terça-feira, 30 de outubro de 2012

A chave do poema - Manuel Bandeira


A Chave do Poema – Manuel Bandeira

A poesia concreta pode que seja uma maluqueira e até que não seja poesia. Mas que está despertando interesse,  está. Vivo assediado de perguntas ‘em forma de cavalo-marinho’, velhos, moços e moças que me pedem que defina o que seja a poesia concreta. O diabo é que ainda não descobri o endereço de Ferreira Gullar para encaminhar toda essa gente para ele. Ora bem, declaro em público e raso que não sei o que é um poema concreto. As três experiências que fiz, inspirado nos processos dos irmãos Campos e de Décio Pignatari, não creio que sejam poemas concretos: serão paraconcretos ou preconcretos, sei lá! Diagramas líricos, dois uma simples modalidade de palavras cruzadas: sempre gostei de palavras cruzadas, os irmãos Pongetti que o digam, sempre adivinhei um conteúdo poético nos seus problemas.

 

O meu “Poema de amor”, publicado no último suplemento literário do Jornal do Brasil, é puro diagrama de um grito passional, rojão de lágrimas felizes, portanto a ler-se na direção do vetor, isto é, de baixo para cima. Tradução: Rosa tumultuada te adoro.

 

Puerilidade? Então me deixem ir para junto de Jesus, que disse Sinite parvulos venire ad me.

 

Ora direis: ‘Mas isso não é poesia, é enigma’, Eu vos direi no entanto que toda poesia é enigma. Toda palavra, antes que lhe conheçamos o significado, é um enigma formidável. Claro enigma chamou o poeta Carlos a um de seus livros e no soneto da “Oficina irritada” claro enigma é Acturo, a estrela de primeira grandeza na cauda da Ursa Maior. Que haverá de mais poético (concreto no duro!) que o universo?  Que maior poeta que Deus? (No entanto os seus desígnios , consultem o Corção, são muitas vezes impenetráveis.) Mesmo o Deus feito carne, o Deus  feito homem se exprimiria por poesia enigma. Hoje todos sabemos o que o Cristo queria dizer quando falou : ‘Quem come a minha carne e bebe o meu sangue pertence a mim e eu nele. Porque a  minha carne verdadeiramente é comida e o meu sangue verdadeiramente é bebida .’ Mas o tempo, para os seus discípulos, isso soava a enigma e muitos deles, ouvindo-os, se puseram a dizer : ‘ Duro é este discurso;quem o pode entender?’

 

Os enigmas da poesia concreta têm isto de bom: é que são todos decifráveis, porque todos resultam de um esforço consciente da inteligência. Não era assim com os do surrealismo, que nasciam feitos, do subconsciente, recesso tão tenebroso quanto aquele porão do conto de Otto Lara Resende. Porque é decifrável, o poema  concreto convence, uma vez explicado; o leitor comum deseja é compreender, porque o que ele mais teme é ser empulhado. Uma senhora que não tinha entendido o meu poema de domingo telefonou-me pedindo a tradução. Disse-lha e ouvi-a  sorrir do outro lado, encantada. ‘Ah, é!’ Por pouco que não me chamou ‘o  maior’.  3/4/1957

Nenhum comentário: