sábado, 21 de dezembro de 2024

"Homens sem mulheres ", de Haruki Murakami: Meu livro de agosto de 2024

 

Eu li homens sem mulheres

Já faz algum tempo que venho lendo, aleatoriamente, alguns autores japoneses, pois eu estava  muito incentivada pela beleza da escrita de Kawabata, mas queria conhecer novas vozes literárias que estão disponíveis  na biblioteca do Sesc Pompéia. No inicio do ano, antes da dengue,  conheci o Tanizaki com o arrebatador "Voragem", que foi incrível. Mas agora era hora de  conhecer Haruki  Murakami, o autor japonês mais conhecido da atualidade.  Então escolhi  “Homens sem mulheres” para ser meu livro de agosto e foi uma excelente escolha.

Gostei de cara porque a escrita é muito agradável, Murakami é um bom contador de histórias, como diz público e crítica, ele realmente  cria toda uma atmosfera em torno do que narra e o leitor se transporta facilmente para aquele universo narrado. Para mim, o destaque nisso é que ele não monta esse universo como um pequeno Japão e suas tradições, como todos os japoneses que eu li antes, essa autor me pareceu mais universal, suas referências musicais ou literárias, não se referem unicamente o Japão. Gostei muito disso.

Apesar do nome, o livro apresenta uma sociedade só de homens, onde as mulheres não existem, mas sim contos tratando de sete contos onde um homem que teria ficado sem uma mulher específica de sua vida e essa falta se torna um problema para sua vida. Achei que tivesse feito um comentário rápido sobre os sete contos no Instagram,  seria minha primeira experiência de relato imediato, que depois usei muito no Instrumental, mas na verdade não comentei todos, uma pena.  Mas escrevi muito sobre esse livro nas redes, durante e depois da leitura porque esse livro , realmente, não saiu da minha cabeça no segundo semestre de 2024, porque é muito bom e despertou muitas reflexões e também porque eu encontrei um vídeo de um audiobook  de “Homens sem mulheres”, que você pode assistir AQUI, e eu, que sou muito oral, gostei muito de ouvir os textos depois.

Neste post, depois de meses, vou copiar o que escrevi a respeito desse livro nas redes, é muita coisa, vamos lá:


Consta que emprestei esse volume na biblioteca em 28 de julho, devolvi “Tsugumi”, de Banana Yoshimto, um livro banal escrito por uma autora japonesa (a ideia era  conhecer novas vozes literárias ) e trouxe juntamente com “Noites Brancas”, de Dostoiévski, e eram as minhas primeiras leituras desses autores. Eu queria coisas novas.

Agora as várias postagens que tomaram todo o mês de agosto, em ordem cronológica :

Em 9 de agosto

HOMENS: Faz quase uma semana que comecei a ler "Homens sem mulheres" , meu primeiro Murakami. Não é nenhum dos que eu pretendia iniciar o autor,mas foi que chegou. São sete histórias médias (ainda não sei dizer se contos ou novelas), estou terminando a segunda. Até  agora as histórias falam de um Japão  contemporâneo (anos 1980 ou antes), com muitas referências ocidentais e algumas orientais,  populares e eruditas (Beatles, Woody Allen ,Beethoven, Tchecov,etc).A escrita (meu interesse ) é fluida , por isso eu estranho a leitura não deslanchar como previsto,  nada poética  como Kawabata, mas com um ou outro trecho belo, uma ideia genial. Quero ao menos chegar na metade pra falar minhas impressões com mais propriedade.

Parei a leitura agora  quando um casal de universitários conversa depois de jantarem num restaurante italiano em Tokio, e a moça ficar sabendo que o rapaz terminou seu namoro de colégio e teoriza:"Será que não é necessário você passar por essa fase solitária e difícil enquanto ainda é jovem? Como um processo de crescimento? (...) Assim como uma árvore que,para crescer vigorosamente, precisa passar por invernos rigorosos. Em um clima quente e agradável, não surge o anel de crescimento." E o rapaz ""Eu tentei imaginar o anel de crescimento dentro de mim. Só me veio à cabeça o resto de Baumkuchen de três dias atrás" (p.66) Peguei o celular para procurar a imagem de um Baumkuchen (em nota explica que : significa literalmente "bolo árvore". Os anéis que aparecem qd o bolo é fatiado lembram os anéis de uma árvore). Será que   essa imagem tem  algum significado maior na história? A ver...

À direita o Baumkuchen,
bolo árvore
 

12 de agosto

HOMENS : Terminei ontem de ler  a terceira história "Órgão independente" e , superficialmente, é Murakami dando material para  reclamarem  que ele é machista, que odeia mulheres, etc.  Não é meu caso, a visão dos personagens não é necessariamente a de Murakami, e mesmo que ele também concorde, estamos falando de Japão, outra cultura, difícil e pobre  condenar  julgando com nossa régua moral ocidental. Achei a história de Tokai, um homem que foi enganado por uma mulher e isso lhe foi fatal, bem pesada por motivos existenciais e filosóficos. A referência não nominal ao livro sobre holocausto

"É isto um homem?" de Primo Levi , que lemos na faculdade, e que  sustenta essa história, tornou meu sono mais difícil.

Para mim o problema  de Tokai não foi ter sido enganado por uma mulher mentirosa, mas sim um questionamento mais íntimo sobre o sentido da sua vida vazia que possibilitou que ele, tão dono de si, fosse enganado pela conversa fiada da mulher.

Aí, devo dizer, do pouco que conheço da literatura japonesa, ela é ótima pra pirar nosso cabeção  nesse sentido. Grandes são os livros que incomodam!

13 de agosto

HOMENS : "Sherazade"o quarto conto de "Homens..." ,na verdade o livro todo, me fez pensar em  como as mulheres são fascinantes e perturbadoras para Murakami. Retomando o tema das 1001 noites, nesse conto  um homem chamado Habara, que vive isolado em uma casa (e não sabemos pq) recebe eventualmente uma mulher para cuidar dele, trazer compras e transar. Como ela gosta de contar histórias mirabolantes pós sexo, ele a chama de Sherazade. Nesse conto é o fio da narrativa que une Habara e Sherazade :

 "Eles estavam ligados por uma corda fina e frágil, por assim dizer, Provavelmente um dia, ou melhor,com certeza um dia essa relação ia chegar ao fim. A corda seria cortada. Mas cedo ou mais tarde (...) E uma vez que Sherazade partisse, Habara já não poderia mais ouvir suas histórias. O fluxo seria interrompido, e várias narrativas fantásticas, desconhecidas,ainda não contadas, desapareceram.

Ou talvez ele fosse privado de qualquer liberdade e, como consequência, fosse afastado d todas as mulheres, não só Sherazade. Era grande a chance de isso acontecer. Assim, ele nunca mais poderia penetrar o interior úmido do corpo feminino.Nem sentir seu tremor sutil. Mas o que era difícil para Habara não era  a falta de sexo em si, mas a possibilidade de não poder mais compartilhar um momento íntimo com mulheres. Perdê-las,no final das contas, era isso. Um momento especial,que anula a realidade mesmo fazendo parte dela :era o que as mulheres proporcionaram." (P. 152/3)

Como diz um comentário que achei na internet, eu também quero agradecer essa mulher que traumatizou Murakami e o fez escrever esse livro sensacional e perturbador.


13 de agosto

HOMENS : Nada que eu diga vai superar esse comentário!

O livro,no fundo, é uma dolorosa sessão de terapia. E o pior é que eu estou adorando !

 


Não disse que pirou meu cabeção?


14 de agosto

A ESCRITA DE "HOMENS...": É  meu primeiro Murakami.Depois de "Yesterday" e "Sherazade", eu até fiquei bem empolgada com a leitura do livro, que é mesmo boa literatura. Mas a escrita, que é algo importante pra mim, não me encanta tanto. Não tem trechos saborosos que gostaria de copiar (até agora só destaquei um, no fim de "Sherazade"). Além disso , tenho dificuldade em chamar esses textos de contos, pois acho muito extensos (não só em páginas), e tem momentos que dá vontade de pular trechos !Agora cheguei na metade e estou sem motivação pra começar a ler "Kino", o próximo texto, sabendo que tem mais de 30 páginas, tem duas noites que deixo o livro de lado... Vou persistir e terminar, claro, mas antes quis deixar um depoimento.

14 de agosto

HOMENS : Acabei de escrever um depoimento "reclamando" de algumas coisas no  Murakami, dizendo que estava com preguiça de ler "Kino" o próximo conto do livro,bla,bla,bla. Comecei a ler, e ele ME RESPONDEU! A leitura fluiu muito, rapidinho,  terminei e acabei com o "coração"(sim,o órgão mesmo) disparado. É um texto muito musical, dessa vez ouvimos  Jazz, onde o protagonista, Kino, vai ficando perdido, alguém "meio transparente" com as "vísceras transparentes, como uma lula recém capturada" (189), um "homem que não está em lugar nenhum" (189) e eu acho (sem muita certeza) que para entender melhor essa história eu devesse conhecer mais Kafka. Como todos do  livro, é um texto sobre solidão. Sobre apagar   todos os  sentimentos, tentar desligar o coração ,para  evitar mergulhar numa dor profunda. Mas aí um dia você ouve alguem bater no vidro da janela

"Em um ritmo sempre regular,como se tentasse seduzi-lo a entrar em um labirinto de sugestivas memórias. Toc, toc, Toc,toc.

Outra vez: toc,toc. Não desvie os olhos. Olhe para mim fixamente, alguém sussurrava em seus ouvidos. Afinal, esta é a imagem do seu coração. (...) No profundo interior de Kino a mão quente de alguém foi estendida e tentou pousar sobre a dele. Com os olhos fortemente cerrados, Kino sentiu o calor dessa mão e a espessura macia. Era algo de que ele se esquecera

havia muito tempo. Era algo que fora afastado dele havia muito tempo. 'Sim, estou magoado. Muito, profundamente' Kino disse a si mesmo. E chorou."(P.194)

E eu, que não sou "homem sem mulheres", muito me identifiquei com Kino. A mão quente q se estendeu sobre o meu coração em carne viva hoje foi a de Murakami. E como dói!


Em 20 de agosto

HOMENS : "... Entendi- ela disse (a Samsa!) . - Você é meio retardado. Mas o seu pênis é bem saudável. Fazer o quê?" ("Samsa apaixonado" In "Homens sem mulheres", Haruki Murakami.

Como suspeitei : Kafka presente! Tô adorando esse livro.

 

Em 22 de agosto

HOMENS SEM MULHERES: Estou a um conto de terminar o livrinho, claro que já adio esse final, porque essa é uma obra que está mexendo muito comigo e vai ser difícil a despedida. Um homem, vendo que eu carregava o volume, leu o título e me disse que ser um homem sem mulheres é o que ele não quer. Nenhum dos homens do livro quis, mas acabaram assim. Murakami é muito cirúrgico: não é um livro sobre um mundo só de homens. Em geral os contos falam de homens que,tendo conhecido uma mulher específica em determinado momento da vida, tiveram que se despedir dela e muitas vezes os contos são como sessões de terapia, algo bem parecido com a frase atribuída ao Freud: "ninguém sabe o que quer uma mulher!". Mas, como acontece na vida real, esse homens tem sempre outras mulheres em suas vidas (homem hetero não fica sem mulher), mas ficam sem "aquela mulher", que eles não saberão nunca o que ela quer! Vamos ver o que nos diz o último conto "homens sem mulheres" e saber como termina essa jornada literária de agosto ! 


Em 30 de agosto

HOMENS : O sétimo  e último conto do livro, "Homens sem mulheres" é  exatamente o que a gente vem percebendo conto a conto no livro: histórias de homens largados por uma mulher importante. Esse conta a história de um que recebe uma ligação na madrugada  com a notícia de que uma ex namorada se suicidou. Mais uma, a terceira no caso dele. Mas essa, idealizadissima,   foi que o jogou na inquestionável condição de "homem sem mulher", que Murakami define : "É muito fácil ser um homem sem mulheres. Basta amar profundamente uma mulher e ser abandonado por ela. (...) De uma forma ou de outra, você também vai ser

um dos 'homens sem mulheres'. De repente. E,uma vez que você se tornar um dos homens sem mulheres, a cor da solidão se impregnará no seu corpo. Como se fosse uma mancha de vinho tinto em um tapete de vir clara. Por maior que seja o seu conhecimento sobre arrumação doméstica, limpar essa mancha será um trabalho assustadoramente árduo. A mancha pode clarear um pouco com o tempo, mas permanecerá lá até seu último suspiro." (P. 234) Baita livro. Em breve faço um balanço da leitura

Meses se pasaram e, em outubro , escrevi sobre esse livro de novo


Em 28 de outubro

"Homens sem mulheres" foi meu livro de agosto. Até hoje não tive tempo de escrever  um texto maior sobre ele, sobre essa viagem a possíveis universos masculinos. Talvez eu não tenha ainda digerido tudo aquilo. No dia do meu aniversário estava conversando sobre literatura com o Fernando e Micael no Sesc Pompéia e falei do conto "Samsa apaixonado".

Lembrava bem dele, que é uma recriação de "A Metamorfose" de Kafka,mas ao contrário. Depois do papo eu   tive vontade de reler o conto. Especialmente aquela parte em que Gregor Samsa se apaixona por uma chaveira corcunda  e quer conversar com ela com calma, perguntar muitas coisas "sobre a origem desse mundo, sobre você, sobre mim" ... Queria encontrá-la de novo, "ficar frente a frente, conversar com ela até se satisfazer, queria desvendar com ela,aos poucos, o mistério deste mundo...."queria observá-la de vários ângulos ...e, se possível, queria tocar as várias partes de seu corpo, queria sentir a textura, o calor da sua pele e queria subir e descer junto com ela as diferentes escadas deste mundo..."Poxa, que descrição do estar apaixonado ! Mesmo para quem não leu o conto (recomendo) fica evidente que,para Samsa, a simples existência da chaveira dá algum significado à sua vida, algum significado ao fato dele  ser um homem, não um peixe ou girassol...

Tem coisas que só a literatura nos oferece...

 

Poxa, que leitura! Super recomendo! Mas aviso: carece de ter coragem!

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

"Ciranda de pedra", a roda fechada da vida e o desamparo de Virgínia

Eu li Ciranda de pedra


Em dezembro de 2021 eu li meu último livro do ano, “Ciranda de pedra”, primeiro romance da Lygia Fagundes Telles, minha escritora brasileira favorita e tinha tudo para dar certo. E deu, pois gostei muito do livro. Embora ela tenha escrito coisas antes, ela mesma considera este o seu primeiro livro. É também o primeiro romance dela que eu li. Achei muito bom, aquela escrita que nos prende do inicio ao fim, uma leitura excelente.

Primeiro quero falar sobre a capa desta edição da Cia das Letras. Geralmente os livros de contos de  Lygia tem capas muito interpretativas, um recorte de uma obra de arte maior,indicando que o tesouro está nos detalhes . No caso deste romance a capa não foi um recorte, mas praticamente a obra toda 

À esquerda a obra original, à direita a capa do livro

"Tonga II", de Beatriz Milhazes, 1994
Muitas cirandas de pedrinhas 

Mas tive meus estranhamentos. O maior deles foi encontrar um texto tão bem explicado. Todo bom texto de Lygia, é cheio de metáforas e símbolos que, se observados, vão nos fazendo escavar melhor os significados da narrativa. Nesse livro, não sei se porque é um romance e não um conto, ou e é porque é o primeiro livro que ela considera ter escrito, todo isso é muito bem explicado, de forma quase didática.

Uma das coisas que mais me atraem na obra de Lygia é que embora ela tenha escrito excelentes contos de terror ou suspense, terríveis mesmo são aqueles fragmentos de narrativa do cotidianos cheios de tensão embutidas, nos quais você lê, não acontece muita coisa surpreendente, mas a gente sente o soco, só não sabe de onde veio. Nada é muito explicado, mas aparecem as metáforas, os símbolos,por exemplo,  o som do saxofone que contradiz o discurso do narrador ; a escolha do  o colar de falsas  pérolas que  supões uma traição; as lantejoulas verdes que parecem querer alcançar  Tatisa quando ela foge para não  presenciar a morte do pai; as três xícaras de café bem forte que servem de armadura para proteger a dignidade de Maria Camila quando seu castelo é invadido; o vermelhidão de loucura das cerejas nas memórias de infância;  o suor amarelo-verde que empapava o  vestido branco de mamãe no sonho; etc.

Lygia é excelente contista. Será que é também boa romancista ?Não tenho como saber ainda,por enquanto eu ainda prefiro a riqueza de tesouro dos contos.

No romance publicado em 1954, o narrador cola-se na perspectiva da protagonista Virgínia para contar a sua história, inicialmente como  uma criança e depois uma mulher adulta, que vai  narrando sua vida , conforme vai adquirindo consciência do que acontece.

Virginia é a caçula de uma família que, no inicio da narrativa, já está repartida.Enquanto seu pai  Natércio, um advogado muito bem sucedido, e as suas duas irmãs mais velhas: a  moralista e religiosa Bruna e a bela e dispersa  Otávia, moram em uma casa grande com a governanta Herta , e são vizinhos do jovens  Afonso e os irmão Conrado – seu amor platônico -  e Letícia , formando um grupo de cinco pessoas mais velhas que a menina Virginia admira e ao qual deseja pertencer, embora seja sempre excluída e rejeitada .  Ela, por sua vez,  mora em uma casa simples com sua mãe Laura – uma mulher com perturbações mentais- ; Daniel, o seu “amante”, que é também o  médico que a atende e que a menina chama de “tio”;  e a Luciana, uma empregada negra também apaixonada por Daniel e que Virginia vive depreciando, chamado-a  de “mulata” . Quando criança, Virgínia é carente e deseja que a mãe se cure e volte a morar com o pai.Nessa primeira parte do romance, a mais interessante, nossa pequena  protagonista vive em estado de profunda solidão, sem ninguém para conversar, brincar ou confiar. Em alguns momentos de desespero chega a implorar afeto até a Luciana, com quem normalmente troca farpas:

“Luciana, eu vou morrer, ninguém gosta de mim, ninguém! Diga que gosta de mim, pelo amor de Deus , diga que gosta de mim!

-Não chore assim alto. Quer que sua mãe ouça? Virgínia tapou a boca com as mãos. Soluços fundos sacudiam-lhes os ombros.

-Diga Luciana...

-Você está se despenteando.

- Quero ficar despenteada, tenho ódio deles! – exclamou puxando os cabelos. Estendeu-se no chão.- Queria morrer...

-Você vai sujar o vestido e não tem outro.

-Ninguém gosta de mim. Minhas irmãs não se importam comigo e minha mãe só gosta do Tio Daniel” (p.20).

 

No decorrer do romance vamos entendendo o contexto muito vagarosamente, seguindo a limitada consciência infantil da menina Virgínia, que Laura era casada com Natércio, passou a ter problemas mentais e o médico Daniel foi chamado para tratá-la e no fim acabaram se apaixonando, romance de onde ela nasceu, a mais nova, a filha do amante, como era pensada nóis anos 1950.  Laura e Daniel vão morar juntos, levando sua filhinha, que acreditava ser filha de Natércio e não entendia porque não morava com a família ou porque  as irmãs a rejeitavam. Virginia não é acolhida em lugar nenhum, é sempre um elemento que sobra e, numa visita a casa do pai Natércio, ela vê umas estátuas de anões de pedra, de mãos dadas, em uma ciranda da qual ela não pode fazer parte, assim como não pode fazer parte da ciranda de pedra formada por suas irmãs e seus vizinhos.  

Com a morte de Laura, na metade do romance, Daniel também morre em circunstâncias inovadora para a época, que não vou revelar aqui, e esse choque de realidade faz com que Virginia vá, enfim, morar na casa do pai e das irmãs, onde também é constantemente rejeitada e ouve da boca lúcida de Luciana, a verdade que nunca quis aceitar, que seu verdadeiro pai era o tio Daniel.

Ciente de que era indesejada por todos na casa do pai Natércio, aquele que não conseguia sequer olhar para ela, pois ela era o resultado vivo da traição que havia sofrido, Virginia pede para viver em um internato, de onde sai já adulta formada em línguas.

De volta a casa de Natércio a moça observa que, embora suas vidas tenham mudado muito a ciranda ainda rodava em torno de su mesma: Bruna se casou com Afonso e teve uma filha, Otávia virou artista plástica; Letícia uma tenista de sucesso e Conrado, seu príncipe, virou solteirão. Nesse retorno, incrivelmente, Afonso e Letícia a desejaram como mulher, assim como Robson , um novo atleta da ciranda. Sublinhando esse ponto do enredo, destaco a originalidade do romance para a época, além de tratar de loucura, divórcio, bissexualidade, entre outros temas tabus nos anos 1950. Mas, ainda que fosse disputada pelos membros da ciranda, Virginia foi percebendo que, por mais que tentasse fazer arte,nunca conseguia e a melhor coisa a ser feita seria tentar a vida longe daquelas pessoas, pois aquela ciranda de pedra deveria ruir sozinha, voltada para si própria.

Como foi uma leitura muito fluída, terminei rapidamente e quase nem fiz comentários sobre.  Só copiei trechos lindíssimos. O primeiro de quando Virginia visita a casa do pai Natércio e, isolada no jardim, depara-se com os anões e deseja fazer parte da roda, explicando então a metáfora da ciranda de pedra:

“Aproximou-se dos  anõezinhos que dançavam numa roda tão natural e tão viva que pareciam ter sido petrificados em plena ciranda. No centro, o filete débil da fonte a deslizar por entre as pedras. ‘Quero entrar na roda também!’ exclamou ela apertando as mãos entrelaçadas dos anões mai próximos. Desapontou-se com a resistência dos dedos de pedra. ‘Não posso entrar? Não posso?”  (Lygia Fagundes Telles . 'Ciranda de pedra", p.79)

Em um dos trechos mais bonitos do livro, encontramos a menina Virginia ouvindo, de seu quarto, os discos de Beethoven que tio Daniel coloca para tocar todas as noites e descreve  o som assim :

Os discos que ele punha para tocar eram sempre os mesmos e tinham um som um pouco gasto, como se estivessem esgotados. Mas ele repetia dez, vinte vezes sem parar. (...)A princípio pareciam sem sentido. Mas certa noite, na escuridão do quarto, só ouvir os discos que já sabia fazerem parte do álbum de Beethoven, recebera-os com obscuro sentimento de cumplicidade. A música tinha um enredo e desafiava esse enredo como uma pessoa amiga que entrava para uma visita, uma pessoa muito amiga, mas muito estranha, que ora chorava, ora ria, repetindo de vez em quando o começo da historinha :'Sabe Virgínia, eu vou contar, era uma vez...'. As histórias começavam bem, mas de repente tomavam um rumo imprevisto e vinha um assunto que nada tinha a ver com o início, ramificavam-se. Eram queixas, protestos, ela já os conhecia de cor, 'Agora vem a raiva, mas já vai passar'. E de fato, logo após vinham sons brandos, lentos,como que cansados devido ao acesso. E a história recomeçava numa obsessão: 'Sabe, Virgínia, mas eu estava contando'...Era um amigo difícil, triste, por isso mesmo era preciso ter paciência com ele." (Lygia Fagundes Telles . 'Ciranda de pedra", p.57-8)

Já adulta, se dá conta da impossibilidade de entrar na ciranda de pedra :

“A dança era antiga e exaustiva justamente porque ela ficara de fora, desejando participar e sendo rejeitada. E rejeitando-a para logo em seguida esforçar-se para entrar. Admitiram-na finalmente. Mas era tarde, jamais acertaria o passo.” (Lygia Fagundes Telles . 'Ciranda de pedra", p.173)

Não vou dar spoiler do que aconteceu no final, mas só copiar um belo trecho que encerra do romance e copie quando terminei de ler

"CIRANDA DE PEDRA : "Hei de me guiar por alguma daquelas estrelas que me dirá onde devo descer . (...)  ao menos isso eu quero, já que é preciso aceitar a vida, que seja corajosamente." (Lygia Fagundes Telles . 'Ciranda de pedra'(1952), p. 199)

Amo muito a escrita de Lygia! Em véspera de natal foi desafiador ler um  romance sobre o brutal desamparo de uma garota que nunca se sente pertencendo a lugar nenhum, como eu, mas quero ler mais e mais livros dela.


domingo, 15 de dezembro de 2024

Samba d'Coroa : último do ano




 Foi o último do ano, fechando com chave de ouro . E eu já estava mesmo exausta, depois de um ano com incontáveis sambas maravilhosos, já estava no fim do circuito olímpico. Como o dia se zangou, nada gostoso pra usar branco, tive q me previnir pra chuva ou frio. Fiz o que pude! 

No caminho guardei a flor:
Sem clima 









Foi bom demais ter ouvido um pouco do Nilson Rufino: só música boa! Sambas tradicionais

No busão de volta:cansada

Nilson Rufino

Pena que não ouvi minha favorita Pago pra ver, mas ouvi outras maravilhas.

O tema desse samba, muito pela presença da Cassiana Pérola Negra, foi a música que mais ouvi em 2024, segundo o Spotify 




Agora entrei no recesso: dormi mais que a cama e agora só volto pro rolê no réveillon! 

Depois fui até garota propaganda 



Só tenho agradecer mais um ano deitada no berço do samba!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

REVENDO 2024: Faces de Camila

 



Iniciando as postagens da revisão 2024, aqui estão minhas faces mês a mês .

 2024 foi um ano desafiador, teve dengue, teve cirurgia, teve corte de cabelos, teve crushs, teve muitas cores ,mas a face continua a mesma. 
Posto minha tradicional Faces de Camila, selfies mês a mês , de janeiro a junho e de julho a dezembro. Não necessariamente as mais bonitas ou representativas, mas as que encontrei...



Nos próximos dias mais posts de releituras do ano!


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Banda de Pífanos de Caruaru : último instrumental do ano

 


Dezembro chegou encerrando 2024 e tivemos o último instrumental em grande estilo: a Banda de pífanos de Caruaru comemora cem anos de existência. Salve.

O tempo estava ameno,eu queria brilhar e sai toda elegante



Depois achei que esse tipo de look, além de confortável, combina.muito com meu corte de cabelo moderninho. 

Não era o creme de palmito com queijo,
Mas tinha palmito 😍

No Sesc eu ia apenas comer um lanchinho, mas vi que a sopa era de palmito e pensei: é o último dia do ano que venho aqui. Tomei. 

Depois o show estava lotado, nem acredito que consegui tão fácil o ingresso e foi histórico, como você pode assistir aqui 


É muito nutritivo ouvir esse som tão tradicional, de grandes mestres. Tirei fotos
















Eles vendiam LPS, DVDS E PÍFANOS 

Os Pífanos acabaram logo




No busão,na volta, escrevi o comentário rápido :

BANDA DE PÍFANOS DE CARUARU completando 100 anos e encerrando o ano do Instrumental SESC Brasil foi divino! Uma banda familiar (viva os d'Biano), regional e universal, só agradeço ter podido ouvir suas percussões e seus SAMBAS MATUTOS! Valeu por mais essa Instrumental SESC Brasil! Ano que vem tem mais 😜


Postei no instagram




Uma colagem do Google fotos 



terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Oitavo encontro das comunidades e rodas de samba


O último samba dos Partideiros Maria Zélia do ano! 
E foi no dia da Oxum: eu estava muito dourada

nos dias que estou mais agustiada e triste
eu recebo mais elogios. Sempre isso! 
 
Algumas  fotos :





 


partideiros

Thobias cantou senhora tentação


a corte do carnaval do Maria Zélia

gostinho de carnaval

Eu no meio da corte de lindos

Thobias

Samba Produto do morro ZL: O Brasil que eu quero

samba me animou 

produto do morro


cada coisa!



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