quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Prefácio escrito por Moacir Scliar para o livro "Joãozito: a infância de Guimarães Rosa", de Vicente de Paulo Guimarães


“        A literatura era parte do genoma da família de João Guimarães Rosa. A filha, Vilma Guimarães Rosa, é escritora, autora de Acontecências, Setestórias, Serendipity e Por que não?. E  o tio,  Vicente Guimarães, sob o pseudônimo de Vovô Felício, tornou-se conhecido por seus livros para crianças e jovens, elogiado por ninguém menos que Monteiro Lobato. Vilma homenageou o pai em Relembramentos; Vicente, por sua vez, evoca a infância do grande Rosa neste Joãozito, oportuno relançamento da Panda Books.
          Não se trata de uma obra acadêmica, erudita. O que moveu o autor, antes de mais nada, foi um genuíno afeto. O que temos aqui, antes de mais nada, é a história de uma amizade. Vicente Guimarães não foi o tio clássico, mais velho que o sobrinho. Como às vezes acontece em famílias grandes, a diferença de idade entre os dois era pequena, cerca de dois anos. Brincavam juntos, desenvolveram carreiras literárias paralelas, e foi isto que permitiu a Vicente falar do grande diplomata e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e candidato ao Nobel como Joãozito, simplesmente, numa narrativa que tem encanto da ficção. Nisto teria o aplauso do próprio Rosa que uma vez declarou : “Às vezes quase acredito que sou um conto contado por mim mesmo.”
          O cenário da infância foi uma pequena cidade no meio de Minas Gerais. Cordisburgo quer dizer “cidade do coração”, e esta  denominação é significativa: com o coração Rosa descobriu o mundo e as pessoas; do coração morreu, logo após a posse na ABL, em 1967. Vicente conta a história da hoje famosa Cordisburgo, fala de seus tipo populares, o Mané Galinha, o Chico Bico, o Chico Baiano, o Juquinha Guarda-Chaves, a Macota e a Maricotinha; e ao fazê-lo, já está nos introduzindo ao próprio universo ficcional rosiano, que é, como o próprio escritor afirmava, eminentemente mineiro.
          Joãozito nascera em Cordisburgo em 1908, mesmo ano em que, no Rio, morria Machado de Assis. Era o primogênito de Floduardo Pinto Rosa, juiz-de-paz e comerciante, e de Francisca Guimarães Rosa, D. Chiquinha.
           Concluiu os estudos básicos e, em 1925, com 16 anos, entro na faculdade de medicina. Mas não deixava de voltar a Cordisburgo, em férias que Vicente descreve deliciado.
          Trabalhou como médico alguns  anos, fez concurso para o Itamaraty, e, como diplomata serviu em vários países. Cônsul-adjunto em Hamburgo durante a época do nazismo, salvou muitos refugiados judeus, concedendo-lhes vistos para o Brasil. Em 1946 publica Sagarana e dai por diante sua carreira prosseguirá com crescente êxito. Apesar disto, não esquecia os amigos, com quem mantinha ativa correspondência. No que chama de “a melhor parte do livro”, Vicente Guimarães reproduz algumas das cartas que Rosa lhe escreveu e que são muito reveladoras de sua pessoa e de sua atividade como escritor: “Quando escrevo, não estou pensando em obter tal ou qual efeito cultural ou educativo. O artista é uma autarquia, sente, pensa e cria, em termos absolutos, dando expressão à sua necessidade íntima.” Para ele, o escritor deve ser humilde, independente, corajoso, profundamente sincero, infinitamente paciente.

          Uma lição de arte, uma lição de vida. Por ambas, devemos ser profundamente gratos a Guimarães Rosa” 
SCLIAR, Moacir. Prefácio. In: GUIMARÃES, Vicente de Paulo. Joãozito: a infância, p. 05-07.

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