terça-feira, 31 de agosto de 2010
domingo, 29 de agosto de 2010
MOVIMENTO VIOLÃO, DE PAULO MARTELLI - EXPERIÊNCIAS DO SUBLIME
Entendi que estávamos no processo do Poema e Martelli, com a ajuda de Bach, só viria ratificar isso.
Paulo Martelli continuava a elegância em pessoa!
Mas desta vez ele estava incrivelmente mais acessível, querendo conversar com as pessoas sobre violão clássico, responder perguntas, contou coisas lindas sobre o cuidado em experimentar novas maneiras de melhor tocar um compositor barroco,que envolviam a forma do violão; o aumento do número de cordas de 6 para 11 e a substituição das cordas tradicionais por uma certa linha de pesca japonesa, que adensavam o som e, acreditem, no interesse em aprender as danças barrocas para as quais as suítes eram feitas, o que o colocava em contato direito com o ritmo possível, ele está experimentando esse violão:
E o mais bonito : ele disse ser filho de mãe analfabeta, ouvinte de música caipira, tendo irmãos que enveredaram para o rock, etc... ele amava o clássico e achava importante existirem, aqui no Brasil, pessoas que tocavam Bach bem, porque essa idéia de acreditarmos que isso não era para nós não era verdadeira! EU CONCORDO!Me identifiquei imensamente quando ele falou algo assim:que quando tocava Bach sempre pensava "Nossa, que lindo isso e eu posso entrar em contato com essa manifestação musical das maiores da humanidade e isso não tinha preço". Sinto mais ou menos isso com o Rosa, não que eu tenha lido todos os autores, nem que eu ache que Rosa seja algo mundial como Bach, mas no contexto do Brasil, não conheço nada próximo, estou em contato com a ARTE PURA, coisas para poucos... que lindo Martelli!Bom, o concerto eu já sabia que seria maravilhoso, mas não imaginava o prazer de ouvi-lo como se eu estivesse sendo introduzida como um elemento constitutivo do universo divino de Bach.Um sonho meu, que guardava escondido aqui dentro de mim, desde que eu ouvi Martelli tocar a primeira vez, foi realizado! Quanta gente não vive a vida toda sem realizar nunca um desejo? Estou super feliz!
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
No ritual do Poema
Esta semana a Praça do Relógio virou mesmo a FLORESTA NEGRA (a dos contos de fadas) sob uma escandalosa lua cheia, falamos das experiências da temporalidade no poema e - como sempre acontece quando entramos no ritual POEMA - tudo ao redor mudou, gente viu coisas maravilhosas acontecendo no mundo, como se vissemos tudo como se fosse a primeira vez e a vida falava mais alto que a linguagem, assim como acontecia nos primeiros anos de nossas vidas-então abriram-se os portais do "devir criança".
A última vez que experimentei isso foi quando fui aluna do Claudio Willer em 2006 e recebia serenatas de violino na Paulista, ou vivia toda uma história de amor no tempo imediato do metrô...era a experiência do poema atuando na minha vida e fazendo tudo estar em movimento!
Desta vez nós VIMOS ATÉ UMA LAGARTA no meio do caminho e eu pude até perguntar, como no poema de Bandeira:
"-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?"
E alguma esfera de comunicação partiu dele, como se me informasse: "A gente começa a experiência poema"
Eu acho que mereço, merecemos pois sempre foi esta nossa busca!
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
24 DE AGOSTO : DIA DA INFÂNCIA
No site da FTD somos lembrados não só da alegria infantil, como também da situação das crianças no Brasil:
"De acordo com a Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância, 62 milhões de brasileiros têm menos de 18 anos. As crianças são especialmente vulneráveis às violações dos direitos, à pobreza e à iniqüidade no País.
O índice de pobreza infantil é de 44% no Brasil, passando a 78% entre as crianças negras. Mais de 70% das crianças pobres nunca foram à escola durante a primeira infância. Há 800 mil crianças de 7 a 14 anos fora da escola.
De cada 100 alunos que entram no ensino fundamental, apenas 59 terminam a 8ª série e, destes, somente 40 concluem o ensino médio. A evasão escolar e a falta às aulas ocorrem por diferentes razões, incluindo violência e gravidez na adolescência. "
terça-feira, 24 de agosto de 2010
O Trabalho do POEMA
domingo, 22 de agosto de 2010
SEM TERRINHA EM MOVIMENTO
Sobre o Guimarães Rosa - que é obviamente meu maior interesse nesse tema- com a fala de um menino sem terrinha no começo do vídeo "sonho muita coisa boa, mas que acontece é o contrário do que eu sonho", me lembrei do texto do Alfredo Bosi, claro... Céu/inferno, onde ele defente que em Guimarães Rosa é possível transcender a miserabilidade do real, mas em Graciliano Ramos os sonhos são sempre sonhos e a realidade é sempre pior... são momentos do sertão, são momentos...
sábado, 14 de agosto de 2010
"A Recepção crítica de João Guimarães Rosa na França" 03/08/2010, com Jacqueline Penjon da Universidade de Paris-Sorbonne Nouvelle
Segundo ela, estudar o problema da recepão de uma obra literária no estrangeiro SIGNIFICA ESTUDAR O POTENCIAL DE SIGNIFICAÇÃO QUE A ELA FORAM SENDO TRIBUÍDOS pelos críticos, tradutores, intelectuais e, enfim, leitores...A professora apresentou este problema para a França, que recebe a obra de Guimarães Rosa dividida em duas fases principais ocorridas nos anos 1960 e depois a partir de 1980.
Nos anos 1960 o português era tomado como um anexo do espanhol e o Brasil tinha uma imagem de país pitoresco, regional, desequilibrado socialmente, que se sobressaia no território de tensões do terceiro mundo. Já nos anos 1950 os autores brasileiros que eram lidos na França (pouco lidos, na verdade...) eram os que tinham escrito obras que reforçavam essa expectativa: Jorge Amado; José Lins do Rego; Graciliano Ramos etc. Mas como Guimarães Rosa não bailava essa dança, um texto de jornal chegou a comentar que os franceses queriam mais "vida real", não "tanto lirismo"...Mas entre 1948 e 1951 Guimarães Rosa esteve na França como diplomata e já era reconhecido escrito aqui no Brasil por Sagarana (1946). Em 1947 escreve em carta que o período que passou pela França serviu-lhe como o tempo de FECUNDAÇÃO E GESTAÇÃO de novos personagens e livros, em uma espécie de de "ENCONTRO CONSIGO MESMO." (isso seria o ouvir a tal voz interior? Acho que sim)
Parte do "Diário de Rosa em Paris" está publicado em Ave Palavra, no qual ele afirma que ali suas leituras mais frequentes eram as dos clássicos da literatura, até que ele pudesse, enfim, reescrever Sagarana, que só teria sua versão brasileira definitiva em sua 5a. edição.
Para essa época uma coisa interessante aconteceu com os livros de Rosa pois somente cinco anos separavam a publicação de Corpo de Baile no Brasil em 1946 da tradução francesa de Buriti de 1951. A partir de meados dos anos 1960 e em todos os anos 1970 a França viveu o fascínio pela Literatura Latino Americana, que trazia à tona o "realismo fantástico", mas que foi um movimento do qual o Brasil ficou fora, mas esse desinteresse pela literatura brasileira já vinha do século XIX.
O conhecido tradutor de Rosa para o francês Jean-Jacques Villard - alvo de muita polêmica, mas que tinha total aprovação de Rosa...ele declarou, em uma carta a Rosa, que para traduzir o Buriti ele utilizou muito um dicionário da bisavó dele (que era brasileira), pois o Rosa utilizava muitas palavras que não estava mais "em uso" no Brasil! (como meus alunos escreveram sobre o Rosa "palavras que falavam antigamente"...)
Quem conhece a relação de Rosa com seus tradutores -pelas cartas é perceptível-,sabe que ele sempre os encorajava e pedia muita ATENÇÃO AOS ASPECTOS SONOROS, POIS O QUE IMPORTAVA ERA O SIGNO, NÃO APENAS SINGNIFICADO (e eu penso que também não apenas o significante também)...Os tradutores tinham que TENTAR RETOMAR OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO DO AUTOR. ADORO ISSO! ADORO!
A conclusão de Penjon é de que o leitor francês sempre se sentiu "estrangeiro" no sertão de Guimarães Rosa e o Brasil que ele apresentava em suas obras - conforme eu ja falei - não era o Brasil que o francês queria encontrar. Isso foi percebido por Rosa, que escreveu uma carta a Villard em 1967 onde declarava que sabia que o leitor francês era um alguém MUITO AFASTADO DO MUNDO MÁGICO.
A partir dos anos 1980 o protuguês passou a EXISTIR na França, como uma língua não mais relacionada ao espanhol e já existiam até tradutores profissionais e isso foi bom para o Rosa, que tem textos que "RESISTEM À DOMESTICAÇÃO E EXIGEM SEMPRE UMA FLUIÇÃO DE LEITURA QUE DEVE IMITAR O ATO DO 'SE LAMBUZAR' DA LINGUAGEM (ela usou essa expressão exata).
Soube, também, que nos anos 2000 temos até uma pesquisadora que estuda o tema infância na obra de Rosa, como eu! (precisei olhar para França para achar isso!)...Assim caminha minha pesquisa...
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
História como missão
Nicolau Sevcenko encontrou no estudo da história o caminho para defrontar-se com os enigmas de seu passado
Publicado em 06 de agosto de 2010
TAGS: A Revolta da Vacina, Entrevista, história, Nicolau Sevcenko
Wilker Sousa
Nem todos podem se gabar de terem feito do desejo pessoal o fator preponderante na escolha de uma profissão. Ainda mais raros são aqueles capazes de fundir trajetória pessoal e profissional de tal modo a tornar obscura a fronteira entre elas. Separar Nicolau Sevcenko da história não é tarefa das mais fáceis. Nos idos da Revolução Russa, seu avô – oficial do exército daquele país – lutara ao lado dos tsaristas contra os bolcheviques, o que incutiu em sua família uma série de infortúnios que se arrastou por gerações. Forçados a fugirem do país, ante a implacável perseguição das tropas stalinistas, os Sevcenko perambularam por diversos países; muitos foram dizimados, outros conseguiram refúgio em regiões remotas como o Brasil. Embora distante dos olhos de Stalin, sua família aqui permaneceu sob o signo do medo, confinada em seu mundo particular. Uma vez firmada residência em terras brasileiras, optou-se então por bloquear esse passado, o que despertou a curiosidade do jovem Nicolau pelo estudo da história, na tentativa de desvendar aquele enigma pessoal.
Somado à busca por compreender o passado familiar estava o interesse por conhecer a cultura brasileira, da qual fora igualmente privado nos primeiros anos de vida. Tornou-se então uma referência na articulação entre o pensamento historiográfico e a cultura do Brasil, como atestam as obras Literatura como Missão: Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República (1983), Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo Sociedade e Cultura nos Frementes anos 20 (1992) e A Revolta da Vacina (1983), cuja reedição chega às livrarias neste mês. Professor titular de história contemporânea na USP, acumula também experiência internacional, tendo lecionado nas universidades de Londres, Georgetown e Illinois, além de ser atualmente professor na célebre Universidade de Harvard.
Nicolau Sevcenko nos recebeu em sua casa no bairro do Belém, em São Paulo, onde vive na companhia de sua mulher – a artista plástica Cristina Carletti –, além de 12 gatos e dois cachorros: Tobby e Biruta, uma simpática vira-lata que anda em movimentos circulares. E não seria exagero dizer que aquela residência parece ser uma extensão de sua estreita relação com a história. Construída por arquitetos normandos em 1920 por ocasião do surto industrial paulista, preserva em sua fachada e interiores os resquícios de um passado com vistas a ser demolido pela desenfreada especulação imobiliária. Felizmente ainda nos resta quem deseja mantê-lo de pé.
CULT – O passado de sua família teve influência na sua escolha por estudar história?
Nicolau Sevcenko – Paradoxalmente, eu acho que sim porque meus familiares têm uma história muito trágica por serem refugiados políticos. Eles deixaram a Rússia literalmente fugidos, deixando para trás tudo o que tinham para poder comprar o direito de fugir e de sobreviver. De modo que, quando vieram para o Brasil, este era o lugar mais remoto do mundo, onde seria mais difícil encontrá-los. Sempre houve uma preocupação na família em bloquear esse passado. Havia uma instrução direta para os filhos das novas gerações nunca usarem o sobrenome, nunca dizerem quem são nem de onde vieram. Mesmo em casa, mantínhamos as cortinas fechadas, como uma espécie de blindagem em relação ao mundo externo. Então me acostumei a não cogitar, a não perguntar nada. Quando hoje penso por que fui fazer a opção por história, que é totalmente incomum na minha família, sem dúvida foi decisiva essa espécie de curiosidade sobre o passado longamente obscuro na minha memória.
CULT – O senhor perdeu seu pai aos cinco anos e foi obrigado a trabalhar desde cedo. Quais lembranças o senhor guarda daquele tempo?
Sevcenko – Eu e meu irmão nos tornamos órfãos de pai quando eu tinha cinco anos e ele sete. Então, nos pusemos a ajudar minha mãe a manter a família, porque, pouco tempo depois da morte do meu pai, ela também perdeu o emprego. Aí eu e meu irmão entramos no sistema informal e nos especializamos na coleta de metais para a reciclagem. Nós morávamos na zona leste de São Paulo, próximo ao Vale do Tamanduateí, onde estavam instaladas as primeiras grandes montadoras de automóveis. Elas jogavam toda a sucata industrial nas margens do rio, então nós íamos até lá, fazíamos a seleção e coletávamos os materiais que tinham valor para reciclagem.Era uma loucura. Imagine duas crianças subindo o vale do rio até a parte de cima do planalto da Vila Prudente e depois arrastando aqueles carrinhos o bairro inteiro, carregados de zinco, cobre, chumbo, latão, metais incrivelmente pesados, e a gente fazia isso como nossa rotina de vida.
CULT – E quais as marcas que essa experiência deixou em sua vida?
Sevcenko – Foi algo que tornou minha infância e adolescência incrivelmente penosas, mas ao mesmo tempo me deu essa contrapartida de endurecer o espírito no sentido de dar a ele a força, a energia e o ímpeto necessários para uma conquista intelectual e pessoal. Meu irmão se tornou engenheiro e eu construí uma carreira de historiador. Em nossa família, praticamente todos os outros tinham a orientação para a área das engenharias e das tecnologias aplicadas; fui o único que caiu para as humanidades. Obviamente isso causou uma certa crise familiar porque eles não entendiam e achavam que era uma opção completamente irresponsável. Durante um tempo fui estigmatizado, praticamente excluído do convívio familiar, até que começaram a aparecer notícias de um certo sucesso que deixou todo mundo muito surpreso e restaurou um pouco da minha respeitabilidade no núcleo familiar. Hoje em dia, a situação está muito mais tranquila e cordial.
CULT – Como seus pais eram refugiados políticos e pretendiam voltar para a Rússia, imagino que não havia uma assimilação da cultura brasileira em sua casa. Como foi seu contato com nossa língua e cultura?
Sevcenko – Você tem toda razão. Eles não tinham essa perspectiva de ficarem aqui como imigrantes. Era uma situação de transição e, no fundo, a grande expectativa era que o governo soviético fosse colapsar em algum momento. Eles não tinham a preocupação de criar raízes aqui, então não se deram nunca ao empenho de aprender a língua portuguesa, de assimilar a cultura. Nós fomos educados em russo e com as instituições características da cultura russa, e isso foi um problema muito grande para nossa integração aqui. Quando me dei conta de que as crianças com as quais eu brincava falavam outra língua, me queixei para minha mãe dizendo que eram todas estrangeiras e ela pela primeira vez falou: “Não, estrangeiros somos nós”.Como eu não aprendia a língua portuguesa em casa, tinha que aprender com as crianças. E elas eram cruéis: sempre ensinavam palavras que pudessem me causar algum constrangimento, o que me deixou por muito tempo muito inseguro com o uso da língua. Acredito que isso também contribuiu para que eu me tornasse especialista em história e cultura brasileira, na tentativa de entender o que para mim também era um grande enigma.
CULT – Deve ter sido penoso…
Sevcenko – Há também um outro aspecto da minha cultura familiar. O fato de eu ter nascido canhoto era visto como uma perversão do ponto de vista legal e também como um pecado segundo a Igreja. Isso fez com que minha mãe, contra sua vontade, por muito tempo amarrasse minha mão esquerda nas costas para me forçar usar a direita, o que acentuou uma condição de dislexia. Não a culpo, mas isso criou para mim uma condição irreversível, razão pela qual sou assim gaguejante, me faltam palavras óbvias, o que, para quem é professor, é problemático.
CULT – Muito de seu trabalho tem como base a articulação entre história e literatura. Essa abordagem encontrou resistência entre historiadores?
Sevcenko – Quando fiz minha pós-graduação nos anos 1970, no auge da ditadura, os grandes temas eram história econômica e história política. Eu tinha acentuado interesse pela questão cultural, o que não pegava bem porque parecia ser uma alienação do foco do debate e, nesse sentido, eu era percebido como uma presença que estava tirando o foco das discussões e despolitizando o ambiente. Quando formulei o projeto de doutorado, que daria o livro Literatura como Missão, as pessoas do Departamento de História em geral se acercaram de mim para dizer que aquele tipo de trabalho era incompatível com a pesquisa do departamento e que eu devia procurar o Departamento de Letras. Os responsáveis pela da área de Letras, por sua vez, encaminharam o projeto para o Departamento de Sociologia, que o encaminhou novamente para o Departamento de História. Então completei o ciclo e voltei, meio que contra a maré. Mas, na ocasião da defesa, a banca composta por professores consagrados [Sérgio Buarque de Holanda, Boris Schnaiderman, entre outros] me deu uma resposta tão favorável ao trabalho que pela primeira vez começaram a cogitar que talvez houvesse alguma coisa relevante.
CULT – O senhor possui quase 25 anos de experiência em universidades do exterior. Como analisa o interesse dos alunos estrangeiros pelo estudo da história brasileira e latino-americana?
Sevcenko – A sensação que tenho é a de um interesse contínuo que cresce mais ou menos como cresceu a projeção internacional do Brasil nestas últimas décadas. Houve um momento em que havia uma projeção cultural muito significativa, mas não havia, em contrapartida, uma compreensão do processo de desenvolvimento econômico e de remodelação da sociedade brasileira.
Hoje em dia, porém, sobretudo nos Estados Unidos, onde há um sentido muito forte de se entender a universidade como um ambiente profissionalizante, há uma enorme parcela da juventude que se interessa por trabalhos de sentido social ou ecológico ligados a ONGs. É esse o público que procura os cursos ligados ao Brasil ou à América Latina e que, de maneira geral, tem uma sensibilidade muito aguçada para a questão social, para a democratização, urbanização e melhoria das condições de vida das populações carentes.
CULT – De modo geral, a percepção do exterior com relação à história do Brasil é ainda marcada por estereótipos?
Sevcenko – Cada vez menos. Eu diria que a mídia sempre traz essa visão mais simplificada e redutiva, mas é claro que no ambiente universitário o interesse é sofisticar e qualificar essa visão. Hoje em dia há pessoas nos Estados Unidos e no Reino Unido que conhecem aspectos da realidade brasileira em profundidade e são capazes de discutir em igualdade de condição com os melhores cientistas sociais brasileiros.
CULT – Em comparação a essas universidades, qual a posição do Brasil com relação ao ensino da história?
Sevcenko – O Brasil tem um conjunto muito rico e diversificado de escolas historiográficas. Temos a influência francesa, especialmente na Universidade de São Paulo, a forte influência britânica na Unicamp e, de uma maneira mais equilibrada, a força de universidades no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Por toda parte há importantes centros de estudos históricos e encontros regionais e nacionais de historiadores que mantêm o debate em linha de conta com o melhor da produção internacional. Eu me sinto muito orgulhoso de pertencer à comunidade dos historiadores brasileiros e acho que o reconhecimento que encontrei fora do Brasil é justamente devido à qualidade da historiografia brasileira, não só da USP, mas desse grande contexto nacional.
CULT – Passemos, então ao livro A Revolta da Vacina. No prólogo desta edição, o senhor afirma se tratar de “um livro amargo”, dado o contexto em que foi escrito, em plena ditadura militar. O senhor acredita que muito do ímpeto de indignação característico daquela geração cedeu lugar à acomodação, à manutenção do status quo?
Sevcenko – É obviamente uma impressão pessoal porque eu venho de uma geração que lutou contra a ditadura militar, contra o obscurantismo da censura e da repressão. A juventude era estigmatizada como uma força turbulenta e “baderneira”, pois não se podia viver com espontaneidade a condição de ser jovem. Nós tínhamos a expectativa de que, quando a ditadura acabasse, toda essa enorme massa crítica ia se traduzir em um projeto de transformação do Brasil, traduzir-se em uma sociedade distributiva, democrática e inclusiva, mas absolutamente não foi isso que se deu.
O país tomou a linha de um conservadorismo que se instaurou no mundo a partir de meados dos anos 1970, em especial a partir da liderança de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, responsáveis por trazer esse discurso que hoje domina o planeta. Então foi terrível ver toda aquela corrente de crítica, de indignação e de esperança acabar sendo reduzida a essa plataforma conservadora, representada pelas forças políticas que se tornaram hegemônicas na sociedade civil após o fim da ditadura militar.
CULT – Atualmente, o verbo “revoltar-se” tornou-se sinônimo de “nostalgia tola”?
Sevcenko – É triste, mas é. O verbo “revoltar-se” foi muito incorporado pela indústria, pelo mercado, pelo marketing no sentido de se fazer da revolta uma espécie de atitude fashion. Ser revoltado é o modo esperto de se assumir a juventude, aquilo que na linguagem do marketing se chama atitude. Infelizmente tudo a ver com roupas, marcas e estilos, nada a ver com conteúdo e substância. Até a revolta se tornou mercadoria.
CULT – À época da Revolta da Vacina, já se mostraram ineficazes os meios de se lidar com nossas mazelas sem se preocupar efetivamente com a raiz do problema. Passados mais de cem anos, ainda não aprendemos a lição?
Sevcenko – Quando escrevi o livro, eu o dediquei aos mortos da tragédia de Vila Socó, ocorrida em 1983, em Cubatão. Naquela ocasião houve um vazamento nas redes de distribuição de derivados de petróleo das refinarias e a população pobre da região foi se abastecer daquele combustível precioso. A favela se expandiu em cima das áreas ensopadas e as poucas pessoas que tentaram fazer alguma espécie de clamor para que a autoridade pública removesse a população dali não obtiveram sucesso. O fato é que ninguém tinha coragem de atacar o problema, muito menos a autoridade pública, pois ela negocia votos. Logo, quanto mais gente morasse lá, mais votos. Então aquilo cresceu exponencialmente até o dia em que virou uma tocha e todo mundo que estava ali foi reduzido a cinzas.
Quantas dessas tragédias anunciadas no Brasil se tornam moeda de negociação política? Por que proliferam essas construções em áreas de risco, onde qualquer alteração das condições atmosféricas ou do regime das águas vai causar uma tragédia? Porque justamente são áreas que se valorizam no mercado informal e atraem uma grande quantidade de pessoas, tornando mais fácil para as autoridades criar um sentido de negociação. Tolera-se que se assentem lá e isso significa que estarão em dívida e, portanto, terão que respaldar essas autoridades nas eleições.
CULT – O senhor acredita que por trás do discurso assistencialista à pobreza está, sobretudo, o desejo de preservá-la enquanto elemento essencial para a manutenção do nosso sistema político?
Sevcenko – Sim, é isso que eu chamo de política assistencial remediadora. Não se quer eliminar a pobreza. O que se quer é um modo de se administrar a desigualdade para que ela se torne uma estrutura de manutenção do status quo político. Status esse que prevalece no país e não é muito diferente daquele que ensejou a Revolta da Vacina no início da República. Se então pensarmos ou na Revolta da Vacina ou na Vila Socó ou nas enchentes desencadeadas do sul até o extremo norte do país, estamos vendo o fenômeno em uma estrutura que se mantém a mesma, por mais que se diga que há um discurso de reforma e de transformação social.
CULT – A exemplo do que foi feito nos primórdios da Primeira República, o Brasil ainda busca ocultar a todo custo o flagelo da escravidão?
Sevcenko – Eu acho que sim. Ela é na verdade a nossa herança maldita, a nossa dívida social que o país não consegue contemplar. Essa estrutura retrógrada praticamente nunca foi confrontada e nunca foi substancialmente transformada na passagem do período monárquico para o período republicano. Quando se objetivava fazer a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado, optou-se imediatamente pelo trabalho assalariado do imigrante europeu, deixando completamente à margem toda essa enorme população egressa da escravidão, como uma espécie de um estorvo social. Fica muito evidente, no contexto da Revolta da Vacina, como o país não tinha uma resposta para sair da escravidão na direção da construção de uma sociedade integrada, equilibrada e distributiva.
Se olharmos para a história subsequente e pensarmos na condição dos trabalhadores sazonais hoje em dia – como os cortadores de cana que trabalham em condições subumanas, arrastando em suas costas o sucesso do agronegócio brasileiro –, veremos que não estamos tão longe assim das condições de escravidão. Infelizmente o quadro é de profunda indignidade. E dizer que este país é todo dedicado à promoção social hoje em dia? Isso não só é uma inverdade, mas uma afronta."
Pois então, galera, o mais interessante é que casos assim (de pesquisa algo que resgate alguma coisa do seu passado pessoal) é mais comum de se ver entre os historiadores do que pode parecer... eu mesma sou um exemplo: por que as crianças migrantes? As abandonadas? As sem narrativas? Pois é, minha terapeuta enxerga profundas ligações deste tipo na minha pesquisa...
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Na feira do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
— "O melhor divertimento para as crianças!"
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.
No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.
Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.
Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.
Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.
O vendedor infatigável apregoa:
— "O melhor divertimento para as crianças!"
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo e espanto.
domingo, 8 de agosto de 2010
1o. ENCONTRO DE DE PRODUÇÕES LITERÁRIAS E CULTURAIS PARA CRIANÇAS E JOVENS- PINÓQUIO E ALICE
Nas tardes entre 03 e 05 de agosto de 2010 eu assisti ao envento promovido por um grupo de estudos sobre Literatura infanto juvenil aqui na USP. Assisti quase tudo ( só não via os filmes), porque queria mesmo era ouvir de que falavam os pesquisadores e me surpreendi para o bem com a densidade das pesquisas sobre os livros clássicos "Alice no país das maravilhas" de Lewis Carroll e "As aventuras de Pinóquio" de Carlo Collodi .
Vou escrever sobre momentos que eu pensei serem os mais reveladores do evento :
No dia 03/08 me encantei com a exposição de edições desses livros, muitas delas, de todos os tamanhos, formas, cores... fotografei tudo o que eu pude! Também Me encantou um livro enorme de pano, em forma de colchoado, onde vimos Alice e Pinóqui juntos! Depois começaram as palestras... a pioneira no tema na USP- Professora Nelly Novaes Coelho - falou um discurso lindo, apaixonado da literatura, como um fazer 'de ser humano' para 'ser humano', que não está submetido a tempos determinados e que isso também pode - e deve- tocar a sensibilidade das crianças. Foi a professora Nelly quem começou introduzindo o significado de abordarmos conjuntamente essas duas obras: ambas falavam eram releituras de um arquétipo literário - a viagm do herói - e por isso sobrevivem e se multiplicam em diversas linguagens. No caso de Alice, estamos diante de um forte questionamento da razão vitoriana, a partir da consideração da perspectiva de crianças, mais tarde um questionamento semelhante - mas para adultos - será apresentado por Kafka. No caso de Pinóquio essa viagem seria "iniciática", pois a personagem se transforma até fisicamente, e sua história foi escrita em um momento alegre da Itália - final das guerras - e a necesidade era produzir histórias didáticas e moralizantes.Neste dia eles exibiram o filme "Pinóquio", de Roberto Benigni -que é considerado como um dos piores filmes italianos. Será mesmo? Não assisti! Mas à tarde tivemos uma mesa redonda interessantíssima entre João Gomes de Sá (um escritor que adaptou Alice para o cordel) e o ilustrador Odilon Moraes.
Sobre João Gomes de Sá eu pensei ser uma das participações menos ricas do evento, porque ele começou sendo bem deselegante - dizendo que não gostava de ilustradores, mas elestava ao lado de um!- e apresentou uma leitura bem rasa de Alie, quando disse, mais de uma vez, que ela nunca sofria pelo indeterminado da história (não acho mesmo que isso seja verdade! Alice sofre, sim, ela chora várias vezes, mas o que ela não faz é drama!). Essa leitura dele é ligada à idéia da "criança sempre alegre", da "criança fofinha", que já sabemos não ser verdadeira (vide Freud) e muito menos a noção da criança como uma página em branco a ser preenchida, que partir de um pré positivação da educação formal, desconsiderando tudo que a criança já é antes disso!
Já Odilon Moraes apresentou leituras bem mais interessantes das obras! Para ele, talvez, a tradução do nome Wonderland como "país das maravilhas" é uma das possibilidades, mas significa iluminar apenas um lado da infância e escurecer outro sentido da palavra "wonder", que é inquietação (até o fim do evento vamos ver outras traduções para wonder, diferentes de maravilha). Pensar na criança como o ser que vive no mundo das inquietações é muito interessante para mim! Mas ele lembrou que não só as crianças são inquietas, todos os que tocam o espaço de potência poética da estranheza são banhados de inquitação.Eis uma belíssima conceituação de infância. Mas o mais interessante da fala dele para mim foi a leitura que ele apresentou de Pinóquio, como a alegoria da "morte da infância", isso porque todo o conteúdo moralizante da obra (o processo de aquisição da "roupagem ocidental") apresenta como iminente a morte do que é "criança". O interessante é que ele falou de uma leitura imagética onde o boneco -que está na vivência errática da criança- não se transforma em menino e deixa de ser boneco, ele aparece e o boneco fica de lado, esquecido. Acho isso lindo e verdadeiro. Se considerarmos isso, sempre é possível resgatar o boneco esquecido. Lindo!
No dia 04/08 tivemos uma palestra de Mauricio de Sousa sobre adaptação de clássicos. Na
verdade ele falou bem pouco de adaptação, falou muito mais da história de sua produção. Em um momento alguém pergunto sobre a opinião de uma mãe- que dizia que essa infância da qual ele tratava já não existe mais- ele disse que existem, sim, crianças, mesmo essas que estão usando as "cascas" urbanas e os seus questinamentos permanecem, pois são humanos.
Uma questão que reapareceu várias vezes neste dia foi sobre o que significa "ser boneco", porque pensamos na Emília, que por ser boneca, podia falar o que queria falar e a criança é um ser em processo de modelagem social, que está "aprendendo" os valores morais. Será que os reais 'bonecos' não somos nós, os que nunca tem sua voz ouvidas?
No dia 05/08 O mais legal que eu vi neste dia foi a palestra de Andréa Simão sobre adaptação de literatura para o cinema, ela explicou que para o cinema o que importa é a dinâmica 'ação/consequência" e que uma história como "Alice no país das maravilhas" tem o seu melhor justamente na ideterminação dessa dinâmica, então seria um tanto quanto violento adaptá-la, como fez Tim Burton. Ela falou, também, que essa racionalidade cinematogáfica de "causa e consequência" eliminava a reflexão e etava cada vez mais produzindo gente estranha.Uma pena é eu não estar na sala dela (estava assistindo por vídeo conferência), se não eu teria perguntado o que ela pensava da adaptação do livro Lavoura Arcaica de Raduan Nassar, que é muito criticada, mas que eu adoro, porque é levantar a bandeira do leitor do livro escrito.Ainda sobr cinema, ouvimos uma moça falar da relação entre o Pinóquio e o robô do filme A.I.,um filme idealizado por Stanley Kubrick e dirigido por Steven Spielberg, que é completamente inspirado na história de Pinóquio. O interessante foi que todo mundo teve que admitir ter CHORADO MUITO NO FILME DO ROBÔ PROGRAMADO PARA AMAR, MAS QUE NÃO CONTOU O AMOR DE NINGUÉM! (RS)
Mais adiante tivemos algumas das falas mais interessantes do evento: Alice apareceu não mais no "pais das maravilhas", mas sim no "pais do querer saber" (isso não é muito infância?) e por isso põe à revelia a lógica tradicional.
Outras pesquisadoras trataram da escritura de Alice - a linguagem labiríntica- onde atuam o Nonsense (que é trazido pela potencialização do ritmo, do som, que acabam por instituir novos sentidos através de uma outra ordem, a da brincadeira, do lúdico que produz estranhamento) - e do paradoxo que aposta na existência de dois sentidos ao mesmo tempo (o que é uma leitura da vivência infantil, que é grande para algumas coisas e ao mesmo tempo pequenas para outras, e o campo da brincadeira está exposto nos jogos sintáticos de Carroll, onde expressões aparentemente opostas podem ter o mesmo significado. Ainda sobre o texto de Carroll foram apresentados os chamados "Pequenos labirintos" 1o. CAMINHOS DIFERENTES E MESMA SAÍDA; 2o. CAMINHOS DIFERENTES E SAÍDAS DIFERENTES e 3o. PERDER-SE NA TRAJETÓRIA. No fim do dia, que também era o fim do evento todo, eu fui sorteada e ganhei o livro "As caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato e eu fiquei querendo MUITO MAIS!
Parabéns aos organizadores do evento e a todos os participantes!