"Após o anoitecer" (2009) , de Murakami foi um livro indicado um grupo de leitura do Facebook e que comprei usado e gostei em julho de 2025. Meu terceiro Murakami (além de "Sono" e o inesquecível "Homens sem mulheres" que em agosto completa um ano da primeira leitura inesquecível!), esse chegou um dia antes do gélido feriado de 9 de julho e foi meu companheiro no mês mais gelado do ano.
Levei até pra viajar e foi um ótimo companheiro!
A partir de pouco antes da meia noite até um pouco depois das seis horas da manhã, um relógio vai contando as horas de uma madrugada em Tóquio e o que acontece na vida de alguns personagens naquele período. Não sei se a obra tem algum protagonista, mas destaco como principal a história das irmãs Mari e Eri Asai. Mari é uma universitária tímida que fala chinês e ,por algum motivo não revelado de cara,escolheu passar a noite lendo em um café. Ela é irmã mais nova nova da modelo Eri, que se encontra dormindo em casa há dois meses, por algum motivo que também não é revelado. A trama delas é muito interessante, uma é o oposto da outra (uma não consegue acordar, a outra não consegue dormir,uma ligada a aparecia a outra a essência,etc ) e o problema principal está na dificuldade de comunicação (tema caro aos japoneses). Por isso chamei esse livro de um romance sobre amor fraternal.
Ao redor delas surgem outros personagens como o TROMBONISTA (coloco em caixa alta porque não foram bem um bem dois resenhistas que o descreveram como trompetista! Para mim não é detalhe) Takahashi toma um café com Mari antes de passar a madrugada ensaiando com a banda num porão. Depois disso surgem outras personagens do submundo de Tokio, como Kaoru,uma mulher grande, dona do Motel Alphaville, onde uma chinesa teria sido agredida. Como ela não fala japonês, chamam Mari para fazer a tradução do seu depoimento. Ai surge outra trama na história,a agressão da prostituta e o submundo das máfias chinesa e japonesa atuando nas ruas de Tokio. Nesta trama surge Shirakawa, um trabalhador pai de família e acima de qualquer suspeita, mas até na verdade esconde uma face violenta e tenebrosa e ouve as cantatas de Alessandro Scarlatti pelo contratenor estadunidense de origem japonesa Brian Asawa.
Esses e outras personagens, exceto Eri Asai que só dorme, vivem aquela madrugada acordados e se transformando em algo que não eram antes daquele amanhecer.
Tudo isso é enriquecido por uma rica e variada trilha sonora (como já vida de todo mundo) , que vai até vai de cantatas de Alessandro Scarlatti do século XVII, até sucessos do Pet Shot boys , não esquecendo o destaque para o repertório de jazz e blues do trombonista, uma das coisas mais belas do livro.
Dando uma olhada nas resenhas dos booktubies , a maioria gostou ou achou ok.
Destaco esse vídeo, onde a jovem defende que esse livro é uma ótima opção para começar a ler Murakami,porque ele é curto e aborda de forma "concisa e domada" alguns dos temas/ambientes comuns na obra do autor, como humor distorcido, histórias dramáticas,"realismo mágico", histórias estranhamente sexuais ou violentas, funcionando como uma espécie de sumário daquela escrita.
Mas, pessoalmente, eu destacaria a forma de contar como o grande diferencial do livro. Não só porque é marcado pelo relógio, mas especialmente pelo fico narrativo diferenciado. Narrado em terceira pessoa, o narrador, que é uma espécie de "POV", um ponto de vista , e narra assim
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| Esse ponto de vista de camera, avisa o leitor,apenas descreve os acontecimentos sem interferi neles. (P. 157) |
E conta a história a partir de uma câmera imaginária,por isso o livro parece sempre querer ser um filme .
Todo esse cenário desenvolvido por Murakami me lembra muito o que se pode observar nos filmes e séries da Netflix, que são o que há de mais moderno na produção de narrativas.
Por essas e por outras, adorei ter feito essa leitura.
ALGUMAS POSTAGENS NAS REDES SOCIAIS DURANTES A LEITURA
21 de julho
"-Fico pensando... Será que as lembranças não seriam o combustível de que os homens precisam para viver? Se essas lembranças são ou não realmente importantes para a manutenção da vida, não vem ao caso. Elas podem ser apenas um combustível. Seja uma propaganda de jornal, um livro filosófico, uma foto pornográfica ou um maço de notas de dez mil ienes, tudo isso não passa de papel na hora de queimar, não é mesmo? O fogo não queima tudo questionando "Nossa! Isso é Kant" ou "Isto é a edição vespertina do Yomiuri" ou "Puxa! Que peitos!", concorda? Para o fogo, tudo não passa de papel. É a mesma coisa com a memória. As lembranças importantes, ou até as que não têm importância nenhuma, tudo, indiscriminadamente, é apenas matéria de combustão.
Koirogui balança a cabeça concordando consigo mesmo e continua :
- É por isso que, se eu não tivesse esse tipo de combustível em mim, se eu não tivesse essa gaveta de lembranças dentro de mim, eu já teria morrido há muito tempo. Eu estaria em algum lugar horrível, abraçando meus filhos joelhos, morta e abandonada na estrada. Na medida em que posso usar, de acordo com minhas necessidades, as inúmeras lembranças que tenho, sejam elas importantes ou não, é que consigo me manter viva, mesmo sendo essa vida de pesadelos. Mesmo que eu pense que não dá mais, que não posso mais continuar, consigo de alguma maneira superar isso. " P. 173
23 de julho
"Sala do subsolo que parece um depósito. Estamos no local onde a banda se reúne para ensaiar durante a noite. (...) Takahashi toca um solo longo com seu trombone acompanhado de piano elétrico,contrabaixo e bateria. É "Sonnymoon for Two", de Sonny Rollins. Um blues de ritmo moderado. A performance de Takahashi não é nada má: além da técnica, ele tem um modo de desenvolver frases e variações temáticas que resultam num diálogo musical. É em momentos assim que se revela a personalidade do músico. Ele fecha os olhos e se entrega à música." (Haruki Murakami. " Após o anoitecer",p.175)
28 de julho
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| A hora passando ... |
APÓS: É real, estou a poucas páginas de concluir minha terceira leitura de Muraksmi, e dessa vez um romance e um exemplar meu! 😍
Achei que ia concluir na volta da viagem, na qual ele foi meu companheiro fiel, mas não é tão aleatoriamente assim que nos despedimos de um livro de Murakami, tem que ter aquele tempo do medo da despedida. Estou nele: o romance se passa em uma madrugada , a partir da meia noite, e segundo o reloginho que inicia os breves capítulos já estamos quase em cinco da manhã : mais breve do que eu gostaria concluo mais uma leitura deste autor incrível. Virá outra, ler Murakami e gostar é só começar 😍
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| Na madrugada, terminando de ler |
29 de julho
APÓS: Acabei de ler. Não era minha intenção terminar hoje, já estava até dormindo (fato irônico em relação a esse romance), mas recebi uma ligação e a conversa não pôde se desenvolver no tempo e como eu estava acordada, restou-me cair nos braços do livro. Que na real é uma história de suspense muito bem contada. Do pouquíssimo que conheço de Murakami, já identifiquei que os temas comuns vão de música , ao fascínio por mulheres, invariavelmente filtrado por questões envolvendo o sono. Nesse livro o centro é o amor fraternal e a dificuldade de comunicação. Mas há também, de forma coadjuvante,traços de uma forma lindíssima de falar do apaixonar-se como um filtro de vida para os olhos de quem está vivendo (que aparece também no conto "Samsa apaixonado"). Neste nosso século dos amores líquidos, destaco que em Murakami ainda temos o "velho amor ainda e sempre", o que espera, que deseja trocar longas cartas, que planeja encontros cotidianos para o próximo verão e que vão ser incríveis só por estarmos juntos novamente! Pode parecer ultrapassado, mas na verdade é o amor mais bonito e ainda resta em livros, belíssimos como este!





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