domingo, 30 de junho de 2024

Uma história cortaziana?

Eu em 16 de janeiro de 2024 e  Octaedro, de  Cortázar
A memória não tem data nem precisão,  mas a historiadora aqui
 sabe o dia exato em que aconteceu o que derivou o  relato abaixo 

 

Em Manuscrito achado num bolso, de Júlio Cortázar, temos  uma história possivelmente de amor interessante (não necessariamente feliz) sobre um homem que entra no metrô e, como em um jogo, busca uma conexão com uma mulher nos reflexos das janelas do vagão. Aborda um tema caro aos contos de Cortázar, que é o metrô e a proposta de uma nova relação humana com o tempo e o espaço no cotidiano da metrópole naquele "interstício subterrâneo"...

Um olhar,no metrô, traz sempre 
"olhos perdidos no fastio daquele interregno em que todo mundo parece consultar uma área da visão que não é circundante".

E não é assim mesmo? Não olhamos fixamente ninguém no metrô, onde estamos de rápida passagem, mas  se olharmos, esse olhar nos destaca da cena e se não há troca de palavras, há a de energia, como uma bolha. A última vez que, sem querer, olhei mais concentradamente para alguém  no metrô, foi numa tarde quente, há poucos meses : era  um homem negro e grande, estava com um mais jovem e eles se interessaram muito pelo contato do garoto do rap queriam contratá-lo para um evento que estavam organizando... Eu, ao lado, observava tudo em silêncio e me surpreendi quando,  "do nada" 😂🤣, o rapaz reagiu a minha presença me perguntando com os olhos fixos nos meus  e os lábios entreabertos :"você está indo ou voltando do trabalho?" Eu não queria responder porque uma palavra explodiria a bolha que nossos olhos construíram em nosso entorno, mas disse que estava indo a uma consulta na Praça da Árvore. A resposta foi um silêncio compassivo. Mas no metrô tudo é muito rápido eles já iam desembarcar. Nessa despedida , como nunca, eu quis poder  dizer que também poderia aprender a  fazer  rimas, ser contratada, ser levada por ele, pois nossa conexão se mantinha e, inconscientemente, eu lhe  dizia, como no conto do Cortázar, "não é possível que nos separemos  assim, antes de nos termos encontrado". 

Nos separamos de fato, na pressa do metrô, mas a memória  do desejo interrompido é bem mais longa e sobre ela que reconto essa história...


Comentário posterior

SOBRE A LITERATURA: Presa em casa pelo frio, ontem assisti a 3 aulas por David Arrigicci Junior, com cerca de 40 minutos cada, SÓ sobre o conto "Manuscrito achado num bolso", de Cortázar, que sempre foi um enigma encantador  para mim,pois é cheio de misterioso e  interrogações sem respostas. Ouvindo um estudioso, que conheceu Cortázar , traçar possibilidades  interpretativas levantadas pela crítica ou influências e questões que uma leitora comum como eu jamais colocaria,penso QUE MARAVILHA A LITERATURA! Como era bom estudá-la na USP. Estava com saudades!