domingo, 30 de maio de 2021

Capítulo 7


 

No impactante "O avesso da pele"(114), sobre o qual tenho muito a dizer, mas ainda não tenho tempo para escrever minhas considerações gerais, o narrador lembra uma passagem com o pai, quando contou que não sabia como se declarar a uma colega de faculdade . O pai empresta o "Jogo da Amarelinha" do Cortázar. Deveria emprestar o livro a ela? Claro que não, isso seria muito impessoal, ele deveria COPIAR O CAPÍTULO 7 (Quem leu já sabe qual é, quem não leu, ouça aqui) e entregar para ver como ela ia reagir. Não ficamos sabendo o fim dessa história, mas acho que ele nem chegou a entregar porque a moça, definitivamente, não estava afim dele.

Esta história me lembrou outra, da época da faculdade. Era o "geógrafo de olhos verdes", que sempre pegava ônibus comigo e que eu encontrava "ocasionalmente" todo fim de semana no cinema (como na música do Bituca "no cinema, na escola, cê não me dá bola"), e que incrivelmente, até gostava de prosear comigo, mas era meio tapado, sei lá (homens). Mas eu ia formar e, possivelmente, não o veria jamais, então achei que era bom dar uma de Elvis Presley: It's now or never! Com a letrinha bonitinha que eu tinha antes da EM detonar minha caligrafia, eu escrevi o trecho mais lindo de Herberto Helder

"Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram."

E fiquei estudando na biblioteca (naquela época ainda era no prédio da História) até passar o ônibus das 22 horas. Eu sabia que ele ia pegar no próximo ponto, pois estava fazendo licenciatura na Educação (mulheres sabem tudo, né). Pois então, dito e feito, sentei no banco "de sempre" ele subiu e sentou ao meu lado. Conversamos e eu entreguei para ele o papel.

Ele leu e me DEVOLVEU! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Putz, que fora!!!!!
Só disse para ele guardar com ele, eu tinha outras cópias. Quem nunca, né?
Se alguém me desse aquele poema eu nem sei o que faria! kkkkk




sábado, 29 de maio de 2021

Literatura salva: Um trecho de "O avesso da pele", de Jeferson Tenório

 Para Fernanda Duarte e Fábio Flora


Terminei de ler O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, um livro impactante, com tantas belezas e dores que ainda  não tenho tempo ou condições para falar dele,  aguardem. Então separei um trecho que acho sublime. Para que fique inteligível, aviso que o livro trata de uma família de negros que mora em Porto Alegre, uma cidade assumidamente racista, e todos os problemas que isso pode significar. A trama começa quando, após a morte de seu pai, o narrador Pedro, tal como o príncipe Hamlet, começa a contar (e às vezes inventar mesmo) a vida de seus pais, para o espectro do pai morto, na intenção de ultrapassar o luto.  Neste trecho Pedro conta uma das tantas abordagens policiais ao seu pai:

Um dia você ouviu o professor Oliveira falar sobre um livro, sobre um certo personagem russo, Raskólnikov. E foi como uma iluminação ouvir o professor lendo aquelas páginas de Crime e Castigo. Você não sabia que aquele seria um livro que te acompanharia até o fim da sua vida. Embora não entendesse metade das coisas que eram ditas ali, quando você resolveu ler aquela história, você queria descobrir mais sobre aquele estudante miserável que morava num minúsculo apartamento em São Petersburgo. Queria saber mais como aquela mente criminosa funcionava. Aquela arqueologia da culpa te fascinava e por isso você andava com aquele livro-tijolo para cima e para baixo. Ficava feliz quando pegava algum engarrafamento e podia ficar lendo mais um pouco no ônibus, ou então quando não tinha muita coisa para fazer no escritório e colocava o livro estrategicamente na gaveta para poder ler sempre que o Bruno Fragoso (chefe) não estivesse por perto. E, mesmo quando o ônibus estava lotado, você dava um jeito de segurar e continuar lendo. Às vezes alguém se compadecia de você e oferecia para segurar sua mochila de modo que você pudesse ter mais equilíbrio. Às vezes também, quando  você ficava até mais tarde no escritório, voltava nos ônibus mais vazios e podia ir sentado. Foi num desses dias em que você estava na parte de trás do ônibus mergulhado em Raskólnikov que, sem que você percebesse, surgiu um policial bem na sua frente. Na verdade, eram três ou quatro. Eles mandaram todos descerem. Era uma blitz. Mas você custou a entender, porque sua cabeça estava lá em São Petersburgo. O policial pediu com mais ênfase que você descesse do ônibus. Você obedeceu, estava cansado, estava com preguiça, mas tudo o que você queria era terminar Crime e Castigo. Um rapaz, branco, sentado ao seu lado, também fez menção de levantar para descer do ônibus, mas o policial disse que ele não precisava descer. Você desceu e foi para a parede ainda segurando o livro. Ao olhar para o lado, percebeu que havia mais cinco homens negros na parede sendo revistados e questionados sobre para onde estavam indo, o que faziam da vida. O policial que te abordou pegou seu livro e, depois de te revistar, perguntou que livro era aquele. Você disse que era um livro de literatura. Ele folheou o livro, perguntou se era poesia. Você até pensou em dizer que era um romance, mas não queria parecer arrogante nem dar uma de sabichão com o policial armado atrás de você, então disse que era um livro sobre o arrependimento. O policial pareceu ter gostado. E disse que costumava ir à igreja rezar. É bom os jovens lerem poesias e a Bíblia também. Você já leu a Bíblia?, ele perguntou. Você disse que sim e acrescentou que o personagem do livro virava um católico. O policial ficou feliz. Te pediu desculpas pelo incômodo, mas é que era o trabalho dele, porque Porto Alegre está cheio de vagabundo, ele disse. Você e os outros homens subiram no ônibus. O rapaz que não precisou descer, ao ver você chegar, trocou de lugar e foi sentar mais à frente. O ônibus partiu e você voltou para São Petersburgo.

 “O avesso da pele”, Jeferson Terório, p.147-9.


Esta é a primeira  das tantas vezes que, no livro,   o clássico russo aparece associado ao racismo da policia e, para mim, ela é elucidativa para "explicar" que também  diante da covardia e crueldade do racismo, a literatura pode ser sua arma salvadora. Acredito muito nisso e fico feliz em conhecer um autor como Tenório reverberando esta ideia!

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Sextou e tomei uma Pfizer bem geladinha: Primeira Dose da vacina anti covid tomada!

Primeira etapa da minha imunização : cumprida! Em agosto tomo a segunda!

                                    VIVA O SUS! 














terça-feira, 25 de maio de 2021

DIA DA ÁFRICA

 


Linda mensagem da Mostra de Cinemas Africanos 





domingo, 23 de maio de 2021

sábado, 22 de maio de 2021

Era uma vez a cabeça oca do santo e o homem que morava nela, por Socorro Acioli


As capas do livro, a da esquerda de papel e da direita da encadernação

Na alegre capa amarela que reveste. A encadernação do livro "A cabeça do santo"(2014), da cearense Socorro Acioli, José Eduardo Agualusa diz que o primeiro romance de Acioli "é uma festa". Um livro que nasceu a partir de uma oficina literária ministrada pelo Gabo, que  Acioli participou, como conta aqui nesta entrevista deliciosa onde, entre outras coisas, ela revela que muito do "fantástico" narrado no livro realmente acontecia no Ceará. Assim é o realismo fantástico, quando o maravilhoso acontece na realidade. O fato é que o livro é para ele, uma gratidão gostosa de se ver
                               

Gabo, grande nome do chamado realismo maravilhoso latino americano, realmente frequenta as páginas de Acioli, em momentos como a descrição da família matriarcal, onde as matronas sempre sabiam o dia de sua morte, como se vivessem em Macondo, mas que Acioli jura que acontece na família dela!
Agora que terminei a leitura, sou obrigada a concordar com Agualusa: novamente voltamos ao berço da literatura: o conto maravilhoso e as alegrias da narrativa oral, até o clássico Pedro Páramo, de Juan Rulfo é citado na conversa do protagonista com sua mãe no começo do romance. Mas demorei pra concluir como era essa narrativa, e logo no começo da leitura já questionava:
                                           
Conforme fui avançando na leitura, tinha sensação que estava lendo um livro juvenil, fantástico mesmo, e   fui entendendo e gostando mais. O livro é bem curtinho, pouco mais de 150 páginas, dividido em quatro partes e com 3 breves capítulos, como se fosse mesmo uma história contada de boca a orelha. 
Conta a história de Samuel, que sai de Juazeiro do Norte e vai a pé até  uma  pequena cidade onde sua mãe nasceu, para atender uma promessa que ela fez para ele pagar, que consiste em procurar seu pai e avó na fictícia Candeia e acender 3 velas aos pés das imagens do Padre Cícero em Juazeiro; de Santo Antônio em Candeia e por último de Santo Antônio em Canindé. Reverenciando a "santíssima trindade" da fé popular nordestina. 

A ideia do filho pagar promessa que a mãe fez, pelejando e esmolando, me lembrou o Grande Sertão, na passagem em que Riobaldo estava esmolando na passagem do Rio De Janeiro para o São Francisco e  encontra um menino nessa travessia simbólica e cheia de significados, como uma passagem pra maturidade. 

Voltando ao romance de Acioli, depois de  acender a vela para padre Cícero, Samuel que sobrevivia de vender  relíquias aos romeiros, mas em santo não acreditava, segue para a fictícia Candeia, onde a trama se desenvolve, e que quando ele chega é quase uma cidade fantasma. O diferencial é que, por algum erro,  a estátua de Santo Antonio, padroeiro de lá, foi decapitada e a cabeça oca do santo, descansava ao lado do corpo e é lá que Samuel vai morar enquanto procura por gente de sua família.
Como é forasteiro, logo faz amizade com o adolescente Francisco que conhece todos na cidade e com  planeja golpes engraçados e fracassados  para sobreviver e, muito ao modo de João Grilo e Chicó de "O auto da compadecida", de Ariano Suassuna, pensam que "iam fazer estrago em Candeia. Riam das desgraças, suas e dos outros. Desgraça é tudo coisa de se rir"  (p.51)
Realmente o romance me arrancou gostosas gargalhadas, em momentos cômicos tão brasileiros  como quando um pai dá o nome de Madeinusa à sua filha,  pois era tão bonita quanto o rádio que comprara "Made in usa" e seu nome veio do estrangeiro, ele só fez "juntar as letras" ( p. 53) 

 Esse santo sem cabeça e a cabeça oca ficaram representado uma maldição para a cidade e qual não foi a surpresa do descrente Samuel, cuja lei era que "santos são pedras e só pedras" (p.48), começou escutar "a rezalhada das mulheres pedindo ao santo para casa e, falando de homem" p.38, e isso foi se tornando imenso, e "aos poucos aquela cabeça já se tornara um apêndice anômalo do seu corpo, um útero, um gigantesco saco gestacional ligado a ele por aquela absurda capacidade de ouvir orações e música" p.69. Coube ao rapaz tentar aprender a lidar com tais fenômenos.

Mas você pode perguntar onde está o Gabo? Em todo o romance, a ideia, o desenvolvimento, as narrativas cheias de sonho, maldições  e premunições, no entanto não tenho como não dizer que se trata de um romance nordestino, do começo ao fim. É como se Gabo fosse escrever em Juazeiro sobre a realidade local, uma delicia de livro!

(Nesse a partir deste parágrafo , pode haver spoiler) Ouvir e escutar são os verbos centrais do livro: ouve-se rezas, falas, cantigas, até de países africanos (na cabeça do santo Samuel ouve uma moça que canta mornas cabo-verdianas), afinal, palavras são cantigas, como já diria o Rosa. Como  trilha sonora de leitura, escolhi essa canção, do coração do Brasil, cujo significado é até "explicado" por uma personagem ao Samuel :

"-Esse negócio de força estranha. Você sabe o que é? (...)
- Saber eu sei, só não sei explicar. 
- Adiantou nada.
-Assim, eu acho que a gente sabe quando vem, a força estranha chefa e pá!, a gente sente. Quando ela toma conta, a gente faz  o que quer fazer por cima de pau e pedra, não tem cão que segure. Acho que vem de Deus."(p.160)

Enfim, trata-se de um romance fantástico propriamente dito, contando a história de um o herói (às vezes anti-herói), de  que é de origem humilde, sofre muito com a solidão e privações ou que passa por grandes privações, em determinados momentos, consegue triunfar na comunidade onde vive, lembrando sempre que, não importa quanto ele brigue com essa verdade, mas sempre "o santo estava ouvindo" (p.14)

Adorei mesmo essa passagem divertida pelo delicioso mundo do na narrativa maravilhosa, nesses tempos de quarentena e pandemia, não tem coisa melhor!
Obrigada Gabo, obrigada Acioli

P.S. Quer ver como as coisas incríveis acontecem MESMO na realidade? No nordeste existe mesmo o santo decapitado, na cidade de Caridade 

Cabeça do Santo real, de Caridade https://www.youtube.com/watch?v=XHxl2pfj_ys




terça-feira, 18 de maio de 2021

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Chegou "A Cabeça do Santo", de Socorro Acioli

Cheirinho de livro novo!
Soube dessa livro por uma lista da estante virtual, com dez romances brasileiros contemporâneos que a gente precisa conhecer. O que mais me chamou a atenção foi que, pela snopse, é um livro sobre a ESCUTA, a escuta popular e isso é de meu total interesse. 
Só depois que vim a saber, por AQUI ,da fantástica história de Acioli e como ela conseguiu ser convidada para a oficina literária que Gabo oferecia em Cuba. Foi a única brasileira a ter essa conquista e esse livro, claro, é fruto desta experiência.  
Achei incrível. 
Vou ler a capa. 
Primeiro o enredo:


E um comentário crítico:
E

Agora é garrar na leitura, pensando sempre na homenagem ao Gabo, agradecendo tudo que ele fez pela Literatura mundial. E dessa vez o realismo fantástico é bem brasileiro, vamos ver nique vai dar.




Mais um trecho de "o amor nos tempos do cólera"

,
 Lindo:



domingo, 16 de maio de 2021

Ninguém escreve ao Coronel : Uma narrativa de solidão e resistência latino americana

 

Eu, com minha velha edição

Neste fim de semana terminei a leitura de um dos livros mais melancólicos que eu já li, Ninguém escreve ao coronel (1968), de Gabriel García Márquez. Conforme o   site da Amazon:

Segunda obra de García Márquez, Ninguém escreve ao coronel foi escrito em 1957, em Paris. Na época, aos 29 anos e trabalhando como correspondente de um jornal colombiano, o escritor vivia a depressão causada por uma grande nostalgia da sua Colômbia natal, agravada por sérias dificuldades financeiras. Pretendia estudar cinema na capital francesa, mas o periódico para o qual trabalhava foi fechado pelas autoridades colombianas.García Márquez redigiu três versões dessa novela curta, recusada por diversos editores até conseguir publicá-la, em 1961.

Não me lembrava se tinha ou não lido este livro, mas como sempre acontece, me dei conta que eu pelo menos comecei a ler, porque encontrei comentários à lápis nas primieras páginas. Agora reli inteirinha e foi uma delicia! Nesta minha edição brasileira, da Recorde de 1968, a tradução é de Danúbio Rodrigues, com capa de Darell e belas ilustrações internas de Carybe, como esta, onde vemos os três personagens principais da breve novela, o coronel, sua esposa acamada e o galo de briga do seu falecido filho Austín:



O livro conta a história de um ex coronel reformado, que cumpriu sua missão e lutou pela pátria e para o qual ficou prometido o pagamento de uma aposentadoria como retribuição. É a carta que atesta o ganho deste benefício que o coronel espera há quinze anos, indo semanalmente ao correio para saber se ela enfim chegou, mas “há quinze anos é sempre a mesma.lenga-lenga. Isso já começa a parecer uma história de nunca se acabar.” (P.38)

Ele, em completa noção do absurdo da situação, zanga-se pela primeira vez, “dando conta da sua solidão, Todos os meus companheiros morreram esperando o correio” (...) Isso não é esmola.Não se trata de pedir favor. Arriscamos nossa pele para salvar a República.” (P.38-9)

Mas como bem sabemos, nesta nossa América Latina, o mais comum aos cidadãos sempre foi esperar anos, décadas, toda uma vida, sem receber nenhum auxílio governamental, sempre preocupado com outras coisas e nunca com a vida de seus compatriotas.

Ainda que casado, é destacado na história que o coronel (como todo latino americano? Como todo personagem de Gabo?) é um homem solitário, o que fica destacado em uma fala  em tom quase infantil, quando descobre que, mais uma vez, não recebeu nenhuma correspondência :

“Eu não tenho quem me escreva.” (P.22)

Na primeira leitura que eu fiz, tem uma anotação na margem:
Charlie Brown ficou triste porque só Snoopy recebe cartas

Ou quando sua esposa o contesta:

“Você tinha direito a um cargo quando lhe botaram para moer ossos nas eleições. Também tinha direito à pensão de veterano, depois de arriscar a pele na guerra civil. Agora, todos estão com a vida assegurada e você, morrendo de fome, completamente só. 

-Não estou só- defendeu o marido.                      

 Procurou explicar qualquer coisa, mas foi vencido pelo sono”.(p.93)

Pobre e isolado na sua cidadezinha, o Coronel tinha apenas um bem material para tentar garantir o sustento do casal, um galo de briga que herdou de seu filho. Para sustentar o galo, ele e a esposa chegavam até a passar fome e a mulher cansava de sugerir que o marido vendesse o galo, já que não estavam mais podendo cuidar no bicho.

Mesmo concordando com a esposa, para o Coronel, abrir mão do galo que tinha sido de seu filho,  era uma uma atitude que traria dores enormes, isso porque manter o galo era como manter o filho vivo, de alguma forma. Simbolicamente o galo é também a lembrança de um tempo bom, em que vivia com liberdade:

“O Coronel lembrou-se de outra época. Viu a si mesmo com a mulher e o filho assistindo, debaixo do guarda-chuva, a um espetáculo que não foi interrompido, apesar do mau tempo. Lembrou-se também dos dirigentes de seu partido, escrupulosamente penteados, abanando-se no quintal de sua casa ao som da música.”(P.87)  

Manter o galo, “esse bicho que se alimenta de carne humana” (P.77), apesar de tudo e de todos era o mais importante, pois ele era a própria resistência, do latino americano, “sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

  Não é nada à toa que essa história, e o próprio Coronel, sejam conhecidos dos  mais representativos da literatura hispano-americana.

Vale muito ler essa pequena joia.

Enquanto lia a novela de Gabo, muitas canções passaram pela minha cabeça, especialmente essa :

"Já foi lançada uma estrela

Pra quem souber enxergar

Pra quem quiser alcançar

E andar abraçado nela..."



 

 

sábado, 15 de maio de 2021

"O amor nos tempos do cólera" : Uma trolagem literária?


Eu e minha linda edição azul


 Como já falei , O amor nos tempos do cólera, do Gabo, é um dos meus livros preferido, e é mesmo, Não só porque a edição azul que eu tenho acho DESLUMBRANTE, mas especialmente porque Gabo escreve ali do jeito que eu gosto, maravilhoso, debochado e sobretudo extremamente romântico. Quero dizer que é um livro que faz parte do meu cotidiano, é como um livro de cabeceira, mas como minhas releituras são sempre em fragmentos, com o tempo acho que eu perdi um pouco a noção do todo, o que me soa meio estranho, mas é sempre uma experiência.

Nesse meu breve momento de "retorno ao Gabo", assisti alguns vídeos comentando os livros que eu li e em um deles foi no canal literário favorito, o da Tatiana Feltrin



Tatiana apresenta uma leitura muito legal : Para ela esse livro é uma grande trolagem da ideia comum de cólera e de amor, desde o título, até o conteúdo: Não é um livro que trata propriamente do cólera, ou da cólera, ainda que estes elementos estejam na trama, e sejam centrais. Assim como o amor, que está presente, mas de uma maneira diferente, talvez oposta, ao que se pode pensar inicialmente, ela diz que ele aparece para "disfarçar atrocidades" e a gente aceita, mesmo que se pareça mais com uma obsessão, como neste trecho:

"Florentino Ariza não deixara de pensar nela um único instante desde que Firmina Daza o rechaçou sem apelação depois de uns amores longos e contrariados, e haviam transcorrido a partir de então 51 anos, 9 meses e 4 dias. Não tivera que manter a conta d esquecimento fazendo uma risca diária nas paredes do calabouço, porque não se havia passado um dia sem que acontecesse alguma coisa que o fizesse lembrar-se dela" P. 71

Ou, ao invés de amor, pode ser uma doença, talvez propriamente cólera, etc... Mas como lembra Alexandre Martins na orelha da minha edição, o livro é sobretudo um "tratado do amor", em todas as suas complexidades que, aqui, é apresentado na história dos septuagenários. Mas como é literatura, está lado a lado à história da grande epidemia do cólera na Colômbia. Tem gente que não gosta mas, desculpe, eu acho o livro FANTÁSTICO. Especialmente porque o texto é belíssimo, o mais bonito do Gabo que eu conheci, mesmo que os elementos mais próprios ao "amor romântico" (cartas de amor, juras, promessas....) sejam sempre descritos junto a algo que os contradiz: em meio ao surto da cólera, à guerra, à traições e abusos...).

Adoro sempre voltar ao Gabo e a esse livro!

quarta-feira, 12 de maio de 2021

"Do amor e outros demônios"(1994), de Gabo: Uma história fantástica da América colonial dos setecentos

Detalhe da capa do meu livro, edição Record 1996

Enfim terminei de ler o livro do Gabo, que como pôde, me ajudou a enfrentar abril, o mês mais desafiador do ano para mim atá agora. Como comentei aqui, reli esse romance muitos anos depois e foi uma grande descoberta. Fiquei até com vontade de escrever um artigo sobre História da América Colonial a partir dele, mas aqui quero fazer um comentário meio resenhista porque agora o livro, como um todo, está bem fresco na minha cabeça.

Quando terminei ontem a noite, como acontece com os bons livros, eu senti um vazio, já uma saudade daquele universo e escrevi umas palavras :

 


    O que acho mais fantástico na história da Sierva María de Todos Los Ángeles é que esta personagem  é tão incrível que eu receio que se Gabo fosse tivesse escrito este livro ,do jeito que escreveu, mas para o público leitor brasileiro do século XXI (todo cheio de ânsias para que tudo possa responder às suas questões no Brasil atual) , seria cancelado. Quem teria inteligência e paciência para entender uma personagem complexa como a marquesinha,    que é  "de branca só tinha a cor" e os longos cabelos cor de cobre, mas que tinha nome de negra "Maria Mandinga" ,"nunca se despojava de seus colares sagrados", falava e cantava em Congo, em Mandinga e em  Iorubá com as escravas negras do convento onde tinha sido "enterrada viva" numa cela que fora do Santo Ofício para ser exorcizada. Só imaginando os comentários : por que não uma marquesinha negra na Colômbia colonial? (eu falo isso porque sempre lembro que quase  "morri" quando vi gente questionar  na internet  o motivo de terem chamado a Lucélia Santos para ser a protagonista  na novela e não uma atriz negra para ser escrava. Será que ninguém leu nem o resumo do romance do Bernardo Guimarães para sacar que a questão era exatamente esta: Isaura era uma escrava branca!) 

        Mas voltando ao romance de Gabo, o que  eu achei mais bonito, uma bela imagem que guardei desde a primeira leitura, foi a das gaivotas de papel que o Marquês de Casalduero, pai de Sierva, recebia de sua primeira paixão, Dulce Olivia, internada no asilo das loucas.

Mas outros momentos  também me interessaram, envolvendo personagens muito interessantes que, só por existirem ao redor de Sieva, serviam para destacar mais a sua presença no livro, porque seus pais, Ygnácio e Bernarda, a desprezaram toda a vida, alguém tinha que acolher a menina. A primeira a fazer isso, com a força e devoção de uma mãe, foi a escrava Dominga de Adviento, que governou a casa do marquês e teve a ideia de criar a menina no pátio dos escravos, onde ela aprendeu tudo daquela cultura, inclusive técnicas de não se fazer ser notada (como uma fantasma), ou a regra de sempre mentir para os brancos, mas nunca entre eles...coisas que levavam todos a pensar que algo de estranho havia com ela, o que no século XVIII quando o demônio, imposto pela religião católica,  era presente no cotidiano das pessoas, espanta ter demorado doze longos anos para que se falasse de possessão demoníaca, pois na época, a tudo se atribuía esse motivo...inclusive ela fora mordida por um cachorro que, segundo o que diziam, estaria com raiva! Uma personagem ilustrada do romance, em pleno século XVIII,  esclarece que: 

"desde a origem da humanidade, sobre seus estragos impunes e a incapacidade milenar da ciência médica para impedi-los, há exemplos lamentáveis de como fora confundida com a posessão demoníaca, assim como certas formas de loucura e outras perturbações do espírito".p 172. 

Seu fim era inevitável.

uma capa de edição em espanhol, destancando a cabeleira ruiva e o cachorro raivento


Às vésperas do exorcismo de Sierva María muita gente até estava esta empenhada em impedir que isso aconteça,  mas acho incrível entrar nas perturbações daquele jovem padre ilustrado, Cayetano Delaura, de então 36 anos,  que foi designado para exorcizar uma garota de doze anos (normal para a época) , mas que em dado momento  do romance,  se arde de amor pela menina que outros julgam  estar "possuída pelo demônio", mas não ele, que leu tudo disponível sobre casos de possessão e entedia que muito das peculiaridades de Sierva devia-se ao fato da sua imersão na cultura negra. Para ele, padre, tudo era um grande sacrificio, vejamos um  trecho:

 "Cayetano Delaura tentou a purificação anterior ao exorcismo e fechou-se a bolo de aipim e água na biblioteca. Não conseguiu. Passou noites de delírio e dias de vigília escrevendo versos descomedidos que eram o seu único sedativo para as ânsias do corpo.Alguns desses poemas foram achados num maço indecifrável quando a biblioteca foi desmantelada perto de um século depois." P. 148.

Cayetano, o padre bibliotecário do convento,  não era o único que compreendia como Sierva era mais uma vítima de tanta ignorância, outro era o  médico ateu  Abrenuncio, que mantinha uma biblioteca particular imensa, contendo inclusive livros proibidos pelo Santo Ofício, e que menteve com Cayetano uma longa conversa, umas  das  mais ricas do romance,na qual temos traçado um desenho incrível do complexo imaginário colonial, só que ambos sabiam que nenhum deles poderia fazer muita coisa para livrar Sierva da fúria do Santo Oficio, infelizmente.

Mas Caeytano foi designado pelo bispo do convento Santa Clara, para ser  o exorcista de Sierva, que então tinha 12 anos, mas eles acabaram se apaixonando  e vivendo com ela um breve amor real e verdadeiro, sobre o qual não vou comentar muito porque gostaria que lessem o livro.

 Havia também uma outra mulher importante na  história de Sierva, a Martina Laborde, que também era prisioneira no convento e que estabeleceu com a menina uma boa relação de cumplicidade, daquelas que só se descobre nas adversidades, muito bonita de se ver e que nunca, nem em sonho, Sierva estabeleceu com sua própria mãe, que a odiava!

Como acabei de escrever, eu não queria dar spoiler  falando  muito do amor real entre Sierva e Cayetano, então vou dizer em medo de falar muito que  o  fim do livro  não é bom, nem poderia ser (com inquisição, Diabo e cachorro raivoso no meio), e também o  livro já começa com a história (real ou imaginada) de quando, tempos depois em 1949, o jornalista Gabo teria sido designado para cobrir a abertura de uns túmulos em um convento colonial que seria demolido para se tornar um hotel 5 estrelas e ai que ele assiste a descoberta do cadáver de uma menina, adolescente chamada Sierva María de Todos Los Ángeles , de cujo crânio saltava uma cabeleira esplendida, medindo 22 metros e 11 centímetros. Isso o teria levado a lembrar das histórias que lhe contavam sobre a marquesinha de cabelos imensos que fazia até alguns milagres... e anos depois, surge esse romance.  Essas histórias lindas, o realismo fantástico em um de seus melhores representantes, pulsa nesse livro.

Para terminar, sem muitos detalhes, gostaria de transcrever um trecho bem interessante, sobre o  amor entre Sierva e Cayertano ( eu sei que acabei que declarar que não ia falar disso, mas só um trecho, para mostrar como ele foi verdadeiro, mas também muito sofrido, ao ponto do padre, em um momento de grande agonia,  chegar a dizer ao bispo que seu mal era o "demônio, o mais terrível de todos"P. 177) .  Leiam esse livro, saibam melhor sobre essa história de amor demoníaca :

"Então Cayetano Delaura a beijou nos lábios pela primeira vez. O corpo de Sierva María estremeceu com um gemido, e ela soltou uma tênue brisa marinha e se abandonou à própria sorte. Ele passou por sua pele as gemas dos dedos, tocando-a muito de leve, e viveu pela primeira vez o prodígio de se sentir em outro corpo. Uma voz interior o fez ver quão longe tinha estado do diabo em suas insônias de latim e grego, nos êxtases da fé, nos ermos da pureza, enquanto Sirva María convivia com todas as potências do amor livre na senzala dos escravos. Deixou-se guiar por ela, tateando no escuro, mas se arrependeu no último instante e desmoronou num cataclismo moral.Ficou deitado de costas, com os olhos fechados. Sierva María se assustou com seu silêncio e sua quietude de morte, e o tocou com um dedo.

-O que houve? - perguntou.

-Deixe-me agora - murmurou ele- estou rezando." P.191-2

 

eu, agarrada no meu livrinho

Acho que é isso,  até o próximo livro ! Acho que , em breve, volto ao fantástico mundo do Gabo, veremos!  

Um último comentário:

Sierva Maria

Essa é mais uma representação de Sierva Maria de Todos Los Angeles em alguma capa. Mas dessa eu não gostei muito. A menina tem mesmo uma cabeleira enorme, mas é muito escura (no livro Gabo fala de cor de cobre ou quase loiro) , ela usa tranças, mas não assim, são tranças afro (não esqueçamos que "de branca ela só tinha a cor)... é. Que é tão difícil representar tranças afro, né?


Detalhes :)

RECEPÇÃO 

POR ESSA EU NÃO ESPERAVA - Tinha comentado sobre possíveis comentários do século XXI  sobre Sierva Maria de  Todos  Los Angeles ser uma marquesinha que se branca só tinha a pele, né? 

Pois vendo um pouco da recepção do livro no YouTube e esse "detalhe" não foi mencionado, já o fato dela ter doze anos e seu amor ser um homem adulto e isso não é passado com crítica pelo Gabo sempre aparece e por essa eu não esperava.

Bom, para mim isso não foi problema tão grande assim, principalmente por dois pontos que se entrelaçam no romance  : 1 Gabo se propôs a escrever de um romance histórico mais clássico, ambientado no século XVIII e por isso o que vale são os modos de época e dai temos o ponto 2 : naquele longínquo período colonial  essa diferença de idade não era um escândalo,  a ideia de infância era mesmo outra (sim, existe uma história da infância) não tanto quanto a presença ou ausência do demônio na vida das pessoas. 

Ou seja, discutir isso é colocar uma perspectiva válida para nossa época  como mediadora de uma história do século XVIII, Sei lá, não gosto muito!

 Na faculdade de História a gente aprende que o passado é como um país estranheiro, nele as pessoas fazem coisas de um jeito diferente do que nós fazemos:


 

 

Teve live com Itamar Vieira Junior e Milton Hatoum

Eu adoro lives com escritores que gosto de ouvir, para saber delas eu uso Instagram, mas essa foi rapidinha  no Facebook, adorei.
Falaram da literatura brasileira contemporânea, com muitos autores brilhando e isso foi lindo!
Itamar, a simpatia em pessoa, comentou a causa do protagonismo feminino em "Torto Arado", afirmando que há personagens masculinas fortes, mas ele não tem culpa se ficaram ofuscados pelo brilho das protagonistas! 
Ai Milton, que é gentil e humilde,  se colocou no grupo da velha guarda dos contemporâneos, comentou muito sobre o trabalho de Itamar, que ficou lisonjeado e disse "nunca imaginei que Hatoum, um escritor referência para mim, iria comentar meu trabalho com tanto carinho":


Ai, em resposta a uma pergunta do chat em que o chamaram de professor, Hatoum negou a posição e citou Rosa: 
E o mediador da conversa, um português, comentando: agora sim, Hatoum citou Guimarães Rosa, estava sentindo falta, um dia ele nos explica esse fascínio por Rosa. Os dois autores deram risada, porque nem precisa explicar...

Delicia ter a oportunidade de ouvir nossos escritores em tempo real ! AMO!

domingo, 9 de maio de 2021

Eu público da sambista Natália Nagê


 No Instagram ela divulgou um show e eu apareci na foto, tirada na Casa das Caldeiras em janeiro de 2020. Adoro estar no meio da gente do samba 😍