julgando com nossa régua moral ocidental. Achei a história de Tokai, um homem que foi enganado por uma mulher e isso lhe foi fatal, bem pesada por motivos existenciais e filosóficos. A referência não nominal ao livro sobre holocausto

"É isto um homem?" de Primo Levi , que lemos na faculdade, e que  sustenta essa história, tornou meu sono mais difícil.

Para mim o problema  de Tokai não foi ter sido enganado por uma mulher mentirosa, mas sim um questionamento mais íntimo sobre o sentido da sua vida vazia que possibilitou que ele, tão dono de si, fosse enganado pela conversa fiada da mulher.

Aí, devo dizer, do pouco que conheço da literatura japonesa, ela é ótima pra pirar nosso cabeção  nesse sentido. Grandes são os livros que incomodam!

13 de agosto

HOMENS : "Sherazade"o quarto conto de "Homens..." ,na verdade o livro todo, me fez pensar em  como as mulheres são fascinantes e perturbadoras para Murakami. Retomando o tema das 1001 noites, nesse conto  um homem chamado Habara, que vive isolado em uma casa (e não sabemos pq) recebe eventualmente uma mulher para cuidar dele, trazer compras e transar. Como ela gosta de contar histórias mirabolantes pós sexo, ele a chama de Sherazade. Nesse conto é o fio da narrativa que une Habara e Sherazade :

 "Eles estavam ligados por uma corda fina e frágil, por assim dizer, Provavelmente um dia, ou melhor,com certeza um dia essa relação ia chegar ao fim. A corda seria cortada. Mas cedo ou mais tarde (...) E uma vez que Sherazade partisse, Habara já não poderia mais ouvir suas histórias. O fluxo seria interrompido, e várias narrativas fantásticas, desconhecidas,ainda não contadas, desapareceram.

Ou talvez ele fosse privado de qualquer liberdade e, como consequência, fosse afastado d todas as mulheres, não só Sherazade. Era grande a chance de isso acontecer. Assim, ele nunca mais poderia penetrar o interior úmido do corpo feminino.Nem sentir seu tremor sutil. Mas o que era difícil para Habara não era  a falta de sexo em si, mas a possibilidade de não poder mais compartilhar um momento íntimo com mulheres. Perdê-las,no final das contas, era isso. Um momento especial,que anula a realidade mesmo fazendo parte dela :era o que as mulheres proporcionaram." (P. 152/3)

Como diz um comentário que achei na internet, eu também quero agradecer essa mulher que traumatizou Murakami e o fez escrever esse livro sensacional e perturbador.


13 de agosto

HOMENS : Nada que eu diga vai superar esse comentário!

O livro,no fundo, é uma dolorosa sessão de terapia. E o pior é que eu estou adorando !

 


Não disse que pirou meu cabeção?


14 de agosto

A ESCRITA DE "HOMENS...": É  meu primeiro Murakami.Depois de "Yesterday" e "Sherazade", eu até fiquei bem empolgada com a leitura do livro, que é mesmo boa literatura. Mas a escrita, que é algo importante pra mim, não me encanta tanto. Não tem trechos saborosos que gostaria de copiar (até agora só destaquei um, no fim de "Sherazade"). Além disso , tenho dificuldade em chamar esses textos de contos, pois acho muito extensos (não só em páginas), e tem momentos que dá vontade de pular trechos !Agora cheguei na metade e estou sem motivação pra começar a ler "Kino", o próximo texto, sabendo que tem mais de 30 páginas, tem duas noites que deixo o livro de lado... Vou persistir e terminar, claro, mas antes quis deixar um depoimento.

14 de agosto

HOMENS : Acabei de escrever um depoimento "reclamando" de algumas coisas no  Murakami, dizendo que estava com preguiça de ler "Kino" o próximo conto do livro,bla,bla,bla. Comecei a ler, e ele ME RESPONDEU! A leitura fluiu muito, rapidinho,  terminei e acabei com o "coração"(sim,o órgão mesmo) disparado. É um texto muito musical, dessa vez ouvimos  Jazz, onde o protagonista, Kino, vai ficando perdido, alguém "meio transparente" com as "vísceras transparentes, como uma lula recém capturada" (189), um "homem que não está em lugar nenhum" (189) e eu acho (sem muita certeza) que para entender melhor essa história eu devesse conhecer mais Kafka. Como todos do  livro, é um texto sobre solidão. Sobre apagar   todos os  sentimentos, tentar desligar o coração ,para  evitar mergulhar numa dor profunda. Mas aí um dia você ouve alguem bater no vidro da janela

"Em um ritmo sempre regular,como se tentasse seduzi-lo a entrar em um labirinto de sugestivas memórias. Toc, toc, Toc,toc.

Outra vez: toc,toc. Não desvie os olhos. Olhe para mim fixamente, alguém sussurrava em seus ouvidos. Afinal, esta é a imagem do seu coração. (...) No profundo interior de Kino a mão quente de alguém foi estendida e tentou pousar sobre a dele. Com os olhos fortemente cerrados, Kino sentiu o calor dessa mão e a espessura macia. Era algo de que ele se esquecera

havia muito tempo. Era algo que fora afastado dele havia muito tempo. 'Sim, estou magoado. Muito, profundamente' Kino disse a si mesmo. E chorou."(P.194)

E eu, que não sou "homem sem mulheres", muito me identifiquei com Kino. A mão quente q se estendeu sobre o meu coração em carne viva hoje foi a de Murakami. E como dói!


Em 20 de agosto

HOMENS : "... Entendi- ela disse (a Samsa!) . - Você é meio retardado. Mas o seu pênis é bem saudável. Fazer o quê?" ("Samsa apaixonado" In "Homens sem mulheres", Haruki Murakami.

Como suspeitei : Kafka presente! Tô adorando esse livro.

 

Em 22 de agosto

HOMENS SEM MULHERES: Estou a um conto de terminar o livrinho, claro que já adio esse final, porque essa é uma obra que está mexendo muito comigo e vai ser difícil a despedida. Um homem, vendo que eu carregava o volume, leu o título e me disse que ser um homem sem mulheres é o que ele não quer. Nenhum dos homens do livro quis, mas acabaram assim. Murakami é muito cirúrgico: não é um livro sobre um mundo só de homens. Em geral os contos falam de homens que,tendo conhecido uma mulher específica em determinado momento da vida, tiveram que se despedir dela e muitas vezes os contos são como sessões de terapia, algo bem parecido com a frase atribuída ao Freud: "ninguém sabe o que quer uma mulher!". Mas, como acontece na vida real, esse homens tem sempre outras mulheres em suas vidas (homem hetero não fica sem mulher), mas ficam sem "aquela mulher", que eles não saberão nunca o que ela quer! Vamos ver o que nos diz o último conto "homens sem mulheres" e saber como termina essa jornada literária de agosto ! 


Em 30 de agosto

HOMENS : O sétimo  e último conto do livro, "Homens sem mulheres" é  exatamente o que a gente vem percebendo conto a conto no livro: histórias de homens largados por uma mulher importante. Esse conta a história de um que recebe uma ligação na madrugada  com a notícia de que uma ex namorada se suicidou. Mais uma, a terceira no caso dele. Mas essa, idealizadissima,   foi que o jogou na inquestionável condição de "homem sem mulher", que Murakami define : "É muito fácil ser um homem sem mulheres. Basta amar profundamente uma mulher e ser abandonado por ela. (...) De uma forma ou de outra, você também vai ser

um dos 'homens sem mulheres'. De repente. E,uma vez que você se tornar um dos homens sem mulheres, a cor da solidão se impregnará no seu corpo. Como se fosse uma mancha de vinho tinto em um tapete de vir clara. Por maior que seja o seu conhecimento sobre arrumação doméstica, limpar essa mancha será um trabalho assustadoramente árduo. A mancha pode clarear um pouco com o tempo, mas permanecerá lá até seu último suspiro." (P. 234) Baita livro. Em breve faço um balanço da leitura

Meses se pasaram e, em outubro , escrevi sobre esse livro de novo


Em 28 de outubro

"Homens sem mulheres" foi meu livro de agosto. Até hoje não tive tempo de escrever  um texto maior sobre ele, sobre essa viagem a possíveis universos masculinos. Talvez eu não tenha ainda digerido tudo aquilo. No dia do meu aniversário estava conversando sobre literatura com o Fernando e Micael no Sesc Pompéia e falei do conto "Samsa apaixonado".

Lembrava bem dele, que é uma recriação de "A Metamorfose" de Kafka,mas ao contrário. Depois do papo eu   tive vontade de reler o conto. Especialmente aquela parte em que Gregor Samsa se apaixona por uma chaveira corcunda  e quer conversar com ela com calma, perguntar muitas coisas "sobre a origem desse mundo, sobre você, sobre mim" ... Queria encontrá-la de novo, "ficar frente a frente, conversar com ela até se satisfazer, queria desvendar com ela,aos poucos, o mistério deste mundo...."queria observá-la de vários ângulos ...e, se possível, queria tocar as várias partes de seu corpo, queria sentir a textura, o calor da sua pele e queria subir e descer junto com ela as diferentes escadas deste mundo..."Poxa, que descrição do estar apaixonado ! Mesmo para quem não leu o conto (recomendo) fica evidente que,para Samsa, a simples existência da chaveira dá algum significado à sua vida, algum significado ao fato dele  ser um homem, não um peixe ou girassol...

Tem coisas que só a literatura nos oferece...

 

Poxa, que leitura! Super recomendo! Mas aviso: carece de ter coragem!