Foi da Sarah Maldoror o primeiro filme da Mostra de cinemas africanos que assisti em 2020, "Sambizanga". Foi minha primeira paixão cinematográfica africana depois muitos outros vieram.
Na iniciativa da Mostra 2024, de trazer diretores pioneiros com filmes poucos conhecidos, vimos dois curtas muito interessantes de Maldoror.
No debate com a pesquisadora Leticia Santinon, mediado pela Morgana e Jusciele Oliveira, do Cine África, ficamos sabendo um pouco mais sobre a trajetória de Maldoror, uma cineasta comunista, nascida na França, mas que adotou a África como lugar de origem, com mais de 40 filmes que estudou cinema na União Soviética na turma do Sembène, e tem um olhar interessado na formação do homem africano e especialmente no papel da mulher. Por conta de tudo isso, injustamente, seus filmes não circularam tanto ao redor do mundo e seu nome ainda não consta na grande História do Cinema.
Assisti aos dois curtas, vou comentar brevemente
"Fogo, uma ilha em chamas" (1979)
É o mais longo dos documentários e fala sobre Fogo, uma ilha de Cabo Verde, um lugar de passagem na história da colonização européia na África, onde ninguém queria ficar, já que o local é seco ,sempre ameaçado pela erupção de vulcão, fazendo com que os próprios habitantes saíssem para trabalhar fora, deixando no lugar familiares,mais velhos e crianças, responsáveis por manter as tradições.
No olhar esquerdista e poético de Maldoror, era fundamental registrar o trabalho cotidiano daquelas pessoas para trazer água para todo mundo e tornar possível a existência naquele lugar inóspito,onde se operou diversos tipos de exploração, mas Maldoror enxerga ali uma oportunidade de filmar a história da África contada pelos africanos,vozes sempre caladas, que no caso, contam outra faceta do processo de independência colonial. Vale muito apena assistir e discutir tantas questões...
"Em Bissau, o carnaval" (1980)
Foi o filme eu gostei mais, fala muito da importância do carnaval para a cultura de Bissau, com a construção rudimentar e criativa de suas máscaras. Nesse filme,novamente,Maldoror destaca a sensibilidade artística , entusiasmo e criatividade do povo africano para valorizar sua cultura. No caso desse filme, ao contrário do anterior,ele recebeu apoio do governo Luiz Cabral, primeiro presidente do Guiné-Bissau independente, ocupando o cargo entre 1973 e 1980(ano de lançamento do filme), quando foi derrubado por um golpe militar, que dificultou ainda mais a circulação do filme, já que ele mostra uma reação local,tudo o que os militares queriam derrubar.Cabral aparece no documentário explicando que o carnaval em Bissau é o espírito daquele povo, a consolidação da independência através da capacidade de resistência cultural que deu força na construção das nações Guiné-Bissau e Cabo Verde. Tudo isso estaria sintetizado nas máscaras.
No filme Maldoror não deixava câmera solta, vai guiando nosso olhar para mostrar como se dá a construção do carnaval,dessas máscaras,quem pode brincar,quando, etc. Outro ponto interessante é que, devido as limitações orçamentárias, era preciso aproveitar ao máximo elementos naturais, como o som dos ensaios e apresentações, como trilha sonora,e essa música também vai conduzindo o olhar do expectador, realçando muitas mensagens passadas no filme. Grande pequeno filme! Viva Maldoror!
Tirei fotos deles,sabendo da importância daqueles registros de época.Primeiro de "Carnaval", depois de Fogo :
Carnaval
Jovens e crianças: fundamentais no carnaval Em Bissau |
Fogo |
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