"Agora falávamos intensamente de nossa "amizade eterna",projetos de nós vermos diariamente a vida inteira, juramentos de um fechar os olhos do que morresse primeiro. Comentando às claras o nosso amor de amigo, como que procurássemos nos provar que daí não podia vir nenhum mal, principalmente nenhuma realização condenada pelo mundo. Condenação que aprovávamos com assanhamento. Era um jogo de cabeças unidas quando sentávamos para estudar juntos, de mãos unidas sempre, e alguma vez mais rara , corpos entrelaçados nos passeios noturnos. E foi aquele beijo que lhe dei no nariz depois, depois não, de repente no meio de uma discussão rancorosa sobre se Bonaparte era gênio , eu jurando que não, ele que sim. - Besta! -Besta é você! Dei o beijo, nem sei! parecíamos estar afastados léguas um do outro nos odiando. Frederico Paciência recuou, derrubando a cadeira. O barulho facilitou nosso pavor interno, ele avançou, me abraçou, me abraçou com ansiedade, me beijou com amargura,me beijou na cara em cheio dolorosamente. Mas logo nos assustou a sensação de condenados que explodiu, nos separamos conscientes. Nos olhamos no olho e saiu o riso que nos acalmou. Estávamos nos amando de amigo outra vez : estávamos nos desejando, exaltantes no ardor, mas decididos, fortíssimos, sadios."
Muito lindo, né? Se possível eu recomendo muito a leitura do texto na íntegra, disponível aqui!
ANDRADE, Mario de. "Frederico Paciência"(1924-1942) , in "Contos novos", São Paulo:Klick,1997, p. 105)