segunda-feira, 26 de abril de 2021

Quantos livros você lê por mês? E isso importa? por Rodrigo Casarin


 Esse texto é sensacional e desafiador, copiei daqui.

Por meio de alguma rede social que o escritor Miguel Sanches Neto me disse: só podemos ler de verdade o livro que desejamos, de fato, ler. Eu comentava sobre as pilhas de leituras que crescem ao redor e da alegria de ter um tempo sobrando para ler puramente por prazer. Até para defender o meu lado, tendo a não concordar com o Miguel. Não plenamente, pelo menos. Há livros e livros, também há formas e formas de leitura. Mas fiquei encafifado com a ideia. Uma coisa não nego: há livros que merecem uma leitura sem prazos ou outras pressões para que possam ser aproveitados da melhor forma possível.

Nos últimos dias andei navegando por "A Jangada de Pedra", romance de 1986 do português José Saramago. Tivesse que ler correndo por qualquer motivo, não curtiria tanto a jornada do grupo de desconhecidos que se aproximam, passam a conviver e lidam com o fantástico descolamento da Península Ibérica do resto do continente europeu. De uns tempos para cá, virou moda falar em devorar páginas e se gabar de ler trocentos títulos por mês. Nada contra os bitolados, mas é tosco dar ares de competição à leitura. Muitos livros exigem certo vagar, uma entrega para se familiarizar com o universo proposto, com o ritmo, a estrutura, a linguagem, algo que não combina em nada com um desafio contra o relógio. Saramago me parece um bom exemplo de autor que exige essa espécie de doação serena. Sei que o papo contraria o imediatismo de nosso tempo. Só que estamos condenados a jamais conseguir ler tudo o que nos indicam, tudo o que surge como grande lançamento, tudo o que é apontado como a promessa da vez, tudo o que já é consagrado e merece a nossa atenção. Não há alternativa. Então, é melhor garantir a liberdade de escolher bem e ter o discernimento para entender o tempo que cada livro merece.

Outro dia, enquanto esperava o São Paulo entrar em campo para me iludir de novo com o futebol, passeava pelo "Sobre a Ficção - Conversas com Romancistas" (Tag/ Companhia das Letras), reunião de entrevistas com escritores feitas pelo jornalista Ricardo Viel - por coincidência, foi o Ricardo que me presenteou com um exemplar de "Jangada de Pedra" publicado pela Porto Editora. No papo com Javier Cercas, ele ouve que a literatura complica a vida dos leitores. "Não diz: a realidade é assim. Diz: a realidade é ainda muito mais complicada do que você imagina. Se te dá todas as respostas, não é literatura. Não sei o que é, mas literatura não é", acredita o espanhol.

Mais pra frente, na conversa com Juan Gabriel Vásquez, Ricardo escuta do colombiano que a história e o jornalismo lidam bem com muitas coisas, mas o romance é mesmo insubstituível. É a arte que "nos permite acessar uma parte da nossa consciência que não conseguimos de outra forma, só podemos chegar a esses lugares de nossa condição humana por meio da literatura de ficção. Ou seja, se Dostoiévski não tivesse escrito 'Crime e Castigo' haveria uma parte da condição humana a que não teríamos acesso".

Aí sim. Para lidar com complexidades muito mais emaranhadas do que supomos e para perambular por esses cantos da consciência, estreitar a relação e respeitar o tempo de cada livro é fundamental.

sábado, 24 de abril de 2021

A marquesinha: emblema dos filhos da colonização?



Comecei a  reler  Do amor e outros demônios do Gabo, ambientado na Colômbia do século XVIII, 15 anos depois e, claro, a percepção é outra. Nesta última semana estive ocupada full time e precisei  interromper temporariamente a releitura no primeiro capítulo. Agora,com esse breve momento livre, paro  para pontuar sua protagonista da , Sierva María de Todos Los Ángeles, filha do marquês de Casalduero, a menina era branca, tinha olhos claros e longos cabelos cor de cobre e estava comemorando seu décimo segundo aniversário. Porque seus pais não se importavam com ela, foi criada entre os negros, sua verdadeira família, e

Sierva  Maria 

"naquele mundo opressivo (da nobreza colonial decadente) em que ninguém era livre, Sierva María o era: só ela e só ali (entre os escravos) a menina se mostrava tal como era. Dançava com mais graça e donaire que os africanos de nação, cantava com vozes diferentes da sua nas mais diversas línguas da África, ou com vozes de pássaros e animais, que desconcentravam os próprios negros. Por ordem da criada Domingas de Adviento, que orientava as escravas mais jovens a pintar-lhe a cara com fuligem, penduravam colares do candomblé por cima do escapulário de batismo e ajeitavam-lhe o cabelo, jamais cortado, que atrapalharia o caminhar não fossem as tranças de muitas voltas que lhe faziam todo dia. Ela começava a florescer numa encruzilhada de forças contrárias..." (p. 20-1)  

Sensacional a descrição da personagem... emblema dos filhos dos da colonização? Talvez! Assim que tiver tempo de novo, volto a ler e comentar esse livro literalmente fantástico.

 

 



 

domingo, 11 de abril de 2021

Sob o olhar do leão (2009), de Maaza Mengister : um romance histórico etíope

 

Edição brasileira Record/Maaza Mengiste ok

Como lembra o crítico literário português Eduardo Lourenço, um romance histórico é uma narrativa ficcional onde o passado é evocado como presente e é disso que se trata este livro, pois embora possa parecer que o romance trate da história trivial  da família de classe média do médico Hailu, sua esposa Selam, os filhos Dawit e Yonas e sua nora Sara e neta Tizita, no desenrolar na narrativa vamos percebendo como esses personagens e suas histórias se envolvem ou não com  seu país. Na verdade eles  é que são o pano de fundo para o verdadeiro tema do livro, que é a História da Etiópia na década de 1970 e a guerrilha autoritária implantada pelo Darg (grupo marxista militarizado)  depois que o poder foi tomado do Imperador. Uma personagem do romance chega a comentar que

“O Derg é quem explora. Eles usam o imperador como desculpa para acabar com nossa liberdade e nossos direitos” (p. 249)   

Sobre esse mesmo tema, com todo o seu terror, eu  já tinha tratado ligeiramente aqui,   quando comentei o maravilhoso documentário “Descobrindo Sally” (2020) , de Tamara Dwait, que trouxe imagens reais, de época e foi muito emocionante,  mas a literatura é outra experiência, é uma linguagem que nos permite conhecer diversos ângulos de cada questão e,  através dela,  podemos “entrar na cabeça” das personagens, saber o que elas pensam, os seus motivos, e sensações. Neste romance experimentamos a vivência do médico e de toda sua familia e,também, a do imperador, que pensa no momento de sua queda eminente  :

“Já fui bem amado de Deus, o Rei dos reis. Fui o Leão Conquistador de Judá, descendente do Rei Dawit.Meu sangue, rico e vermelho, é parente daquele outro Rei dos Reis, o mais amado. Conduzi meu reino em honra ao Seu. Éramos como éramos porque Ele era.  (...) ao filhos abençoados de Sabá se multiplicaram, espalhados por encostas e castelos, enterrados em obeliscos e cavernas, mumificados com tanta perfeição quanto faraós. Etiópia, a mais amada das bem-amadas, ouves os tambores acima das nuvens? Sabes que anjos se aproximam e vêm em tua ajuda?Não haverá mais misericórdia para essa blasfêmia lançada contra nós.(...) o que levou 3 mil anos para ser construído não pode ser destruído em uma noite" (p. 131-4)  

E o mais interessante é observar que esse pensamento de que o imperador seria um predestinado, viria de uma linhagem quase “divina” dos grandes reis que governaram a Terra, estava impregnado no imaginário e nas crenças dos seus súditos, que choram com a notícia de sua queda, talvez prevendo o período de violenta instabilidade que se instauraria a partir de então? A literatura coloca estas questões e outras, como por exemplo, no documentário vimos algumas fotos do traumático “terror vermelho” em que as pessoas (rebeldes ou não ) eram executadas e seus corpos ficavam se decompondo na rua, pois nem um enterro, esses que foram tomados como “traidores da pátria”, mereciam. No romance a gente vê com mais detalhes esse horror e crueldade, chegamos a rondar as ruas pela madrugada com alguns personagens, recolhendo corpos clandestinamente, para entregar os corpos às famílias, em trecho assim:

“Dawit e Sara pararam diante de um menino descalço estendido na estrada de barriga para cima, com não mais de 15 anos. Seu ombro estava deslocado, o rosto inchado, o pescoço quebrado. Um bilhete estava alfinetado à sua camisa de algodão rasgada. SOU INIMIGO DO POVO. MÃE, NÃO CHORE POR MIM, MERECI MORRER". (p.285)

Do outro lado desta multiplicidade de ângulos está a crueza daquela realidade  vivida pela etíope Maaza Mengister, agora reconstruída em sua  narrativa.Ela escreve muito bem, mas não tem pena do leitor, descreve duros questionamentos pessoais como este, cenas terríveis, violentas e tristes como esse trecho que me deixou amargurada um bom tempo:

CENA TRISTE  -Hoje li uma parte muito, muito, muito triste desse livro, em que o médico Hailu tem que atender uma jovem, uma menina como ele a vê, que devia ser uma militante, que foi pega, torturada (não vou dar detalhes porque é bem chocante) e sua visão o leva a se perguntar "em que livro médico ele leria sobre como tratar daquelas feridas? O que ela teria feito de tão terrível para merecer ser apresentada coberta por um plástico transparente como um gigantesco troféu? Horror! A menina, que estava "fora do ar" só sussurrava "abbaye"(papai) e ele, que também era pai, só podia responder "estou aqui". Mesmo sabendo que ele estava, mas não o abbaye que ela procurava em seu desespero.
Poxa!

Tudo isso torna a leitura muito desafiadora, como é tudo relacionado à Etiópia, país que mora no meu coração e sobre o qual é sempre uma surpresa. Lembrando que se trata de um dos dois países africanos que não foi colonizado por europeus,  para pensar a realidades etíope é claro que todo o ideário crítico decolonial que venho construindo a partir do contato com os cinemas africanos, não cabem como uma luva. Etiópia não sofreu os horrores da colonização, mas nem por isso sua história tem menos dor e sofrimentos. São muitas guerras: contra a Somália (a partir dos anos 1940), contra a Eriteia (1968) e muito  violentas, sangrentas, traumáticas como a acontecida contra a Itália de Mussolini (anos 30, que foi vencida pelas tropas “salvadoras” de Hailé Selassié!) e acontecidas há tão pouco tempo, que ainda estavam nas memórias recentes das personagens e das suas famílias no romance. Além da própria guerrilha autoritária  a qual estão sendo submetidos pelos militares marxistas do Darg  à época do romance.

As cenas da atuação do Darg são as mais sangrentas, descrições de torturas executadas por militares que, infelizmente, conhecemos de relatos aqui do Brasil também na década de 1970.

Esse livro eu demorei muito para engrenar a leitura, queria trocar de obra o tempo todo, dai  quando comecei a gostar porque a autora  escreve bem, a coisa começou a ficar cada vez mais violenta, aquela crueldade de tortura militar, um horror, mas depois o capitulo final deu uma boa amarrada na narrativa, gostei muito da experiência, que foi  chocante, meu querido abril, mas necessária para meu objetivo de conhecer melhor outras áfricas que me dizem respeito. Que grande romance, pena que seja apenas para aqueles que têm muita coragem de encarar essa leitura!


quarta-feira, 7 de abril de 2021

RIP Alfredo Bosi: Obrigada!

 




Assisti a um curso sobre Gregório de Matos ministrado pelo Bosi como ouvinte quando escrevia projeto de mestrado em 2004, nele eu, historiadora simpatizante das letras, "aprendi" a ler poemas, mais ou menos assim: aproxima muito, lê em silêncio, lê em voz alta, se lambuza dele, depois se afasta para visualizar melhor . Esse "método" simples,.mas eficaz, me ajudou a ler Guimarães Rosa, só que, no caso, de forma amplificada (palavra por palavra) usei pra ler as estórias no mestrado e doutorado.
Me ajudou também a ser uma leitora menos "infantil"(no sentido de estar mais preocupada com a composição literária mesmo) no geral. Muito,muito grata! 💖
Sinto muito mesmo! Pandemia maldita, passa logo








domingo, 4 de abril de 2021

Páscoa 2021: em casa, com mamãe, curtindo The Voice+

 

Nosso almoço

Juntas

Meu sorriso aberto



D. Catarina 

Fran Marins

Ludmilla, que só brilhou esse Fim de Semana    

Dudu França

Sueli Rodrigues, uma das minhas favoritas

Leila Maria: charme do jazz!

Vera do Canto e Mello: Classe e elegância

Vera e Zé: Dois finalistas maravilhosos!

Zé Alexandre, meu favorito e vencedor!

Leila Maria cantou quaquaraquaqua, amei

Viva Elis, viva Baden
Lindos <3

mamãe, na Pascoa


última do dia 


quinta-feira, 1 de abril de 2021

Lendo uma AUTORA etíope: Memória corporal

 


Venho experimentando ler mais mulheres autoras, como já comentei, e com isso leio trechos que só uma mulher entenderia, como este:

MEMÓRIA CORPORAL -"Sara tocou a cicatriz e traçou um caminho até sua barriga. Havia uma bolsa de calor que ainda mantinha a forma de 2 bebês que tinham morrido dentro dela. Todos os meses, durante seu ciclo, ela imaginava que sua barriga se contraía e tentava expulsa-los de novo.Em algumas noites, os espasmos eram mais fortes do que em outras. Seu pai teria apontado para sua perna coxa, resultado de um ferimento de guerra, e dito a ela que o que sobra contém suas próprias promessas, que o que fica fará nascer a esperança. Sua mãe teria compreendido sua tristeza, teria sabido, como só uma mulher consegue saber, que ela queima como fogo e permanece no coração. Talvez, ela pensou,  talvez o corpo consiga conter apenas um tanto de determinada lembrança antes de começar a fazer espaço para mais. Talvez seja melhor eu esquecer algumas coisas. Talvez não haja espaço suficiente em mim para pai e mãe, exatamente como aconteceu com aquelas crianças." Maaza Mengiste, "Sob o olhar do leão", p.66

Um parágrafo inteiro como citação ? Sim, pois não é possível cortar nenhum pedaço!