Assunto
que permeia os textos desde a epígrafe de Fernando Sabino e as três
certezas: “estamos começando”, precisamos continuar e podemos
ser interrompidos. Façamos delas traços para novos desenhos,
criemos uma nova realidade, diferente daquele tão asfixiante 2016,
um ano de perdas.
No
prefácio, texto mais confessional de um livro tão confessional,
vemos mais claramente a cara e a alma do autor Geraldo Pedro, que se
autodefine como autor marginal estreante, admirador de Machado de
Assis, Umberto Eco, Drummond, Hendrix, Bergman, Lygia Fagundes
Telles, Leminski, Caio Fernando Abreu, Otto Lara Resende e Veríssimo,
figuras “presentes em tudo o que escrevo”. De fato, essas
referências, literárias em sua maioria, pipocam na obra de um jeito
interessante, às vezes doce, às vezes cortante, como é a vida e a
literatura.
Outra
referência literária importante é a poesia marginal. Ela aparece
não apenas como citações à Ana Cristina César, por exemplo ,
mas sobre a evocação de um contexto marginal e sobretudo pela
tentativa de emulação da forma curta e ágil de escrita e a própria
ideia do livro : marginal, com autorização prévia para ser
reproduzido. Aqui Pedro esboça a si mesmo como escritor ao desenhar
sua linhagem: um vândalo herói, esquisitão, um verme – que
primeiro roeu s frias carnes do cadáver de Brás Cubas?
Depois
fala especialmente de Lygia, também minha favorita, e a coloca como
nossa coringa! Como não amar um autor fã de Lygia?
E
Drummond? De quem Pedro roubou a água e tomou sopro poético!
Imagens !
AFETOS
É
o tema mais abordado desse livro, que é meio que sessão de
terapia pública e crítica. Só na seleção que fiz, destaquei
mais de 5 textos afetuosos! As formas de tratar o afeto são
diversas. No primeiro texto, sobre as mães mortas e suas possíveis
ou impossíveis substitutas já me trouxe certa compreensão a
respeito desse tema tão delicado para mim. E para tantos. Depois
tratou dos solitários, mas não sozinhos, ali em uma legião deles,
que se apoiam em uma frase muito cara a Gilberto Pedro, meio
desesperada, meio consoladora , como se o interlocutor implorasse que
alguém também lhe dissesse “Você não está sozinho”. Agora
talvez não mais, talvez não tanto, mas em 2016, naquela quarta
feira terrível, todos estávamos!
Em
“Não se mate”, outra frase roubada de Drummond e que é muito a
cara de Geraldo Pedro. No texto, triste , mas bonito, ele fala da
morte do poeta. Da impossibilidade de viver após certa dor. Não há
quem não entenda, de alguma forma!
Agora
um momento ternurinha, um belo texto sobre Jimi Hendrix, um sujeito
de bom coração. E Pedro determina
“o
bom coração é a base de sustentação do grande amor no universo”
(p.69)
Em
“Equilibro” Pedro trata das dificuldades da vida e conclui com um
autodiagnóstico que pode servir para tantos, especialmente essa que
voz fala: “Eu sou uma criança desajeitada à guisa de me tornar um
adulto equilibrado. Quem sabe um dia?... “ (p.78)
Depois em "Dia dos pais", onde se ganha sonhos , melhor presente! Pedro, nosso
autor, é mesmo alguém muito versado em sonhos.
Há
também um texto muito bom chamado “O Amor está no inferno”,
onde a saga comercial e sobretudo romântico/amorosa que envolve o
Dia dos Namorados é plenamente desconstruída, para, sim, ser
refeita no final, onde se ouve a voz de Pedro? Nossa própria voz,
clamando que ninguém é condenado ao inferno por ter ou não ter
namorado no dia dos namorados, afinal estamos na vida, cheia de
possibilidades. Ou não.
E
a cicatriz que enfim enfeita a cara do homem viril marginal que
sempre quis ser, mas que luta só com seu bom coração ...é que nem
sempre apenas um bom coração pode fazer de você um herói. Isso
faz doer o bom coração.
MÚSICA
Desse
tema já citei um pouco, quando falei de Hendrix, mas aparece melhor
em “Não isso. Mas aquilo”, quando nosso autor elenca um tanto de
seu gosto, dessa vez o destaque é musical e é interessante perceber
sua sensibilidade e olhar crítico, aquilo que viria a ser o gosto
musical brasileiro atual, ali ainda em fase embrionária. Artistas
olham o mundo de um jeito diferente e algumas vezes conseguem
antecipar acontecimentos com sua sensibilidade.
HUMOR
CRÍTICO
O
verme do título é um personagem que se mistura e interage com o
autor o tempo todo no livro
e, por ser um verme, traz também um tom humorístico a qualquer
ação que participe. Um recurso muito bem empregado, que deu liga a
tantos fragmentos de texto.
Outro
momento onde o humor se destaca é “Porco Trump” e que hoje, em
2025, é tão intragável que quase nem conseguimos rir das piadas de
Pedro. Trump, Bolsonaro, a fascismo, o golpismo continuam ditando
cartas, como se, de certa forma, 2016 nem tivesse acabado. Ou como no
poema de Drummond, “De tudo resta um pouco. Não muito”. No
caso, acho que restou demais!
Na
série de textos “Dê a bunda”, o tom debochado e muitas vezes
amargo de quem sabe que está vivendo um momento de ruptura e o
futuro é uma possibilidade fugaz. O tom me lembra um pouco o do
Pasquim. Na verdade eu lembrei mesmo da antiga revista Bundas
,essa sim , reedição de uma publicação ao modo Pasquim, mas
nem lembro de quando. No caso do livro Verme, esses textos
são os mais humorísticos, engraçados e amargos pois também
apresentam grandes reflexões e citações sobre temas.
Esse
livro é um grande depoimento sobre desastre que foi o ano de
2016 e só quem viveu se lembra, e foi muito bom ter tido a honra
de conhecer a obra por intermédio de seu autor, alguém que passei a
conhecer um pouco mais desde então! Adorei!