sexta-feira, 31 de julho de 2020

Resumo da minha participação na Mostra de Cinemas Africanos 2020 em 10 imagens de filmes


Ao final da primeira parte da Mostra de cinemas Africanos 2020, toda apresentada pra a gente ver em casa, na quarentena, postei 10 stories no Instagram com imagens de cenas de  cada filme. Como um resumo da mostra, posto elas aqui, com o link para a postagem sobre os filmes nas legendas. Acho que ficou um bom resgistro,

Post sobre o filme, clique aqui  Mossane

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Post sobreo filme, clique aqui Ceddo
Post sobre o filme, clique aqui Heremakono 

terça-feira, 28 de julho de 2020

"Heremakono - À Espera da Felicidade ", Mauritânia , 2002, direção Abderrahmane Sissako



Sinopse Na pequena cidade costeira de Nouadhibou, na Mauritânia,  o jovem Abdallah visita a mãe em sua terra natal antes de ir para a Europa, mas o jovem não se adéqua mais à realidade local, esqueceu como se fala o dialeto de onde nasceu, Abdallah  se torna um observador do cotidiano da  aldeia, suas tramas e personagens, sem com isso se sentir ambientado nunca.  Sua mãe e Khatra, um menino  aprendiz de um eletricista idoso, tentam ajudá-lo sem sucesso. É um filme sobre pessoas em trânsito, aguardando a tão sonhada felicidade hipotética.  

 

Impressões gerais É um filme bem instigante, começa com uma cena seca, um arbusto se desprendendo do chão de areia,  com pessoas muito vestidas  em meio à muita areia,  um deserto, no entanto sabemos que se trata de uma região costeira, pois ouvimos ao fundo o barulho do mar, dando o tom da película, as pessoas vão estar perto do mar e da liberdade, entretanto continuarão vivendo suas secas vidas na areia, isoladas e até tristes. Em alguns momentos do filme personagens encontram dificuldades em sair daquele tédio, como se estivessem predestinados àquela vida (o próprio Abdallah, que estava sem passaporte; o eletricista Maata que narra a história de quando imigrou com seu amigo e o menino Khatra, que não consegue embarcar no ônibus).

Na casa da mãe de Abdallah, como é comum em muitas regiões de África, eles ficam muito deitados ou sentados no chão, talvez por isso haja uma janela perto do chão, nela conseguimos ver registros da cidade, pelos pés, pela areia voando no vento, patas de animais e pés de crianças, como se a imagem daquela aldeia pudesse se resumir ao que está perto do chão.

Outro jogo de cena importante, muito usado na película, é quando vemos as cenas acontecerem por atrás de lenços pendurados em varais e que tremulam no vento com areia. Aliás, a areia é quase um personagem do filme.

 Desde a primeira cena, quando um rádio é enterrado na areia e depois nunca mais encontrado, temos a impressão de que a qualquer momento a areia ainda vai soterrar aquela cidade, aquelas pessoas.

Abdallah

De início o personagem principal do filme é Abdallah, o estudante que retorna à terra natal, mas que é ali um deslocado, não fala com ninguém, não interage, até de esqueceu do dialeto do lugar onde nasceu. É um rapaz magro e franzino, é sonâmbulo, procura um hospital por passar mal e usa camisas muito justas, quase apertadas, como que simbolizando o aperto que é estar naquele ambiente de novo. Ele chega dirigindo um carro repleto de bagagens, tocando um som de jazz maravilhoso de Jan Garbrek, mas esse carro quebra depois não o vemos mais, nem mesmo as bagagens. Por muito tempo o filme fica centrado em mostrar o distanciamento do rapaz com a cidade onde nasceu e as formas como ele tenta driblar os problemas: tenta aprender a língua com o jovem Khatra, que por brincadeira o ensina significados errados das palavras, o que ele descobre quando vai conversar com algumas mulheres que riem dele.

Um momento singular sobre sua inadequação é quando ele transforma uma cortina em roupa para tentar se enquadrar ao ambiente, no entanto a inadequação fica ainda mais gritante 


Como não é capaz de falar, Abdallah só observa tudo como novo e como a câmera vai com ele, nós também vamos conhecendo Nouadhibou e seu cenário arenoso e pobre. Mas tem um momento, mais próximo do final, em que Abdallah perde o protagonismo do filme, só o vemos arrumando as malas e tentando ir embora. Chegou a vez de falar de outros personagens como o eletricista Maata e seu jovem ajudante Khatra. 

Khatra e Maata


A questão da falta de luz na casa da mãe de Abdallah, ali as lapadas não se acendem, nos faz atentar para o eletricista Maata, um idoso e sério, sempre acompanhado por seu assistente criança, que o trata como um pai. Khatra é esperto e parece achar que pode resolver tudo, o que não é verdade, mas ele nunca perde a confiança e vivacidade. Maatra é rígido e em uma das mais belas cenas do filme, o proíbe de cantar a seguinte canção (em árabe), cuja letra é um poema de Paul Niger de 1962

Passarinho que canta

seu amor pela terra natal

 vou escolher o que  vai comer

e trazer para você


Trilha sonora

Uma coisa que me chamou a atenção no filme desde o começo é a trilha sonora, além do já citado jazz  e das cantigas de Khatra, temos belas cenas em que uma griote ensina uma menina a cantar canções tradicionais, daquela forma visceral, de arrancar o coração 


Live com Hannah Serrat

Na live com a pesquisadora da UFMG ela colocou que via o filme uma narrativa de povos em trânsito, um filme sobre o desenraizamento e isso comunga com a própria história do diretor, 

Para ela, uma personagem como Abdallah é a síntese própria da estrangeiridade pois, mesmo na própria terra de origem, vive como um estrangeiro, não conhece o idioma,não conhece ninguém, não participa da experiência coletiva da cidade,  Então, o filme  mostra que o sentimento de identidade  não estaria ligado apenas ao local, por isso o sentimento que encontra em seu retorno é o do desconforto, é a certeza que já não sabe como viver naquele lugar, de que perdeu todas as referências. Dai aquela situação de tentar se vestir como os locais e de sentir atravessado por diversas camadas de "olhares coloniais" que o diferencia de um africano e talvez também não o torne habitante de outro lugar.

Hanna lembrou que o significado de  "Heremakono" seria um lugar de passagem, morada temporária e que no filme é mencionado pelos personagens como um lugar de referência, de onde vieram ou por onde iriam passar de novo. Muito interessante, deu vontade de ver e rever esse filme. 

Para mim é claro que toda mulher primeiro foi menina, difícil separar uma da outra. Mas nem todo mundo pensa assim. Na discussão sobre este filme  surgiu uma questão pertinente : as questões que colocamos sobre a presença ou ausência das mulheres nos filmes africanos são sempre coerentes com seu contexto e cultura? Ou remetem apenas aos nossos questionamentos ocidentais? Partindo dessas colocações, Hannah disse que não se sentia muito  à vontade para falar das "duas únicas personagens femininas do filme", as duas mães, a de Abdallah e a vizinha Nana, que contou ao estudante sobre a filha que perdeu.
No entanto, pouco antes, ela mesma tinha destacado a atuação de outras duas personagens femininas, duas meninas, a aprendiz de música com a Griote e uma garotinha que dançava na festa, inspirando Abdallah. 
Aqui não estou criticando a pesquisadora, apenas apontando para como é difícil pensar na menina como um ser feminino, tanto quanto a mulher. 
Para mim elas são, sim. Se não propriamente mulheres (que seriam adultas), são femininas desde sempre. Não acho que foi à toa que   Abderrahmane Sissako tenha criado essas meninas, que tenha escolhido uma griote, não um griot, mas o significado disso fica em aberto. Apenas um questionamento que gostaria de pontuar .

quarta-feira, 22 de julho de 2020

"A História contra os mitos da lusitanidade em José Saramago", Camila Rodrigues


Neste livro saiu um  capítulo de livro sobre minha pesquisa na área de História, a respeito do romance Memorial do Convento, de José Saramago. Publico abaixo qui a minha pequena contribuição.





























REFERÊNCIA
(RODRIGUES, Camila. História contra os mitos da lusitanidade em José Saramago. In: SÁ, Charles Nascimento de; OLIVEIRA, D.E.S.D; SAMPAIO, T.H.. (Org.). História e Literatura: Conexões, abordagens e perspectivas. 1ed.Jundiaí: Paco, 2020, v. 1, p. 187-199.)

domingo, 19 de julho de 2020

“Ceddo”, Senegal, 1977, direção Ousmane Sembène


Nesse final de semana nós chegamos ao penúltimo filme da Mostra de Cinemas Africanos 2020 ,  e é novamente uma obra de Ousmane Sembène, mas achei tudo tão estranho. Primeiro achei que não tivesse me desligado de Félicité, mas talvez nem seja isso. Mais provável que essa travessia virtual de meses, de ver filmes e lives em casa tenha me cansado um pouco e , à essa altura, encarar a complexidade de um Sembène deixou um pouco exausta. Lá no começo da Mostra tínhamos visto o filme "Moolaadé"(2004), que , mesmo crítico, deixou aspecto positivo. Ceddo,dos anos 70, foi  uma outra experiência, é um filme difícil. Foi para assistir, está sendo para escrever sobre ele, mas vou tentar um registro. 
Sinopse
Em uma aldeia  africana a cultura local é ameaçada pela aproximação do islamismo e do cristianismo. O Rei Demba é convertido ao islã, mas os guerreiros Ceddo se recusam a abandonar suas tradições. Em protesto contra a obrigatoriedade da  conversão à nova religião, um Ceddo sequestra a princesa  Dior Yacine, dando início a uma  guerra civil. O filme retrata de maneira cirurgica o contexto pré colonial, com a chegada dos Europeus mercadores  que estão instaurando o contexto da escravidão  e, simultaneamente, da aproximação das duas religiões exteriores, bem como a participação ou resistência dos africanos, mostrando uma trama de disputas políticas e religiosas . 
Eu, na ocasião 

Impressões gerais
É um belo filme , com uma trilha sonora louvável. As canções originais, de Manu Dibango e você pode ouvir um aperitivo aqui, mas os sons do filme vão mais além,  misturando percussão, jazz,  sons tribais a música gospel norte americana. O som está perfeito, combinando com as temáticas do filme, mas ela não alivia o impacto de assistir ao filme. Talvez o mais estranho seja que estamos diante de uma situação nem um pouco desconhecida para nós, o que seria comum em um filme africano, no caso , parece, e é, uma encenação de processos históricos ocorridos simultaneamente em África, mais precisamente em um cenário pré "Senegal", justamente naquele período ainda anterior ao colonialismo , quando coabitam a mesma aldeia: a realeza local; a população; o europeu; o mercador; o cristão e o islamita e instaura-se uma disputa pelo poder, com a religião filtrando tudo, que a gente sabe onde foi dar, ainda está dando (não vou abordar aqui sobre as recentes disputas religiosas em África, questão da Igreja Universal em Angola, por exemplo).
Sembené não bota açúcar para a gente engolir mais facilmente.Ainda bem.
Na cena : o padre, um convertido ao islã e o mercador

As cenas de disputas políticas e brigas são cruas e diretas, dá até uma agonia ao assistir os africanos que, para sobreviverem ou não virarem escravos, tiveram que que se desfazer de suas coisas, de toda a sua simbologia, para se convertem a Alá, que é uma divindade que nem conheciam. Aquelas cenas deles raspando os cabelos, desfazendo-se de deus símbolos, saindo da frente do rei e sentando-se atrás nas reuniões da tribo, pois agora Alá teria tomado o poder do rei e toda a antiga hierarquia estava sendo desconfigurada. No filme aparece um resumo, mas esse processo deve ter durado mais tempo para ocorrer e eu só me lembrava do longo trabalho de tentativa de resgate cultural, inclusive feito aqui no Brasil, pelas religiões afro-brasileiras e outras organizações culturais de negritude. Este retorno pode ser possível, ainda que não se retorne a exatamente a mesma coisa, mas é um processo bem longo. No filme,estranhamos assistir ao início de  todo aquele complexo processo histórico de apropriação cultural e colonialismo ocorrido em África onde se iniciaram as diásporas, que no filme aparece sintetizado em personagens alegóricas "a realeza", o mercador", o cristão", o islamita. A sensação é bem estranha, chega a faltar o ar em alguns momentos.

A contestação de Sembené
Como já ficou claro até para mim, que ainda estou engatinhando em cinemas africanos, o nome de Sembené é uma referência para se falar de cinema em África no contexto do pós colonialismo, mas não apenas isso, seu nome também remete ao uso do cinema como adoção de uma postura crítica, pois é sempre político. Nesse filme também vemos esta situação. A protagonista do filme é a única mulher em cena, a bela princesa Dior Yacin,  e eu,  aqui do Brasil, não tinha condições de interpretar, mas suspeitei desde o princípio, que  todos aqueles gestos e posturas dela e dos homens em relação a ela, apresentavam uma postura em relação às mulheres na época. Vejamos imagens de cenas de Dior Yacin e sua altivez e beleza negra exorbitante: 





A live com os professores Detoubab Ndiaye e Marcelo Ribeiro - Sempre necessárias na Mostra de Cinemas Africanos 2020, as lives sobre os filmes de Sembéne chegam a ser fundamentais, devido à complexidade das obras. Sobre Ceddo ouvimos uma palestra  professor da UEBA, o Senegalês Detoubab Ndiaye, que falou muito sobre Sembéne  sua cinematografia, destacando o papel crítico de instituições como as religiões, que em sua obra são sempre contestadas, e sobre o papel das mulheres naqueles filmes pois, já desde os anos 1960, são protagonistas e no caso de Ceddo, percebemos isso quando, à parte toda a discussão em volta, Dior Yacin , quando informada de que o seu pai,  o rei, havia sido envenenado e ela só poderia se exilar, se não deveria se converter ao islã, ela decide que não fará isso e tem  volta triunfal, mostrando a todos que seu pai pode ter sido assassinado, mas a realeza não morreu naquele terroir (vilarejo), cenários de todos os filmes de Sembéne,  e ainda é ela, com suas vestimentas e símbolos, quem  vai se sentar na rede (símbolo de poder) .
Se Detoubab falou bastante sobre os significados, a simbologia e o teor crítico do filme, o  professor Marcelo Ribeiro levantou um questionamento político bastante incômodo para os africanos no filme: a escravidão em África no contexto em que se iniciam as diásporas os exploradores (religiosos ou não) chegaram, os próprios africanos já trocavam pessoas por dinheiro, poder, ou outras coisas. A esse questionamento, Detoubab responde que na época do início das diásporas, a África já vinha lutando por mais justiça e a busca pela adesão a religião teria interrompido essas lutas  sociais,  pois o caráter religioso é mais importante. Marcelo termina lembrando a importância de termos um legado como esse construído por Sembéne, que sempre nos coloca discussões complexas.

Não sei mais o que dizer sobre esse filme, talvez daqui uns anos de estudos e experiências consiga tratar disso tudo.

 




quinta-feira, 16 de julho de 2020

Consulte um historiador

 
Saiu de moda, nesse mundo da pós verdade, ouvir a opinião técnica de um historiador. A primeira vez que conversei rapidamente com José Saramago, em 2000, quando disse ser historiadora, seu rosto mudou de feição e senti que, de leve, passei a ter mais valor para ele, que em seguida se revelou ser um "historiador frustrado". Mas isso é um caso pontual e eu já tinha me acostumado tanto a essa desvalorização da minha formação que confesso que foi um grata surpresa ler um comentário de Milton Hatoum (o próprio) em um grupo sobre ele que eu jurava que ele mesmo nunca participava. Mas participou e quando eu escrevi  que estou lendo "Pontos de Fuga" na quarentena, visitou meu  perfil para  saber quem era eu: e me respondeu assim:

 O maluco é que este autor já vinha mexendo comigo como leitora, me fazendo pensar e repensar sobre expectativas, como já comentei aqui , mas não tinha ainda pensado em mim como HISTORIADORA LEITORA, talvez porque a condição de historiadora esteja tão incorporada na imagem que tenho de mim mesma, que não preciso reforçá-la. Talvez, para ele, autor, eu precise. Expectativas!

segunda-feira, 13 de julho de 2020

"Félicité" , Senegal, 2017, direção Alain Gomis


cartaz do filme 

            O filme escolhido pelo Senegal a concorrer ao Oscar, conta a história da bela Félicité, uma mulher que ganha a vida como cantora em um bar de Kinshasa, Congo para criar seu filho Samu, de dezesseis anos, que logo no início da trama sofre um acidente e ele precisa recorrer à saídas possíveis e impossíveis para conseguir dinheiro para pagar seu tratamento. Nesta busca, nos leva a passear por locais miseráveis e também de alta classe, nos apresentando um retrato cru da preferiria congolesa, mas sempre através do filtro do seu forte olhar.

Véro Tshanda Mputu interpreta Felicité cantando


A protagonista do longa de mais de duas horas é Felicité, interpretada pela atriz congolesa Véro Tshanda Mputu, que consegue dar vida a personagem inabalável, que luta pelo que deseja, sem ceder a dramas, mas sempre alcançando uma libertação através de seu canto capaz de enfeitiçar. As cenas em que aparece cantando, além do poder libertador da música, primam pelo zoom em seu rosto negro e sincero, como em alguma espécie de transe. Outra coisa interessante é que de madrugada,  em segredo, ela costuma ir a floresta se banhar, em cenas pretas, com desenhos de penumbra.  
 

Samu e Felicité



Fica claro que Félicité vive e sente-se sozinha com seu filho Samu (Gaetan Claudia), sem qualquer ajuda para enfrentar os problemas, sejam eles mais simples como a quebra do refrigerador, ou mais complicados, como pagar a operação do filho. Ela não abaixa a cabeça nunca, mas tem dignidade o suficiente pra pedir ajuda a quem supõe poder ajudar – como o pai do seu filho, ou então um homem rico que mal conhece -, mas nem sempre conseguindo retorno. Na busca pelo financiamento do tratamento do filho, assistimos reiteradamente o registro da sua força: ela briga pelos seus direitos, com quem quer seja, mesmo sendo rechaçada, humilhada em palavras ou fisicamente por homens ou mulheres, segue em frente. Em uma das visitas que faz temos uma citação ao ideário tradicional congolês quando ela  ouve sem sobressaltos, de uma senhora que a conhece desde o nascimento, que a descreve como “dura demais, para seu próprio bem” a história secreta de sua primeira morte: em criança, com um ou dois anos, ficou muito doente e morreu, foi posta em um caixão e ia ser enterrada, quando acordou, por isso foi rebatizada, passando de Kapinga, para Félicité “a nossa alegria”, mas esta história nunca lhe haviam contado para que ela não voltasse a morrer.

Felicité se desfaz das tranças


Em outro momento, uma passagem muito significativa do filme, depois que seu filho, enfim,  retorna ao lar e as mulheres do entorno lhe fazem uma visita de cortesia, se compadecendo de seu drama, Felicité que até então usava longas tranças, corta ela mesma os cabelos, como uma guerreira, pronta para uma próxima fase na vida.

Periferia de Kinshasa

            Mas embora o filme se centre na história de Felicité, cabe dizer que para contá-la, o filme mostra cruamente uma realidade muito feia e dura da periferia de Kinshasa,muita miséria, justiça com as próprias mãos, golpes... até uma menina pequena e escolhida aleatoriamente na rua, é oferecida para que Félicité a venda  e pague a cirurgia do filho! Para contrastar com realidades tão duras,  Alain Gomis insere algumas longas cenas líricas, com uma orquestra cantando e e tocando música clássica, . O resultado é intrigante!

    Ao final, de alguma forma, ela e Tabu,que são uma mulher e um homem belíssimos,   acabam de entendendo, na suas necessidades e limites. A cena mais linda, de um amor puro mesmo, invejável, é quando eles, dormindo na mesma cama, um sobre o outro,  apenas se olham, tudo está posto ali, não há necessidade de mais nada. 

Félicité e Tabu:Não precisam de mais nada

Mas ele faz ainda mais: quando ela adormece, ele se levanta, cobre seu corpo, e fica cuidando, como fez o tempo todo, do seu jeito meio torto. Até me emocionei nesse trecho 

Félicité e Tabu: se acolhem

A LIVE COM MARIA ZENUM

As duas na live

   

A estudiosa passou um panorama rico dos fluxos dos festivais de cinema em África, especialmente do FESPACO,  que embora tenha problemas faz concessões para sobreviver. Sobre o filme Felicité, seria dividido em quatro partes: 1 - a primeira cena no bar, Felicité cantando muito, depois muito ativa em casa, expressando seus desejos por palavras, e a primeira cena mostra todo mundo e ninguém, num ambiente escuro, quer que a gente se sinta naquele bar, ouça aquela música, veja outras coisas; 2 - a parte do hospital e de toda a busca de  Félicité pelo filho, na qual ela se rasga, mas no fim não consegue;3 -A tristeza e culpa de Felicité por não ter conseguido ajudar o filho, ela para de cantar, conta as tranças, vai parando de falar e vai ficando cada vez mais apática e a gente não aguenta sua tristeza e acha que o filme poderia ser mais curto; 4- O afeto de família entre ela Tabu e Samu, que de alguma forma se entendem, se acolhem e é muito bonito . A cena em que ela, Mama, enfim baixa a guarda e deita a cabeça no ombro de Tabu, Papa, como se o aceitando como ele é, é maravilhosa!

Eu, na ocasião