Eu e Lima |
(Imagem é da Gruta Rei do Mato em Sete Lagoas, por Marcelo Sander... Olha de novo : Não parece uma imagem da Oxum? Então : tudo está guardado debaixo do chão de Minas...) |
Que eu sou louca por MG todo mundo já sabe. Me perguntam se é por causa do Rosa, ou se eu gosto de Rosa porque eu amo Minas, mas essa é a pergunta quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha?
Itamar no Roda Viva: "Gosto de pensar no Brasil profundo porque pensamos em nossas raízes" |
Terminados os romances maravilhosos
que li na virada de 2020 para 2021, tinha que decidir o que ler antes do trabalho e engolir minhas
leituras de prazer? Tenho sempre as crônicas de Hatoum para emergências, mas eu
queria escolher um romance. Mas sem muita
expectativa. Queria ler algo diferente, e comentei bastante minha escolha aqui . Sim escolhi a lindíssima Chimamanda Ngozi Adichie
porque ela é mulher e africana, e eu estava me devendo a leitura de uma autora assim .
Ai escolhi o Hibisco
Roxo, nessa edição linda, porque julguei ser o que fosse me contar uma
história (nada de palestrinhas) e quando percebi que tinha acertado, até
comentei animada
“Sim, Chimamanda conta uma história nigeriana,
cheia de palavras Igbo e comidinhas tradicionais (achei a receita de várias no
Google, o ruim é encontrar os ingredientes). Ainda nem cheguei na metade e por
enquanto posso afirmar que é uma história tensa, porque ficamos todo tempo em
posição de defesa, como a narradora Kambili, pois nunca se sabe o que Papa vai
fazer!”
O livro conta a história da família da narradora Kambili, uma
adolescente de quinze anos de família rica e muito católica, formada por seus
pais Eugene e Beatrice e o irmão mais novo Jaja. Vivendo uma vida de luxo, são
muito controlados por Eugene, o Papa, um fundamentalista religioso que rejeita
tudo que não é como ele entende as leis sagradas da Igreja. A sorte de Kambili
e Jaja, que são proibidos de tudo por Papa, é que eles tem a tia Ifeoma, que é uma professora
universitária viúva, critã mas não ortodoxa como o irmão, e uma personagem
iluminada, em cuja casa o “riso sempre ressoava, não importa de que cômodo vinha”
(p.151) e o melhor período do romance é quando Ifeoma leva os sobrinhos para passar uma
temporada em sua casa, muito mais humilde, mas onde pode conviver com os primos
Amaka, Obiora Chima, e a conviver com seus vizinhos e até mesmo com a igreja
que a família frequenta, dirigida pelo curioso padre Amadi, que aos olhos da
narradora, é tão sedutor quando Christopher Plummer em “Pássaros Feridos”. É
claro que ela se apaixona por ele e o primeiro amor é descrito em momentos
lindos como esse:
"Eu sorri. Ele sorriu e indicou que eu
deveria me levantar para receber um abraço. O corpo dele tocando o meu foi tenso
e delicioso. Eu me afastei. (...) Quis estar sozinha com ele. Quis contar a ele
o calor que sentia por ele estar ali, dizer que minha cor preferida era o tom
de argila da pele dele." (p. 233)
Com os primos a
relação é mais complexa, especialmente com Amadi, que tem mais ou menos a mesma
idade que ela e muito mais experiência de vida porque não sofreu censura da família
e pôde sorrir, falar , pensar e ser quem quiser toda a vida;ouve Fela e “outros
músicos culturalmente conscientes”(P. 162).
A história paralela de como Kambili vai tentar fazer Amadi descobrir que ela não é apenas uma riquinha mimada, mas sim alguém muito pressionada a se conter, me pareceu um ser um ponto algo do romance, até porque por causa dele, a trilha sonora da leitura foi Fela, claro
Outra história paralela que faz a leitura valer a pena diz respeito ao Papa Egene, que é a personagem mais complexa do romance, ao mesmo tempo em que é capaz de extremas bondades com a família, a igreja e a comunidade, é também uma figura muito intransigente, se contrariado, especialmente em se tratando de questões religiosas, não pensa duas vezes em lançar mão da violência física, seja contra a esposa, seja contra os filhos, que vivem numa tensão quase insuportável e isso é passado ao leitor, palmas à excelente escritora Chimamanda Ngozi por conseguir nos colocar nesse ambiente terrível. O tempo todo a gente deseja que Kambili, Beatrice ou Jaja reajam, mas na maior parte do livro eles parecem permanecer no estado de eterna adoração a Papa, não importa o que ele venha fazer. Se isso muda ou não eu não conto, só aproveito para destacar a história de Papa e seu próprio pai, o encantador Papa-Nnukwn, que não pode entrar em sua casa e que, vez ou outra, Kambili e Jaja podem visitar por quinze minutos, pois o avô segue regras da tradição tribal, o que leva Papa a considerá-lo um pagão, um ímpio que não deve conviver com seus filhos. Mas na casa da tia Ifeoma ele pode entrar e conviver intimamente com os os filhos de Ifeoma, especialmente com Amaka, de quem é mais próximo, e quando possível, até conviver com os netos que teriam sido afastado dele por causa do "feitiço" que Eugene teria sofrido dos missionários há muitos anos. É um trecho maravilhoso da obra, dá pra pensar muito na questão da manutenção da cultura em contexto colonialista.
Kambili é uma personagem bem simples, não apenas por ser
adolescente, porque Jaja e Amaka também o são, mas possuem mais camadas, ela é bem rasa,mas eu
não fiquei impaciente com ela, não sei se porque tive empatia, ou se porque eu ,leitora, também sofri na pele a tensão da vida que ela leva: a qualquer momento Papa
poderia voltar a agredir alguém e a única coisa que podiam dizer é “Deus seja
louvado” , para tentar evitar algo pior. Muito tenso.
Enfim, gostei bastante de ler esse livro, porque Chimamanda escreve bem e também porque é uma mulher que escreve bem (fala bem
das coisas femininas). Mas me arrisco a dizer que escreve como uma "mulher
africana", tem sensibilidade, mas muita objetividade nas descrições, em
trechos como esse:
"Quando acordei havia uma mancha vermelha
em minha cama, larga como um caderno aberto. (...) Jajá e Mama já estavam
prontos , esperando na sala de estar do segundo andar, quando saí do quarto. As
cólicas dilaceravam minha barriga. Imaginei uma pessoa dentuça mordendo as
paredes do meu estômago e depois soltando,num movimento ritmado."(P.
109-10)
Claro que o desconforto menstrual de Kambili só pode ser
compreendido por Mama e como ele acabou fazendo com que ela não obedecesse
estritamente as ordens de Papa, ela acabou sendo duramente punida com castigos
físicos. Essas sutilezas, em várias formas, são as maneiras que narrativa de
Chimamanda tratem de questões femininas e feministas em África, de forma
fabular, como eu gosto.
Valeu muito ler esta nigeriana! Recomendo.
"Tendo experienciado uma vida de constante desprestígio, crítica e preconceito, o escritor enfrentou crises de depressão, entregando-se ao álcool e sendo internado por duas vezes no Hospício Nacional. Faleceu aos quarenta e um anos, vítima de um colapso cardíaco, já caído no esquecimento e na miséria, em 1922. " (site do TAG)
CINEMAS AFRICANOS 2021
O E-book gratuito sobre a mostra de cinemas africanos 2020. A live de lançamento foi sábado (com as organizadores comentando cada texto), mas só consegui assistir agora e é incrível como eu "garrei amor" em cada um desses filmes, como ter assistido tantos, tantos (de forma inimaginável para mim, nunca tinha acontecido antes) e esse mergulho foi mesmo uma entrada na África mais concreta (embora a partir de filmes), depois dessa experiência comecei a ver tudo africano de outra forma, sejam pessoas, sejam livros, sejam filmes, foi uma experiência antropológica radical e esse livro é a cereja do bolo. Na medida em que as organizadoras foram comentando cada texto e eu fui reconhecendo mais ou menos do que elas estavam falando, eu fui ficando de coração quente: Quero ler todos os textos! Super recomento! Obrigada Mostra de Cinemas Africanos, obrigada CineSesc!
O link da live de lançamento está aqui
O link para baixar o livro está aqui ou aqui
Como prometido, agora eu vou tratar desse livro DESLUMBRANTE! Para resumir do que se trata, peço permissão para citar sua sinopse na Amazon:
"Omo-Oba: Histórias de Princesas é um livro que privilegia o recontar de mitos africanos, muito divulgados nas comunidades de tradição ketu, pouco conhecidos pelo público em geral e que reforçam os diferentes modos de ser femininos. Os seis mitos apresentados têm o objetivo de fortalecer a personalidade de meninas de todos os tempos."
Como tinha falado antes, as histórias de reinos e principados são muito importantes para crianças, isso tem relação com a construção da identidade e quer coisa mais linda do que "se ver" representado (a) nas ricas ilustrações de Josias Marinho? Visualmente o livro enche os olhos, é grande e colorido, com algumas das mais belas representações de crianças negras e de cabelos crespos que eu já vi, trançados ou não, que vontade que dá de fazer um cafuné nas princesinhas!
A autora, Kiusam de Oliveira é uma educadora paulista negra, engajada na valorização da sua afrodescendência para encontrar caminhos plenos, ainda que diferentes.
Como eu tinha postado aqui outro dia, a dedicatória do livro começa emocionando
Mas o livro chamou a atenção do país porque me lembro desse episódio envolvendo a obra : em 19 de março de 2018 (período de censura, de apelação pela "Escola Sem Partido", época do mergulho no pensamento fascista, algumas obras destinadas ao público infantil chegaram a ser censuradas, incluvise esta:
"FIRJAN informava que a obra “Omo-Oba: histórias de princesas” de Kiusam de Oliveira, publicado pela Mazza Edições, seria substituída por outra obra, atendendo às reclamações de alguns pais de alunos que frequenta a Escola SESI unidade Volta Redonda. "
A sorte foi que Kiusam denunciou nas redes sociais e devido a tanta pressão, a obra pôde circular.
Suponho que o incômodo dos pais tenha sido pelo texto de apresentação, onde Kiusam afirma que o livro tem o objetivo de "empoderar as meninas".Piiiii: "ideologia de gênero": vamos censurar! Ainda bem que não deu certo, porque o livro é lindo, contando seis mitos iorubanos sobre meninas que eram forças da natureza, depois princesas, e depois se tornaram dividades.
Se eu, criança, tivesse lido esse livro, não posso nem imaginar o tamanho do meu encantamento.
Vou colocar uma representação de cada princesa como aperitivo (no livro tem mais e muito lindas)e se tiverem como, leiam essa obra deslumbrante:
Oiá e o búfalo interior |
Iemanjá e o poder da criação do mundo |
Ajê Xalungá e o seu brilho intenso |
Capa de Igbo |
Pois bem, como pesquisadora de História da Infância e juventude minhas pesquisas sempre se voltaram para as meninas, seu universo e representações. Para falar de meninas africanas, não pude deixar de pensar que elas, no imaginário de grande parte da cultura tribal africana, eram primeiro elementos da natureza, depois nobres rainhas e princesas! Se a história de reinados é atraente para as crianças, lembrar que além dos “contos de fadas”, a África também tem muitas histórias de princesas. Conhecer essas peculiaridades é fundamental até para a História do Brasil, pois se agora sabemos, graças à pesquisas recentes, que quando africanos vieram para serem escravizados aqui, também vieram nobres. Está na canção de Zumbi de Jorge Ben:
Aqui onde estão os
homens
O destaque para as princesas negras é, penso eu, muito importante para as crianças afro-brasileiras, reforçando sua identidade e abrindo o leque de percepções para a diversidade.
Por isso eu comprei o lindo livro infantil “Omo-oba história de princesas”, escrita pela educadora paulista e afrodescendente Kiussam Regina de Oliveira. Depois vou escrever um post só para ele, mas por hora devo explicar que comprei pela Estante Virtual e, quando chegou, fui abrir e não era o livro que comprei! Era essa belezinha aqui. O vendedor se confundiu com o lance das princesas e acabou me enviando o livro errado, depois trocou, mas me deu a oportunidade de ler essa bela historinha.
Marcos Cajé segurando seu lindo livro |
Falando a partir de tradições da etnia Igbo da Nigéria, o livro conta a história de um rei que queria muito ter filhos mas sua rainha não conseguia engravidar. Embora em seu reinado ele mantivesse um “ministro místico”, o rei não era uma pessoa de fé, mas sua rainha o aconselha a consultar o IFÁ (oráculo africano) para saber o que poderiam fazer e, com a ajuda dele acaba tendo duas lindas filhas, princesas africanas que ele protege muito. O nome delas ninguém sabe, pois o “ministro mítico” já tinha avisado que as palavras pronunciadas eram poderosas e esse poder poderia se voltar contra as princesas.
Na medida em que elas vão crescendo, o rei começa a pensar em quem vai confiar para permitir que se case com suas princesas, chegando a formular um desafio: só se casa com uma das princesas aquele que tiver sabedoria o suficiente para descobrir o nome delas.
Não vou explicar como (deixo para sua leitura futura uma das partes mais legais da história), mas o jovem Adjo consegue resolver esse mistério, se casa com uma delas e aceita a outra como irmã.
ÉRICO VERÍSSIMO: O ROMANCE DA HISTÓRIA. De: Sandra Jatahy Pesavento, Jacques Leenhardt, Lígia Chiappini, Flávio Aguiar. Editora: Nova Alexandria. |
ÉRICO VERÍSSIMO: O ROMANCE DA HISTÓRIA. De: Sandra Jatahy Pesavento, Jacques Leenhardt, Lígia Chiappini, Flávio Aguiar. Editora: Nova Alexandria.
Ficou a dica! Amo!
*
Mas o melhor momento mesmo foi esse :
Não é uma resposta linda? Melhor do que eu esperava.
Disse também que personagens de O tempo e o vento fazem parte do seu imaginário de escritor e quando quis escrever um personagem neutro, chamou de "A. Terra", referência a Ana Terra. Ele também disse que em sua casa na chapada, no fim da tarde, parece que ouve os sons dos ventos, da roca dos Terra Cambará.
Agora estou escrevendo aqui, fico tão feliz com esses diálogos, vocês nem sabem. Eu achei linda a resposta e fiquei tão feliz de dialogar com os autores, mesmo na enlouquecedora quarentena, obrigada vida!
*
Ao final Paulo Scott, com aquele delicioso sotaque gaúcho, nos deu uma dica para a vida:
"SOBREVIVER DEMORA" Paulo Scott