Edição quase paradidática, mas um grande livro |
Três livros ótimos, mas só conclui a leitura dos contos de Lygia, que mais me apeteceu literariamente. |
"CONTOS CRESPOS: Em um grupo de leitura virtual, pediram uma foto do livro que estamos lendo,mesmo que eu esteja ainda no começo, foi com muito prazer que fotografei e comentei: A capa é maravilhosa. Cada vez que eu interrompo a leitura e depois retomo, antes de abrir, fico olhando aquela cabeça negra trançada, aquele couro cabeludo de onde nascem cabelos crespos de gente que vive e sabe muito bem sobre tudo aquilo que Curti narra em seus agridoces "contos crespos".Estou adorando!"
A capa |
Última capa |
Adorei também o trecho de depoimento que conclui a seleção , pois muito me identifico:
"... o escritor que pode ser louco, mas não enlouquece o leitor, ao contrário, pode até desviá-lo de sua loucura. O escritor que pode ser corrompido, mas não corrompe. Que pode ser solitário e triste, mas ainda assim vai alimentar o sonho daquele que está na solidão." (Lygia Fagundes Telles. Depoimento na Sorbonne,Paris,1993)
E não é a literatura nossa melhor companhia? Grande escritora essa dama Lygia
Pois vamos aos contos. o índice da edição:
Achei o conto mais irônico, até humorístico, da antologia. Não que deixe de abordar a terrível dor de amor, de forma bem romântica (no sentido literário, com tentativa de suicídio e tudo mais). A Pomba enamorada, protagonista, apaixonada pelo estúpido Antenor, é obcecada pelo moço, mas tudo acontece de um jeito meio roteiro de folhetim, algo que não esperava de Lygia. No fim era para tudo terminar bem porque as coisas se acertaram aos poucos, mas o amor mal vivido, mal resolvido persegue a gente por muito mais tempo do que possamos supor. É disso que trata o conto.
Achei as pérolas bonito, gostei das imagens: As pérolas "rosadas e falsas" de Lavínia "cujo "entrechocar das contas produzia um som semelhante a uma risada", a varanda, o "Chopin de bairro", a lembrança da mãe de "olhos poderosos", que sempre já sabia de tudo e o ciúme doentio de Tomás, que justifica o clima de falsificação da trama (nossa única certeza está nas coisas assumidamente falsas, o resto pode ser suposição de uma mente ciumenta. Sim, há fortes referências ao Dom Casmurro, embora para mim Lygia seja mais palatável, então eu só posso aplaudir.
Um conto ótimo, a gente vai pela cabeça de Tom, o senhor que não está mais conseguindo acompanhar a jovialidade de sua esposa. O personagem "velho" diz insistentemente a esposa mais jovem que se prepara para sair, que precisa dormir, dormir, dormir... Chega a sonhar: "Se pudesse dormir ao menos aquela noite, enfiar-se na cama com uma botija, uma delícia de botija, criando assim aquela atmosfera terna entre seu corpo e as cobertas... Ô! A melhor coisa do mundo era mesmo dormir, afundar com uma âncora na escuridão, afundar até ser a proporia escuridão, mais nada." Nunca me identifiquei tanto!
É um dos conto bem fechado em si mesmo, precisei ler mais de uma vez, porque ainda queria entender a narrativa, com o tempo fui aprendendo a ouvir a dicção de Lygia, mais vale apreender o que primeiro chama a atenção, porque o mais importante não é dito, às vezes nem mostrado! Essa prostituta, apelidada Luisiana (berço do jazz) por seu antigo amante Xenofonte, o moço que era jazzista e tocava saxofone, do qual ela sentia tanta falta... mas onde estaria ele?
O Encontro é mais um conto fantástico de Lygia, acontece quando a protagonista retorna ao bosque que tanto conhece, mas resolve explorar o que havia além do vale, se aproximar dos penhascos, que de alguma forma inexplicável ela conhecia, mesmo que nunca tenha pisado ali. Ao chegar lá, mergulha numa constante indecisão entre previsão do que aconteceria e memória do já acontecido, em um cenário assustador, mas ela sabia que era preciso “que eu não buscasse esclarecer o mistério, que não pedisse explicações para o absurdo daquela tarde tão inocente na sua aparência. Tinha apenas que aceitar o inexplicável até que o nó se desatasse, na hora exata”. Até que acha uma resposta possível que muito me interessou: “Não, não estava sonhando. Nem podia ter sonhado, mas em que sonho podia caber uma paisagem tão minuciosa? Restava ainda uma hipótese: e se eu estivesse sendo sonhada? Perambulava pelo sonho de alguém, mais real do que se estivesse vivendo. Por que não? Daí o fato estranhíssimo de reconhecer todos os segredos do bosque, segredos que eram apenas do conhecimento da pessoa que me captara em seu sonho. “Faço parte de um sonho alheio” - disse e espetei um espinho no dedo. Gracejava mas a verdade é que crescia minha inquietação: “se for prisioneira de um sonho, agora escapo.” Uma gota de sangue escorreu pela minha mão, a dor tão real quanto a paisagem.” O clímax é quando ela encontra uma moça vestida de amazona, esperando por um amor que nunca vinha, e que parecia viver em outro tempo e que não lhe era desconhecida. A identidade dessa personagem é o grande final do conto sensacional.
Este texto eu conheço e adoro faz tempo, mas não me lembro de ter escrito alguma coisa sobre ele. . Lembro vagamente de ver a Lygia pela primeira vez, sendo entrevistada em um programa de aTV do Serginho Groisman nos anos 90, eu devia ter uns 11 ou 12 anos, nunca me esqueço dela falar que o amor é frágil, lindo e leve como uma bolha de sabão, que pode ter sua estrutura rompida por qualquer coisa. Para mim este é a imagem e o “conto de amor” de Lygia por excelência! É uma introdução sobre como adentrar no universo da sua ficção: nos jogos de ditos e não ditos entre a protagonista, seu ex marido e a atual esposa vemos surgir e se desenvolver a delicada estrutura da bolha de sabão : não é preciso muita coisa para ela voar e brilhar translucida, mas é preciso menos ainda para que ela estoure e vire uma espuma no chão; assim é o amor, nessa imagem poética LINDÍSIMA.
Que livro, senhoras e senhores, que livros!