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Um grande presente! |
Em 30 de maio, durante um show do Instrumental, eu ganhei da amiga Katia o tão desejado romance "Luanda, Lisboa, Paraíso" (2018), de Djaimilia Pereira de Almeida, mas só fui ler agora em agosto, com mais tempo para poder mergulhar na leitura mesmo
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Foi uma surpresa tão enorme! Depois de tanto cobiçar e reclamar que não leria ,ganhei esse presente e AMEI num tanto que vocês nem imaginam! |
Da mesma autora eu já tinha lido, há pouco mais de um ano e comentado aqui o maravilhoso "A visão das plantas" (2019), que li em meio a um processo de cura para um coração partido. Com o passar do tempo foi ficando um livro maior e maior, a escrita movediça e poética de Djaimilia (adoro esse nome) me emocionava muito e muito. Achei que a leitura de "Lisboa...", que é maior, ia demorar mais, talvez até o final do ano, mas não ,nesse romance a autora continua poética dando às palavras o valor que merecem, mas escreve de outro jeito.
Lisboa... é um livro premiado, ganhou o Prêmio Oceanos de 2019 e é um romance dos grandes, contando a história de pessoas em constante movimento, é um romance fragmentado como os bons contemporâneos, cheio de telefonemas, cartas, espaços vazios para contar uma história sobre o calcanhar de Aquiles da relação entre Angola e Portugal, ou melhor, entre os angolanos e a Europa, como na própria biografia da autora. Fazia tanto tempo que eu não lia um ROMANCE assim, sem pontas soltas, referências literárias mil, um gosto agridoce na boca todo o tempo. Que experiência essa leitura, meu amigos!
Contando a história da família angolana Cartola de Souza, composta pelo pai Cartola, um parteiro conhecido na cidade, a mãe Glória, e os filhos Justina e Aquiles, eles vivem a tensão familiar entre amor e ódio o tempo todo, porque caem doentes e acabam tendo que se tornar cuidadores uns dos outros. Primeiro Glória fica paralisada na cama após o parto do filho mais novo, que, por ter nascido com um calcanhar malformado
"o pai deu-lhe o nome helênico Aquiles, tentando resolver o destino pela tradição: ' Vale mais nascer grego em terra de troianos do que nascer gazela em terra de leões" (p.9)
Mas para tentar resolver o problema no calcanhar de Aquiles, ele deveria passar por cirurgias na Europa até seus 15 anos e assim foram ele e o pai tentar a vida em Lisboa, a "cidade do progresso", onde viveram toda sorte de inadaptação e preconceito possíveis e imagináveis. O livro é sobre essa viagem e como a família foi se comunicando (ou tentando se comunicar). Justina, a justiça, a filha mais velha, apesar de ser mãe solteira da pequena Neuza, abdicou da vida para cuidar da mãe Glória em meio a miséria e a Guerra Civil angolana pós-independência de Portugal.
No começo Cartola e Aquiles viveram em uma pensão barata, enquanto o dinheiro deu, depois tiveram que se mudar para um local periférico, a tal Quinta do Paraíso, onde conhecem novos personagens e criam nova "família": o quitandeiro Pepe, seu filho Amândio, seu cachorro Tristão e também Iuri, um garoto loiro que era a criança da "família".
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a capa original portuguesa e a bela autora |
UMA AUTORA PORTUGUESA QUE NASCEU EM ANGOLA Lembrando quem é a autora Djaimilia, essa linda mulher na casa dos quarenta anos, percebo como esse livro trata de questões dela, importantes para ela. No seu primeiro livro que li, o das Plantas, ela é apresentada apenas como uma autora que nasceu em Angola. Nesse livro ela aparece como autora portuguesa. É tudo verdade, ela nasceu em Angola, é angolana, mas estudou em Lisboa e escreve como uma portuguesa. Sabe aquele português de palavras cheias e bonitas de um Eça de Queiroz? Gostoso como se tivesse nos contando oralmente? Essa é a escrita de Djaimilia. No entanto seus temas são, quase sempre, os das narrativas pós-coloniais - um dos desafios do século XXI para a escrita da História -, das quais nos falavam autores como Homi K. Bhabha e ela, por si só, é um fruto desse processo.
Como no livro as referências mitológicas pipocam (calcanhar de Aquiles, o cavalheiro Tristão, etc), cabe sublinhar que em seu Dicionário de Mitos Literários (1997), Pierre Brunel, a autora do vebete "mitos africanos" Nicole Goisbeault comenta que os modernos escritores da África negra no século XX, ao se referirem a tradição mítica africana, não raramente criam histórias iniciáticas (míticas), sobre viagens ao ocidente. Citando Goisbeault, entre 1953 e 1968 numerosos "romances de formação" têm como problemática a transformação da África posta em contato com os valores tradicionais (vide, entre outros, o romance "Hibisco Roxo", de Chimamanda Ngozi Afichie, que comento aqui), pelo expediente de uma viagem à Europa ou de uma mudança da aldeia para a cidade. A busca do herói é a do saber penetrar nos segredos do Ocidente indo até lá em busca da prosperidade ou do modernismo, motivado pela curiosidade, ambição e sobretudo pelo fascínio do "mito" de um Europa sábia, rica e feliz, onde tudo parece fácil (sobre isso veja " Pele negra, máscaras brancas", de Frantz Fanon) . As viagens através dos continentes descritas retomam o tema do encontro de iniciadores ou mediadores, mas as provas vividas revelam-se frequentemente intransponíveis e a experiência é mais de desilusão ou fracasso doloroso do que de êxito. Em um mundo estranho, o itinerário se assemelha a uma iniciação fracassada. O choque de culturas dá lugar à expressão de um sentimento trágico. Esse é o cenário deste romance!
IDENTIFICAÇÃO COM AS MULHERES
De alguma forma eu me identifiquei um pouco com as duas mulheres do romance, tanto Glória, sempre corajosa e esperançosa,a rainha que, em meio à guerra, permanece presa em seu quarto/torre, que recebe promessas de presentes e alegrias de seu "varão" no tão distante universo ocidental.
No romance temos transcrições de telefonemas como esse,onde Glória mostra a Cartola que, apesar da guerra, apesar de tudo, nunca perdeu as esperanças de terminarem juntos novamente
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(P. 157) |
Eu já conheci africanos casados em África que, no Brasil, ainda se esforçavam para tentar mandar o melhor à familia tão sonhada e idealizada na África. Talvez sem tantas perspectivas de que fossem se reencontrar novamente, como Cartola.
Nesse momento da minha vida pós pandemia, quando tudo parece ter desmoronado, sobramos eu e minha mãe, essa é minha vida, só que eu, ao contrário de Justina, não amei o cuidado a ponto de encontrar nele um significado para minha vida abortada e o abandono dos meus sonhos. É tudo sempre tão difícil! Como foi difícil ler esse trechinho:
Bom, acho que escrevi demais... agora termino com algumas postagens de leitura:
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Já faz tempo que terminei de ler. Desde então o livro está sempre comigo Na cabeceira, na bolsa, na lembrança. Essa foto, espero, é o última registro dessa primeira leitura. Obrigada Djaimilia. |